Governo ucraniano perde maioria no parlamento e agrava crise política
Dois dos partidos que apoiavam executivo abandonaram coligação. Iatseniuk pode fazer entrar partido nacionalista no governo.
O Governo ucraniano perdeu o apoio maioritário no parlamento, após a saída de dois dos partidos que faziam parte da coligação, aprofundando uma crise política que dura há várias semanas. Uma nova coligação estável terá agora de ser formada para evitar a dissolução do parlamento e a marcação de eleições antecipadas.
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O Governo ucraniano perdeu o apoio maioritário no parlamento, após a saída de dois dos partidos que faziam parte da coligação, aprofundando uma crise política que dura há várias semanas. Uma nova coligação estável terá agora de ser formada para evitar a dissolução do parlamento e a marcação de eleições antecipadas.
Primeiro foi o Pátria (Batkivshchyna), liderado pela ex-primeira-ministra Iulia Timochenko, que anunciou na quarta-feira a saída da coligação governamental. Seguiu-se, um dia depois, o fim do apoio pelo partido democrata-cristão Auto-Ajuda (Samopomich), deixando o executivo apenas com o suporte do Bloco Poroshenko, fundado pelo Presidente, e da Frente Popular, liderado pelo primeiro-ministro, Arseni Iatseniuk.
Ao todo, o governo passa a dispor do apoio de 217 deputados, abaixo dos 226 necessários para assegurar uma maioria na Rada Suprema. Na sequência da perda da maioria, Iatseniuk apelou à “total responsabilidade” pelo futuro do país e encetou negociações com um partido nacionalista para a formação de nova coligação.
A perda da maioria parlamentar é o culminar de uma crise que tem dominado os últimos tempos da vida política ucraniana – e que se junta à preocupante situação financeira do país e à manutenção do conflito militar no Leste.
A demissão do ministro da Economia Aivaras Abromavicius – um tecnocrata de origem lituana com uma passagem pela banca de investimentos –, no início do mês, gerou um coro de críticas dentro e fora de portas. Abromavicius tomou posse com o objectivo de revolucionar o panorama empresarial da Ucrânia e, sobretudo, acabar com a corrupção endémica que mina as relações entre Estado e privados. A Ucrânia está no 130.º lugar (num total de 168 países) no ranking da Transparência Internacional, uma organização que mede as percepções sobre corrupção em todo o mundo.
A carta de demissão de Abromavicius incluía graves denúncias acerca da continuação de práticas corruptas em virtualmente todos os níveis da governação, incluindo entre aliados do Presidente Petro Poroshenko. Na base da demissão esteve a pressão exercida pelo deputado Igor Kononenko, que é também amigo pessoal do Presidente, para influenciar as nomeações para algumas empresas estatais.
A saída do ministro foi encarada como um duro golpe nas aspirações do governo ucraniano, eleito com a promessa de abandonar as práticas do passado e colocar o país no rumo do Ocidente.
Manobra parlamentar
Sob intensa pressão, no início desta semana, o primeiro-ministro parecia um homem condenado. Na terça-feira, o balanço anual do governo foi chumbado pela maioria do parlamento e, poucas horas antes da sessão parlamentar, Petro Poroshenko tinha feito uma declaração surpreendente em que aconselhava a demissão de Iatseniuk.
Depois do chumbo do balanço do governo, os deputados foram chamados para votarem numa moção de censura, que se esperava que ditasse a queda do governo. Mas, em 15 minutos, tudo mudou. O apoio à moção de censura não reuniu votos suficientes para assegurar a maioria e o governo foi salvo.
Vários deputados denunciaram uma manobra política atribuída a Poroshenko. Quando tudo estava preparado para a votação, vários deputados do seu partido abandonaram a câmara legislativa. De acordo com o jornal pró-europeu Kyiv Post, entre os 120 deputados do Bloco Poroshenko que votaram contra o balanço do governo, apenas 97 mantiveram o sentido de voto.
O falhanço da moção deixou vários deputados e analistas perplexos e, nos últimos dias, foram avançadas várias explicações. Alguns notam que os parlamentares decisivos estão alinhados com os principais oligarcas do país, contentes com o fraco combate à corrupção do actual governo. Outros sublinham a pressão exercida pelas diplomacias ocidentais, para quem uma mudança de governo surge em péssima altura.
Apesar de se ter mantido em funções, o executivo de Iatseniuk saiu enfraquecido politicamente – o que se concretizou com a perda da maioria parlamentar. O primeiro-ministro tem agora 30 dias para juntar uma nova coligação se quiser evitar eleições antecipadas.
Nacionalistas à espreita
Tanto Iatseniuk como Poroshenko deverão fazer tudo para evitar uma queda do governo, escreve a grande maioria dos analistas, uma vez que uma ida às urnas neste momento seria penalizadora para ambos. Com essa perspectiva em mente, o chefe de governo já esteve reunido com Oleg Liashko, líder dos nacionalistas do Partido Radical, com quem se poderá coligar.
“Estamos prontos para participar na formação de uma nova coligação com um novo programa”, afirmou Liashko. Inicialmente, o Partido Radical integrou o governo ucraniano, mas abandonou-o em Setembro passado em protesto contra a aprovação de uma emenda constitucional que confere um estatuto de autonomia às regiões actualmente ocupadas por milícias pró-russas.
O regresso dos nacionalistas ao governo – agora com estatuto reforçado – pode constituir mais um entrave à completa implementação dos Acordos de Minsk, que têm como objectivo o fim do conflito no Donbass e a reintegração dos territórios ocupados. O enviado russo junto da Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE), Alexander Lukashevich, citado pela agência TASS, manifestou “dúvidas que o balanço de poder possa permitir a liderança ucraniana de adoptar as leis correspondentes” aos acordos de paz.
A instabilidade política no país causou preocupação também a Ocidente. Na próxima semana, os chefes da diplomacia francesa e alemã deslocam-se a Kiev “para avaliar a actual situação política” na Ucrânia, revelou o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão.
Cada vez mais vozes se referem aos líderes pós-Euromaidan (o nome dado às manifestações no Inverno de 2013-14 que puseram fim à presidência de Viktor Ianukovich) como um regresso aos velhos hábitos de compadrio e corrupção. Um relatório do Institute for the Study of War, um think tank norte-americano de análise militar, alerta para o potencial regresso de uma “mentalidade revolucionária” às ruas de Kiev “para proteger o legado da Euromaidan”.
Num comentário feito após o falhanço da moção de censura a Iatseniuk, o deputado e activista Sergei Leschenko deixa um aviso alarmante: “Tendo rejeitado o ‘cenário leve’ de mudar um governo que está infestado de corrupção, iremos chegar a um cenário mais forçoso, no qual a raiva popular irá exigir que todos paguem um preço bastante mais alto.”