“O crime organizado explora o desespero das pessoas”
Refugiados e migrantes tornam-se "clientes" das redes criminosas que os ajudam a transpor as fronteiras, diz o perito da Europol Alexandru Niculae.
A Europol, que tem como mandato apoiar os Estados membros no combate ao “crime internacional grave” e ao terrorismo, tem-se centrado, no contexto actual, na investigação das ligações que surgem entre o crime organizado e “a facilitação da migração ilegal”, explica Alexandru Niculae perito da Europol, a partir de Haia, na Holanda.
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A Europol, que tem como mandato apoiar os Estados membros no combate ao “crime internacional grave” e ao terrorismo, tem-se centrado, no contexto actual, na investigação das ligações que surgem entre o crime organizado e “a facilitação da migração ilegal”, explica Alexandru Niculae perito da Europol, a partir de Haia, na Holanda.
“Os grupos de crime organizado exploram o desespero das pessoas apanhadas na crise migratória”, sintetiza o especialista numa entrevista por email. “No campo do transporte ilegal de pessoas, os grupos criminosos normalmente oferecem aos seus ‘clientes’ serviços que os ajudam a transpor barreiras naturais ou criadas, como por exemplo o Mar Mediterrâneo ou a fronteira terrestre entre a Grécia e a Turquia”, acrescenta.
"O pagamento é feito em cash (dinheiro) ou no sistema hawala (sistema bancário clandestino) com ou sem garantias”, continua. “As quantias pagas variam de caso para caso, e podem ir de umas poucas centenas a vários milhares de euros. Depende da rota e das garantias dadas, como por exemplo a garantia de que um pagamento único serve para várias tentativas, até a viagem ser bem sucedida, ou a garantia do uso de coletes salva-vidas. É por isso muito difícil de fazer uma estimativa dos lucros dos contrabandistas."
Da mesma forma, "é difícil traçar um perfil destes grupos que utilizam diversas tácticas e meios de transporte". E explica: "As rotas e os métodos podem variar em função do clima, das nacionalidades, dos locais e das actividades das autoridades legais ou policiais. Sobre as redes ilegais de transporte de refugiados e migrantes, e os seus agentes no terreno, a Europol diz não dispor dos números solicitados pelo PÚBLICO, que permitam saber quantas pessoas foram detidas, julgadas ou condenadas em cada um dos Estados membros, por contrabando ou facilitação ilegal de movimentos migratórios.
“O transporte de migrantes pode ser preocupante também na perspectiva do tráfico de pessoas”, expõe Alexandru Niculae. Os contrabandistas serão traficantes apenas nas circunstâncias em que exploram as pessoas que transportam, já depois de estas chegarem ao destino. E esse é um risco também agravado pela intensificação do fluxo de pessoas em fuga para a Europa. “Navios com homens, mulheres e crianças a bordo chegam às margens de países europeus, com estas pessoas sem quaisquer posses, dinheiro, família, ou redes das quais possam depender, o que as torna muito vulneráveis à exploração. Nalguns casos, os grupos de crime organizado também montam um sistema em que os migrantes, quando chegam ao destino, ficam a pagar dívidas pelos serviços prestados.”
A Europol, a agência da União Europeia (UE) responsável por “garantir o cumprimento da lei” e ajudar a investigar o crime organizado entre fronteiras, como se apresenta no seu site, têm-se envolvido em operações de larga escala – como a Operação Archimedes. Este tipo de missões "mostra que muitos grupos de crime organizado estão envolvidos em vários tipos de actividades criminosas, recorrendo a todos os meios possíveis para fazer dinheiro”.