Arte Antiga terá em Maio galerias renovadas e outras novidades

Obras vão permitir reorganizar as colecções de pintura e escultura portuguesas pondo-as “à conversa”. Não são só as galerias que parecerão novas – é a história que elas contam.

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Para ver ali uma exposição permanente de pintura e escultura ainda é preciso fazer um exercício de imaginação. Onde estão hoje três arcos mal iluminados estará a um calvário "encenado"; onde está hoje uma série de imagens de santos em pedra e madeira com etiquetas amarelas ao pescoço, à espera de ocupar o seu lugar definitivo nas galerias, estarão mais tarde os Painéis de São Vicente “em toda a sua glória”; onde está hoje uma parede vazia estará, esperam os responsáveis do museu, a Adoração dos Magos de Domingos Sequeira, depois de uma bem sucedida campanha pública de angariação de fundos.

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Para ver ali uma exposição permanente de pintura e escultura ainda é preciso fazer um exercício de imaginação. Onde estão hoje três arcos mal iluminados estará a um calvário "encenado"; onde está hoje uma série de imagens de santos em pedra e madeira com etiquetas amarelas ao pescoço, à espera de ocupar o seu lugar definitivo nas galerias, estarão mais tarde os Painéis de São Vicente “em toda a sua glória”; onde está hoje uma parede vazia estará, esperam os responsáveis do museu, a Adoração dos Magos de Domingos Sequeira, depois de uma bem sucedida campanha pública de angariação de fundos.

As obras nas galerias de pintura e escultura do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, tantas vezes adiadas, estão finalmente a acontecer e os visitantes poderão ver de perto o resultado já em Maio (dia ainda a anunciar), quando os espaços no terceiro piso reabrirem, depois de um projecto de renovação orçado em 660 mil euros, 240 mil dos quais assegurados por mecenas.

Mas esta renovação, explicam Anísio Franco e Maria João Vilhena, conservadores de escultura do museu, não implica apenas mexer no espaço para acomodar as peças de outra forma, implica também alterar o conceito expositivo. Onde antes estavam duas colecções – a de pintura e a de escultura portuguesas – organizadas cronologicamente, expostas em espelho e sem nunca se cruzarem directamente aos olhos do visitante, a partir de Maio estarão duas colecções “à conversa”. Como? “Vamos dar ao público uma cronologia da imagem, quer na pintura, quer na escultura, estabelecendo ligações, abordando os mesmos aspectos numa e noutra, para que as pessoas percebam que partilham uma época, um contexto, e que isso faz com que não estejam fechadas cada uma na sua caixa”, diz a conservadora.

“Hoje conseguimos estabelecer muito mais ligações entre as duas colecções porque conhecemos melhor as peças que vamos expor, mal seria se assim não fosse”, acrescenta Anísio Franco, invocando o trabalho de investigação da equipa do MNAA, que se tem tornado evidente em exposições como as dedicadas à pintora Josefa de Óbidos e ao escultor Machado de Castro. “Este conhecimento alargado permite-nos mostrar hoje uma nova narrativa, contar a história com mais pormenores.”

Arte Antiga tem na sua colecção cerca de 50 mil peças, entre pintura, escultura, desenho, gravura, ourivesaria, cerâmica e têxteis, da Idade Média ao século XIX, mas apenas 20% deste riquíssimo acervo com obras portuguesas, europeias e da Expansão está exposto em permanência. Criado em 1884 e reformado em 1911, o museu sempre lutou com falta de espaço e é por isso que há projectos para a sua ampliação desde a década de 1930, explica Maria João Vilhena, lembrando a inauguração, em 1940, do amplo anexo da autoria do arquitecto Rebello de Andrade e as renovações e reorganizações pontuais, sempre a propósito de grandes exposições como No Tempo das Feitorias, feita no seguimento da Europália 91, e, mais recentemente, Encompassing the Globe. Portugal e o Mundo nos séculos XVI e XVII (2009).

O túmulo do governador
Finalizadas as obras, as paredes das galerias serão de um branco acinzentado com ocasionais apontamentos de cor e textos a descrever as peças que as tornarão acessíveis a vários públicos, não apenas a críticos e historiadores, garantem os dois curadores.

Na pintura, as novidades do percurso passam pela integração na exposição permanente de um raríssimo tríptico do século XV atribuído a um dos primitivos portugueses, conhecido como o Mestre de Santa Clara, e comprado pelo Estado em Março do ano passado; de uma obra de Vieira Portuense, Narciso na Fonte (1797?), adquirida em Dezembro de 2014; e de obras vindas das reservas e do Palácio Nacional de Mafra, neste último caso exemplares do período joanino.

