A estratégia Iznogoud
Nos últimos dias vi-me compelido a explicar a alguém afastado da actualidade política o que se estava a passar no combate político em Portugal. E, de repente, achei que a melhor forma de o fazer era recorrer às aventuras de Iznogoud.
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Nos últimos dias vi-me compelido a explicar a alguém afastado da actualidade política o que se estava a passar no combate político em Portugal. E, de repente, achei que a melhor forma de o fazer era recorrer às aventuras de Iznogoud.
Goscinny não criou apenas Astérix, pois na sua galeria de personagens surge também o Vizir Iznogoud o qual é sempre desarmado pelo inesperado apesar de arduamente desejar ser "Califa no lugar do Califa".
Quem olhar para a agenda política do PSD e declarações do seu líder perceberá que há uma estratégia em acção. Essa estratégia pretende assegurar que a opinião pública se mantém num contínuo político, passando a ideia de que na realidade não estamos num novo ciclo, mas sim num interregno e que em breve tudo voltará ao que já foi.
A estratégia é essa, mas poderá ser vitoriosa? A estratégia é arriscada porque centra toda a atenção numa variável, o Orçamento do Estado, a qual não se controla e faz depender o seu sucesso da potencial discórdia entre o Governo e terceiros.
A escolha da variável orçamental é feita por três motivos. Em primeiro lugar porque o Orçamento possui um potencial de fricções entre os que podem, por interesses contraditórios, enfraquecer a governação, ou seja, o Eurogrupo/Comissão Europeia e a esquerda parlamentar portuguesa.
O segundo motivo reside no ano de 2016 ser dominado pela agenda política orçamental. Estamos em Março a discutir o Orçamento deste ano e estaremos a partir de Agosto a discutir o Orçamento de 2017, a estabilidade e o cumprimento de metas europeias.
A terceira e última razão tem a ver com o facto das questões orçamentais terem sido um elemento chave para as vitórias do PSD nas duas últimas eleições.
No entanto, quando a política se torna obcecada por uma variável, como neste caso com o Orçamento, também se torna, potencialmente, menos interessante para a opinião pública, pois a conflitualidade torna-se mais monótona, menos dramática, menos "política".
Dado que toda a política é necessariamente mediatizada, a estratégia da oposição necessita também que a conflitualidade orçamental seja capaz de gerar interesse público para que possa atingir um elevado grau de dramatização que, por sua vez, debilite o Governo.
Pode ser apenas uma coincidência, mas na mesma semana em que se discutiu dentro e fora de Portugal o Orçamento, em que PSD o criticou, o PS o defendeu e o BE, PCP e PEV se foram posicionando para a sua aprovação, os temas mais noticiados pouco tiveram a ver com Orçamento.
Há mais vida para além do Orçamento, pelo menos isso nos dizem os jornais, rádios e televisões. E essa vida foi o mau tempo e as suas consequências, o caso da praia de Caxias, o futebol, o caso Carrilho-Guimarães, as viagens e encontros do Papa, a legalização da eutanásia, a TAP e as reuniões de Marcelo Rebelo de Sousa.
Tal como Iznogoud preparava toda a estratégia mas ela falhava no último momento, por algo de inesperado, talvez também aqui o inesperado possa surgir sob a forma de fadiga face às temáticas orçamentais que distam uma eternidade do nosso quotidiano.
Goscinny apreciaria, certamente, imaginar que entre a realidade da política portuguesa e aquela vivida pelo seu personagem Iznogoud pudessem haver tantas semelhanças.
Gustavo Cardoso é director do Barómetro de Notícias do ISCTE-IUL e investigador do College d'Études