Quem paga aos lesados de Portugal?
Diga-me, Sr. PM: os lesados de Portugal também vão receber, ou, como de costume, vão apenas pagar?
Exmo. Primeiro-Ministro António Costa: Tendo assistido com grande comoção à luta que tem vindo a desenvolver em favor dos lesados do BES, venho por este meio declarar-me um lesado de Portugal, e exigir do governo que sua excelência lidera a indemnização a que tenho direito.
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Exmo. Primeiro-Ministro António Costa: Tendo assistido com grande comoção à luta que tem vindo a desenvolver em favor dos lesados do BES, venho por este meio declarar-me um lesado de Portugal, e exigir do governo que sua excelência lidera a indemnização a que tenho direito.
Recordo-lhe que o presidente do seu partido prometeu há um ano que se o PS ganhasse as eleições os clientes do antigo BES iriam receber o dinheiro de volta. Disse Carlos César: “Penso que o Estado que os estimulou é o Estado que deve garantir o ressarcimento de todos esses cidadãos e empresas.” Está bem visto: toda a gente que foi enganada com falsas promessas tem o direito inalienável de ser compensada pelas patranhas em que distraidamente caiu. Louvo-lhe tão admiráveis sentimentos.
A minha única objecção a esse raciocínio é esta: ressarcir apenas os lesados do BES parece-me pouco. É um objectivo demasiado modesto, e estou certo que Sua Exa. consegue ir mais longe. Repare que aos cidadãos de Portugal aconteceu o mesmo do que aos lesados do BES: os nossos gerentes (isto é, os homens que nos governam há 40 anos, incluindo o senhor) prometeram-nos tudo e mais alguma coisa. Um país moderno e desenvolvido. Choques tecnológicos. Incríveis planos de desenvolvimento. Simplificações administrativas. Espantosos progressos educativos. Amor pela ciência e pelo mar. A cada quatro anos (quando não antes) juravam que agora é que ia ser, que era desta que ia resultar. E a única coisa que nos aconteceu, de ano para ano, foi acabarmos a pagar mais impostos num país mais endividado.
Inspirado na Associação dos Lesados e Indignados do BES, eu próprio estou a pensar criar a Associação dos Lesados e Indignados de Portugal. Com ligeiras adaptações, os objectivos são iguaizinhos. A associação dos lesados do BES tem como missão (está no seu site) “mediar o processo de reembolso de papel comercial do GES, vendido de forma enganosa e fraudulenta, como depósitos a prazo, a clientes de retalho aos balcões do BES”. A associação dos lesados de Portugal terá como missão mediar o processo de reembolso dos impostos, sacados de forma enganosa e fraudulenta, com a promessa de um país mais justo e sustentável, aos eleitores nacionais. Os lesados do BES “partilham o sentimento de engano, pela forma como os produtos foram vendidos, sendo que sempre foi dito ‘isto é como depósitos a prazo’, ‘isto é seguro’, ‘isto é Espírito Santo’.” Os lesados de Portugal partilham o sentimento de engano, pela forma como os programas eleitorais foram vendidos, sendo que sempre foi dito ‘isto é pelo bem do país’, ‘isto é seguro’, ‘isto é o Estado Social’.” Os lesados do BES foram enganados pelo primeiro-ministro, pelo ministro das Finanças, pelo Presidente da República e pelo governador do Banco de Portugal. Os lesados de Portugal foram enganados exactamente pelas mesmas pessoas, só que mais vezes e durante mais anos.
Faço notar que ainda esta semana o Sr. PM andou a publicitar e a vender um novo papel – o Orçamento de Estado para 2016 – que garante ser de grande qualidade. Lamentavelmente, não acredito. Acho-o mesmo uma desgraça. Só que ainda assim sou obrigado a subscrevê-lo. Há maior injustiça do que esta? Os lesados do BES, ao menos, assinaram os papéis. Eu não. Agora diz-se que cada lesado do BES vai receber 100 mil euros. Parece-me justo. Mas diga-me, Sr. PM: os lesados de Portugal também vão receber, ou, como de costume, vão apenas pagar?