Na escultura, para além de se mostrarem mais obras da colecção Ernesto Vilhena, importante acervo com 1500 peças, na sua maioria medievais, que chegou ao museu nos anos 1980, há a salientar a inclusão de um baixo-relevo em bronze, de cerca de 1575, retratando o teólogo Diogo de Paiva de Andrade (comprado num leilão em Londres, em 2013), e de um jacente – figura em alto-relevo deitada sobre uma sepultura – nunca antes mostrado, que muito entusiasma os dois conservadores de escultura do museu.

Este exemplar de arte tumular foi descoberto no Convento de São Francisco da Cidade, onde é hoje o Museu do Chiado, depois do incêndio naquela zona de Lisboa, em 1988, explica Anísio Franco. Representa o capitão D. Manuel de Lima, que no século XVI foi governador da ilha de Ormuz, no Golfo Pérsico (hoje pertencente ao Irão), e é de grande qualidade artística.

“Não é todos os dias que vemos um governador de Ormuz”, brinca Maria João Vilhena, apontando para algumas das singularidades deste jacente, como o facto de ter sido executado em Lisboa, quando o grande centro escultórico em Portugal era Coimbra, e numa pedra – lioz – que era pouco usada para este efeito por ser muito difícil de trabalhar. “É feita na mesma pedra que se usa na calçada portuguesa, que é muito rija, que se parte muito. Mas é uma escultura muito qualificada na concepção do corpo, na composição.” Acrescenta Anísio Franco que é feita na tradição de Nicolau de Chanterene, uma das figuras maiores do Renascimento em Portugal, cujo trabalho está representado no Mosteiro dos Jerónimos e no de Santa Cruz de Coimbra, onde é autor dos túmulos de D. Afonso Henriques e do seu filho D. Sancho I. “É uma escultura belíssima, muito delicada e de grande erudição nas formas e na decoração. É como um retrato em pedra, surpreendente. ”

O percurso das novas galerias, precisa a conservadora, começa com a escultura – haverá um Calvário no topo das escadas com um Cristo crucificado ao centro, como seria de esperar, ladeado por um S. João Evangelista e duas Virgens, com peças da colecção Vilhena – porque no acervo do MNAA ela é anterior à pintura (a primeira começa em finais do século XIII, a segunda só no XV) e a organização é cronológica. No século XV é a pintura que domina, havendo um equilíbrio no seguinte e novo apogeu escultórico no XVII, com a “explosão” que traz o barroco joanino.

“O que queremos com o diálogo entre as duas é mostrar que há círculos bem demarcados na produção artística, mas que eles não são estanques, não se limitam só à pintura ou só à escultura”, defende Anísio Franco. “Queremos mostrar que em ambas há marcas originais e queremos que isso seja visível para todo o visitante e não apenas para os especialistas”, diz Vilhena. Essas marcas originais vêm, primeiro, de nomes como Francisco Henriques e Jorge Afonso, vêm da chamada Oficina do Espinheiro e de Frei Carlos, de Gregório Lopes e de Garcia Fernandes. Depois, no século XVII, instala-se Josefa de Óbidos, que terá a sua própria sala (pequena, mas não haverá certamente muitos museus europeus com um espaço exclusivamente ocupado pela produção artística de uma mulher), e a escultura do primeiro barroco português, que assume uma “preponderância excepcional, com o retábulo a transformar-se numa máquina que secundariza tudo o resto e Mafra convertida na nossa Roma”, sublinha o conservador de Arte Antiga.

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A fechar o percurso estará o século XIX, com a pintura de Domingos Sequeira e Vieira Portuense, e a escultura de Machado de Castro e José de Almeida. Pelo meio há ainda tempo para abordar a importância da passagem por Lisboa de artistas estrangeiros, sobretudo flamengos, para homenagear a rainha D. Leonor, figura importante na colecção de Arte Antiga, e para espreitar o maneirismo na obra de Gaspar Dias, Fernão Gomes e Francisco Venegas, este último um pintor espanhol que trabalhou em Portugal, que até 2014 não estava representado na colecção e cuja Aparição de Cristo a Maria Madalena (segunda metade do século XVI), profundamente restaurada, passará a fazer parte da “nova narrativa”.