A implacável maldição da família
Meu caro Mário, prepara-te para levares com a implacável maldição da família!
Sei bem o que significa ser tratado por “o filho de João Soares”, porque ainda hoje, com 71 anos, há quem me trate pejorativamente por “o sobrinho de Mário Soares”, apesar de ter deixado de ser seu colaborador desde 11 de Março de 1996 - dia em que cessei as funções de chefe da Casa Civil do PR - e apesar de nos termos afastado um do outro desde a malfada candidatura presidencial de 2005/2006, que envenenou irremediavelmente as nossas relações pessoais.
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Sei bem o que significa ser tratado por “o filho de João Soares”, porque ainda hoje, com 71 anos, há quem me trate pejorativamente por “o sobrinho de Mário Soares”, apesar de ter deixado de ser seu colaborador desde 11 de Março de 1996 - dia em que cessei as funções de chefe da Casa Civil do PR - e apesar de nos termos afastado um do outro desde a malfada candidatura presidencial de 2005/2006, que envenenou irremediavelmente as nossas relações pessoais.
Antes do 25 de Abril de 1974, ninguém me tratava por “o sobrinho de Mário Soares” quando enveredei pela carreira de Jornalista profissional, depois de ter concluído a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fui colega de trabalho, primeiro no jornal “A Capital” e depois no jornal “O Século”, de jornalistas como António Borges Coelho (historiador), Amadeu José de Freitas, António Valdemar, Appio Sottomayor, Fernando Ricardo (hoje fotógrafo), Daniel Ricardo, Manuel Alpedrinha, Augusto Abelaira (escritor), Altino do Tojal (escritor), Francisco Mata, Hernâni Santos, Joaquim Benite (encenador), José Silva Pinto ou José Mensurado. E tive como directores e chefes de Redacção Norberto Lopes, Mário Neves, Maurício de Oliveira, Rogério Fernandes, Rodolfo Iriarte, Manuel Figueira e Mário Zambujal. Todos sabiam de quem eu era sobrinho (por afinidade) mas nem lhes passava pela cabeça considerar-me “o sobrinho do Mário Soares”. Vários tornaram-se meus amigos. Alguns deles já morreram. E devo acrescentar que na tropa (fiz o SMO entre Abril de 1972 e Junho de 1974) também nunca me trataram como “o sobrinho do Mário Soares”. Não, não é piada.
Depois do 25 de Abril de 1974, interrompi a carreira de Jornalista profissional (o meu número no Sindicato era o 165 e ainda guardo o cartão e o “crachat”) para desempenhar vários cargos no Estado, designadamente, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na Presidência do Conselho de Ministros, como Deputado à Assembleia da República, como secretário de Estado da PCM e, finalmente, como chefe da Casa Civil do PR. Claro que passei sempre a ser designado como “o sobrinho do Mário Soares”, independentemente do mérito que eu pudesse ter para desempenhar com competência essas funções. E não, hoje não beneficio de qualquer “subvenção” do Estado! Todavia, porque sou melómano e “viciado” em Ópera, ainda caí na asneira de aceitar um lugar como administrador da Fundação de São Carlos (1996-1998) - mas nem vos conto o que passei, sobretudo por causa do então ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho.
Quanto ao PS, de que sou um dos fundadores, depois de ter declinado o convite para me candidatar a presidente da Câmara Municipal de Sintra fui votado a um total ostracismo pelos secretários-gerais do partido (Guterres, Ferro Rodrigues, Sócrates, Seguro e António Costa) - mas agora por ser “o incómodo sobrinho do Mário Soares” (neste caso uma espécie de fantasma) e, além disso, ser um crítico da deriva neoliberal do socialismo democrático (ou social-democracia). Escrevi centenas de artigos, publiquei vários livros, desfiliei-me do PS para apoiar, como independente, o Bloco de Esquerda - mas, para gente que quer ser mais ou menos desagradável comigo, continuo a ser “o sobrinho do Mário Soares”.
É por tudo isto que compreendo tão bem o sofrimento pessoal do meu jovem primo Mário Barroso Soares (foi ele que tomou a inciativa de ir ao Registo Civil incluir o apelido Barroso no seu nome, em homenagem à avó e minha tia, Maria Barroso, irmã do meu pai). É sobretudo ao pai dele, João Soares, hoje ministro da Cultura, que se pretende causar dano, e, por via dele, ao Governo de que faz parte. Mas o dano colateral infligido ao filho, um jovem de 29 anos que já passou as “passas do Algarve” por querer distanciar-se dos “fantasmas” da família (chegou a servir à mesa num restaurante em Paris, entre outros empregos de ocasião), é bem mais doloroso e mais fundo. Filho e neto de quem é, não tem para onde se virar, porque qualquer que seja o emprego que consiga arranjar, seja no sector público seja no privado, será sempre por ser filho e neto de quem é - laço familiar que está mesmo a jeito. E pouco importa o currículo que ele apresenta. É licenciado em História pela UNL, tem uma pós-graduação em Diplomacia e Relações Internacionais pela Universidade Católica, tem um Mestrado em História e Audiovisual pela Sorbonne e tem o curso de Fotografia da Ar.Co., além de várias experiências profissionais (consideradas curtas pelo jornalismo acusador). Mas por que raio é que interessa o currículo do rapaz, se o que é preciso é dar “pancada” no pai?!
O mesmo podia eu dizer de mim próprio, desde que comecei a apanhar por tabela aos 29 anos, após Abril de 1974. A extrema-direita dizia que Mário Soares tinha um palácio em Paris (apesar de ele ter vivido num pequeno apartamento) e um jornal supostamente de esquerda e apoiante de Ramalho Eanes dizia que eu tinha casas de férias no Algarve (e recusou-se a publicar o meu desmentido, dizendo que isso não tinha importância nenhuma). Também nunca se preocuparam com o meu currículo profissional e político antes do 25 de Abril. E por que raio é que lhes interessaria o currículo do “sobrinho”, se o objectivo era atingir “o tio”?!
Meu caro Mário, prepara-te para levares com a implacável maldição da família, que a comunicação social (?) te há-de atirar à cara até ao fim dos teus dias!
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