Melancias, um álbum colonial e arte que não é para ver

O programa do 35º aniversário põe em diálogo gerações de artistas e conta a história da Arco Madrid. Mostra o lugar de uma curadoria numa feira de arte.

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Na Galeria Fortes Vilaça, dominam as 90 peças, em cimento e pigmento, da obra de Erika Verzutti, intulada Batalha (2010) AFP / GERARD JULIEN

À primeira vista, ninguém pensaria neles como pintores. O comissário norte-americano Aaron Moulton usa-os como “metáfora” para explicar a secção que na feira de arte contemporânea comemora os 35 anos da Arco. Eles são os artistas norte-americanos Analia Saban (Buenos Aires, 1980) e Richard Artschwager (1923-2013) e  apesar de o segundo já estar morto  Aaron Moulton está muito contente com o diálogo conseguido entre os trabalhos dos dois pelo espaço da galeria Sprüth Magers, de Berlim.

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À primeira vista, ninguém pensaria neles como pintores. O comissário norte-americano Aaron Moulton usa-os como “metáfora” para explicar a secção que na feira de arte contemporânea comemora os 35 anos da Arco. Eles são os artistas norte-americanos Analia Saban (Buenos Aires, 1980) e Richard Artschwager (1923-2013) e  apesar de o segundo já estar morto  Aaron Moulton está muito contente com o diálogo conseguido entre os trabalhos dos dois pelo espaço da galeria Sprüth Magers, de Berlim.

Foi a artista Analia Saban que pediu para ser “emparelhada” com Richard Artschwager. Construiu uma espécie de passagem de testemunho, partindo deste nome histórico da arte conceptual, da pop art e do minimalismo. “É inspirador olhar para novas formas de fazer arte contemporânea do ponto de vista de quem a produz.  Ambos têm uma aproximação muito conceptual à pintura e à escultura, olhando para a escultura como uma forma de fazer pintura.” Têm ambos, continua o comissário, uma abordagem conceptualmente baseada na artesania.

A colombiana Catalina Lozano, que co-comissaria a secção 35.º Aniversário com Aaron Moulton, explica num encontro com jornalistas estrangeiros na ArcoMadrid que a escolha de uma galeria por cada ano tem como objectivo compor um retrato dos 35 de existência da feira, lembrando que muitas delas começaram a envolver-se no circuito internacional em Madrid. “Claro que há muitas galerias latino-americanas e em muito casos produziu-se um diálogo entre gerações. Os artistas mais jovens retrabalham os nomes de uma geração estabelecida.”

Catalina Lozano destaca o caso da galeria Jan Mot, de Bruxelas, que cruza o britânico Ian Wilson com o mexicano Mario García Torres. “A Juan Mot veio com um artista conceptual muito importante, Ian Wilson, cuja obra tem lugar dentro de uma relação contratual e nós nunca a vemos.” O artista fez a sua última escultura em 1968, um risco de giz no chão, e a partir daí produziu as séries de eventos Oral Communication. “Mario García Torres é um artista que trabalha muitíssimo com a história da arte conceptual. Fizeram uma colaboração para pôr em diálogo as duas práticas.”

Interrogada sobre a presença portuguesa, protagonizada por Cristina Guerra com os artistas Filipa César e Lawrence Weiner, a colombiana diz que os comissários tinham “uma lista de sonho” – “mas claro que as galerias também têm os seus interesses” – e no caso de Portugal conseguiram o que queriam. Propuseram o nome de Filipa César e, num diálogo curatorial que envolveu a galeria, chegaram a Lawrence Weiner.

A artista, que não conseguiu ir a Madrid por estar a montar um filme, explica ao telefone que a parceria trabalha as várias camadas da linguagem. O vídeo dela, The Embassy (2011), que já foi apresentado em vários sítios, tal como a peça de parede de Lawrence Weiner, Lost&Found&Lost Again (2006), explora a descontextualização e a releitura.

The Embassy, em que um arquivista da Guiné-Bissau folheia um álbum da época colonial, é “uma citação performativa”. O arquivista-performer Armando Lona faz uma inversão da história, “numa narrativa que se sobrepõe à narrativa colonial”, nas palavras de Filipa César.

Cá fora ecoam as palavras de Lawrence Weiner, coladas sobre a parede branca: “Lost&Found&Lost Again / Broken&Fixed&Broken Again / Closed&Opened&Close Again”.

Sobre o modelo deste ano, que prescindiu de ter um país convidado – esta sexta-feira foi anunciado que a Argentina será o país de 2017 , a comissária colombiana explica que as feiras de arte incluem, cada vez mais, secções com curadoria. “Este ano a Arco decidiu prestar tributo à sua própria instituição e por isso é que temos esta secção que celebra a história da feira. Há muitas outras secções que têm curadoria há muito tempo, como a Opening (novas galerias) e a Solo Projects (América Latina). Como curadora, acho que são as secções mais interessantes da feira.”

Aaron Moulton defende como "brilhante" esta secção, que tem como directoras María e Lorena de Corral; a primeira foi directora do Museu Rainha Sofia e curadora da representação portuguesa no ano passado na Bienal de Veneza. “Estas instituições são forças muito importantes na ecologia do mundo da arte contemporânea.” E não há só arte conceptual, disse numa resposta à pergunta de um jornalista, como se pode ver pelo diálogo estabelecido entre Cory Arcangel e Stanley Whitney, "um momento formalista muito belo", numa relação entre as estéticas analógica e digital.

Prémio para galeria do Porto

A brasileira Maria de Pontes, uma das comissárias da secção centrada na América Latina, destacou a escolha da galeria Kubik, do Porto, que mostra o artista brasileiro Felipe Cohen, dirigida por João Azinheiro. Cohen recebeu na tarde de quinta-feira o Premio illy SustainArt, no valor de 15 mil euros, pela obra Tempo Perdido (2014), uma escultura em arenito, vidro e madeira. Em 2017, o artista  contou o director antes de saber do prémio  vai fazer uma residência de um ano no Porto.

A nosso pedido, a comissária brasileira destaca a galeria Fortes Vilaça no programa do 35.º Aniversário, onde o diálogo é feito entre Erika Verzutti e Jac Leirner. “O trabalho de Erika Verzutti está realmente muito especial. São várias melancias, numa revisão do minimalismo mas com uma roupagem muito contemporânea. Essa grande instalação contrasta com os trabalhos de parede de Jac Leirner.”

Na galeria dominam as 90 peças, em cimento e pigmento, da obra de Erika Verzutti, intulada Batalha (2010). As melancias parecem o lastro de um navio ou balas de canhão, qual espólio de arqueologia no chão da galeria. Maria Ana Pimentel, uma portuguesa que trabalha na galeria paulista, diz que estão muito satisfeitos com este regresso à feira (o convite para este programa permite não pagar o aluguer do stand). Quando falámos, ainda não tinham a certeza absoluta de voltar a Madrid em 2017, mas estavam com muita vontade.

“O regresso está a saber lindamente. Temos tido uma resposta óptima. Tanto de coleccionadores como de instituições. Já vendemos." A Fortes Vilaça é uma das 13 galerias brasileiras presentes em Madrid. Portugal tem menos duas.

Maria de Pontes, tal como a comissária colombiana, gosta muito dos espaços com curadoria. “O ambiente da feira permite a coexistência dos dois. Para o próprio visitante é legal ter essa dualidade.”

O PÚBLICO viajou a convite da Turespaña/ArcoMadrid