A vitória dos feios

A beleza gasta-se, a feiura adapta-se

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Todd Quackenbush/Unsplash

A maioria das pessoas tem medo de envelhecer. Eu não.

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A maioria das pessoas tem medo de envelhecer. Eu não.

Na verdade, acho que prefiro envelhecer. Não que seja como vinho do Porto, que quanto mais velho é, melhor. Não, são os outros que se degradam com a idade, eu simplesmente normalizei.

E porque é que têm medo de envelhecer? Acima de tudo porque temem deixar de corresponder à imagem de beleza e juventude que idealizaram. Ambas vão-se lentamente esvaindo, pelo que há quem faça de tudo para as preservar. Ele são cremes, operações, dietas, ginásio, plásticas, e, se for preciso, até bruxaria.

Mas a realidade é que o tempo devora-nos a todos. Menos a mim.

Nunca fui bonito, por isso nunca tive de me preocupar com perder a beleza. Claro que o conceito de beleza é discutível, assim como quão doentio e fraco da nossa parte é a sujeição aos seus cânones no momento. A Mona Lisa era a top model do séc. XVI, ao passo que no inicio do séc. XX era a Mata Hari quem reflectia o ideal de beleza. Apenas quatro décadas mais tarde, bela seria a Betty Page, e outras quatro décadas volvidas o epitomo de beleza passou a ser a Brooke Shields ou a Kelly LeBrock, enquanto que, actualmente as coisas mudam demasiado rápido para eu me dar ao trabalho de saber com quem é que o comum mortal tem obrigação de se parecer.

Quando adolescente, era gordo, tinha borbulhas, e os dentes para fora, e já tinha alguma falta de cabelo, embora (ainda) não usasse óculos. Hoje em dia ainda tenho os dentes um pouco para fora, continuo com a mesma falta de cabelo e uso óculos, e de certeza que tenho outros defeitos que agora me escapam, como pelos nas orelhas ou sobrancelhas-lobisomem. Acho que já tinha bem mais de 20 anos quando alguém utilizou a palavra “bonito” para se referir à minha pessoa, e foi um choque tão grande que ainda não recuperei.

Na verdade, não fui eu quem ficou mais bonito, foi o mundo todo que ficou mais feio e, mais importante que isso, baixou o nível de exigência. No caso das mulheres, isso aconteceu ou porque os homens bonitos não estavam interessados numa relação ou porque não estavam interessados em determinadas mulheres. Tenho a certeza que nalguns casos, já não estavam interessados em mulheres de todo.

Outras vezes alguém queria algo mais profundo da relação, e as pessoas bonitas normalmente não estão habituadas a esforçar-se para conseguir alguma coisa, pelo que as relações eram automaticamente minadas por essa ausência de empenho. Ou então é mentira, mas eu também preciso de manifestar algumas qualidades. O interessante é que a beleza dos homens também começou a extinguir-se, o que significou mais oportunidades para pessoas como eu, ou então foram os homens que não souberam estar à altura do que as mulheres esperavam deles. Seja como for, melhor para mim.

De qualquer modo, a beleza continuou a ser o factor principal nas relações de qualquer tipo. O problema é que, o que antes era um trunfo é hoje uma clara desvantagem não só porque a beleza é efémera, mas também porque a consciência desse facto provoca comportamentos neuróticos que ninguém está disposto a aturar, particularmente pessoas bonitas, que já têm os seus próprios comportamentos neuróticos com que se preocupar.

No meu caso, quanto mais velho mais igual a mim próprio, com os mesmos defeitos da juventude, que na altura jogavam contra mim, mas que na idade adulta são algo perfeitamente normal e aceitável. Enquanto a gente bonita perdeu alguma coisa, eu ganhei. Ganhei tempo, e com o tempo consegue-se qualquer coisa.