Costa conciliador mas preocupado com direitos dos emigrantes

O primeiro-ministro português só leva uma questão difícil: a perda de direitos sociais que Cameron quer que figure num compromisso que lhe permita defender a permanência do seu país na União.

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António Costa é contra a criação de fronteiras que isolem a Grécia do espaço Schengen Eric Vidal/reuters

Tal como a maioria dos governos europeus, o Governo português chega a Bruxelas com a convicção firme de que um adiamento da questão britânica será uma machadada perigosa na resolução do acontecimento político que, porventura, mais põe em risco o futuro da União Europeia. O espírito do primeiro-ministro será de compromisso. Mesmo assim, na questão mais difícil para Portugal, das condições para os imigrantes europeus que Cameron quer endurecer, o Governo ainda não estava na quarta-feira satisfeito com a penúltima redacção de Donald Tusk para os líderes apreciarem. Houve uma versão final ontem à noite. António Costa considera que as condições que permitem a Londres accionar uma “travagem de emergência” traduzida em redução dos apoios sociais aos emigrantes europeus ainda não é suficientemente “excepcional, temporária e limitada”, explicaram ao PÚBLICO fontes próximas do seu gabinete. Ou seja, o que está escrito, depois das negociações de Tusk ainda é demasiado vago para ser facilmente aceite. Esta é, porventura, a questão mais complicada para o primeiro-ministro, dado o número crescente de emigrantes portugueses que têm como destino o Reino Unido.

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Tal como a maioria dos governos europeus, o Governo português chega a Bruxelas com a convicção firme de que um adiamento da questão britânica será uma machadada perigosa na resolução do acontecimento político que, porventura, mais põe em risco o futuro da União Europeia. O espírito do primeiro-ministro será de compromisso. Mesmo assim, na questão mais difícil para Portugal, das condições para os imigrantes europeus que Cameron quer endurecer, o Governo ainda não estava na quarta-feira satisfeito com a penúltima redacção de Donald Tusk para os líderes apreciarem. Houve uma versão final ontem à noite. António Costa considera que as condições que permitem a Londres accionar uma “travagem de emergência” traduzida em redução dos apoios sociais aos emigrantes europeus ainda não é suficientemente “excepcional, temporária e limitada”, explicaram ao PÚBLICO fontes próximas do seu gabinete. Ou seja, o que está escrito, depois das negociações de Tusk ainda é demasiado vago para ser facilmente aceite. Esta é, porventura, a questão mais complicada para o primeiro-ministro, dado o número crescente de emigrantes portugueses que têm como destino o Reino Unido.

O Governo também não está totalmente confortável com as concessões feitas a Londres no que toca às decisões da zona euro (o pilar da governação económica). O primeiro objectivo de Cameron é garantir que a regulamentação europeia para os mercados financeiros não possa prejudicar a City. O Governo português alinha com a posição francesa, ela própria bastante minoritária, mas com o apoio implícito da Alemanha, considerando que é preciso ressalvar qualquer capacidade de bloqueio britânica às decisões da moeda única. A última versão conhecida já responde à questão de saber se o euro é “a moeda europeia” ou, como quer Cameron, uma das moedas europeias, favorecendo a definição do primeiro-ministro britânico. De resto, não há problemas em matéria de competitividade: toda agente quer uma União menos burocrática e mais competitiva; nem qualquer problema no capítulo da soberania.

Em Lisboa como, de resto, na maioria das capitais europeias, há a compreensão de que existe uma janela para resolver rapidamente o caso britânico que, se falhar, se pode arrastar por muito tempo e com um clima bastante mais negativo de ambas as parte. Ontem, a apreensão da delegação portuguesa estava também no risco de David Cameron se apresentar com novas exigências, em função da (má) recepção que as suas propostas estão a ter no seu país, mas também na percepção de que os outros líderes europeus querem mesmo o Reino Unido dentro da Europa. Incluindo Portugal. Costa resumiu claramente a posição de fundo na sua visita recente à chanceler alemã, lembrando a mais velha aliança do mundo (o Tratado de Windsor, seculo XIV) que faz com que Portugal só consiga ver a Europa quando está lá o Reino Unido. É uma questão de interesse nacional. Este é o ponto de partida. Costa não vai para Bruxelas com qualquer intenção de bloquear um acordo mas apresentará “com firmeza” as suas preocupações, quase todas centradas nos direitos dos imigrantes europeus. Portugal está a viver um novo surto de imigração para o Reino Unido em consequência da crise e do desemprego, que tem dado visibilidade sobretudo às pessoas com altas qualificações (enfermeiros, médicos, informáticos, engenheiros) que empurrou para fora do país gente muito qualificada. Mesmo assim, a emigração com baixas qualificações ou sazonais representa ainda a maioria de quem já imigrou ou está a imigrar para lá.

As quotas de Merkel
A segunda questão decisiva desta cimeira é a resposta à vaga de refugiados que procura na Europa um abrigo, sobretudo vindos da Síria. Angela Merkel quer quotas para a distribuição dos refugiados (a Alemanha recebeu no ano passo cerca de um milhão), mas parece não ter grandes apoios, incluindo de Hollande, já em luta pela reeleição, que dispensa qualquer menção a refugiados. Portugal apoia as quotas de Merkel e já manifestou a sua disponibilidade para ajudar na triagem dos refugiados ou no reforço da polícia das fronteiras externas da União. António Costa foi mais longe, oferecendo à chanceler um apoio bilateral para ajudar a resolver os seus problemas específicos (incluindo 2000 vagas nas universidades para estudantes sírios). Antonio Costa também está absolutamente contra propostas que querem traçar a “fronteira externa” nos Balcãs, deixando a Grécia isolada.

Divergências internas
De um modo geral, os dois grandes partidos portugueses não têm divergências de fundo sobre o Brexit. Faz parte da cultura estratégica de um país, que se define como “euro-atlântico”. O maior problema de António Costa não vem necessariamente daí, mas dos partidos que apoiam o governo. O PCP já levantou objecções, exigindo a mesma flexibilidade para não cumprir as regras do PEC e está relutante quanto ao reforço do controlo das fronteiras externas da União por uma força policial europeia, alegando violação à soberania nacional.

A motivação dos emigrantes portugueses tem muito mais a ver com a possibilidade de encontrar trabalho com um salário melhor, do que com qualquer forma de “turismo social”. Uma reportagem recente de Mark Mardell na BBC online sobre os imigrantes portugueses chegava facilmente a essa conclusão. “Os portugueses franzem o nariz” mas vão continuar a ir, mesmo que os que lá estão achem lamentável que lhes sejam retirados benefícios para os quais contribuem com os seus impostos, mas não consideram vir-se embora. Os dados estatísticos apontam para a presença de 250 mil portugueses a trabalhar no Reino Unido sem dupla nacionalidade (com esses, este número aumenta). Qual será o justo equilíbrio que António Costa e os seus pares podem aceitar, só o saberemos no final de uma cimeira que corre o risco de se prolongar pela noite de quinta-feira dentro.