Kate, Christine e os outros, ou o Forum na vanguarda de Berlim
Numa passagem por alguns dos melhores títulos da secção paralela do festival, o encontro com Kate Plays Christine, espantosa experiência de "não-ficção" do americano Robert Greene a partir do caso verídico da apresentadora televisiva Christine Chubbuck, que se suicidou em directo em 1974.
Desde 1971, o Forum assumiu a "vanguarda" da programação da Berlinale, o futuro de que o concurso principal se havia de algum modo desviado; o interesse por cinematografias minoritárias e formas mais experimentais de filmar ou contar histórias, a atenção a tudo aquilo que é demasiado pequeno ou diferente para entrar no radar das outras secções. Foi o Forum que apostou este ano nas estreias mundiais dos filmes de Salomé Lamas (Eldorado XXI) e Hugo Vieira da Silva (Posto Avançado do Progresso) e na estreia internacional de Rio Corgo de Maya Kosa e Sérgio da Costa, mas também mostrou os novos filmes de Eugène Green (Le Fils de Joseph , entusiasticamente recebido por uma crítica que se parece ter reconciliado com o americano naturalizado francês), Wang Bing ou Avi Mograbi.
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Desde 1971, o Forum assumiu a "vanguarda" da programação da Berlinale, o futuro de que o concurso principal se havia de algum modo desviado; o interesse por cinematografias minoritárias e formas mais experimentais de filmar ou contar histórias, a atenção a tudo aquilo que é demasiado pequeno ou diferente para entrar no radar das outras secções. Foi o Forum que apostou este ano nas estreias mundiais dos filmes de Salomé Lamas (Eldorado XXI) e Hugo Vieira da Silva (Posto Avançado do Progresso) e na estreia internacional de Rio Corgo de Maya Kosa e Sérgio da Costa, mas também mostrou os novos filmes de Eugène Green (Le Fils de Joseph , entusiasticamente recebido por uma crítica que se parece ter reconciliado com o americano naturalizado francês), Wang Bing ou Avi Mograbi.
Autenticamente um festival à parte dentro da torrencial programação de Berlim, o Forum quase exige uma visita separada só para o seguir, mas é sempre possível ir "picando" algumas das suas propostas. Como é o caso do húngaro Bence Fliegauf, cujo Apenas o Vento venceu o Grande Prémio do Júri em 2012 (o ano de Tabu). Tínhamos, na altura, gostado mais da precisão sensorial do estilo do que da sua aplicação ao "filme de tema". Fliegauf confirma ser formalista fastidioso e assaz inteligente com o tardio sucessor desse pequeno sucesso de estima, Lily Lane, aplicando o seu talento para a construção de atmosferas a um conto de fadas oblíquo misto de ajuste de contas com o passado à volta de uma jovem mãe em processo de divórcio. Há qualquer coisa de exorcismo ou de assombração que fica a pairar muito para lá da curta duração de Lily Lane.
Passemos de raspão por The Dreamed Ones, curiosa experiência da artista, escritora e cineasta austríaca Ruth Beckermann, à volta da correspondência e do romance entre os poetas Ingeborg Bachmann e Paul Celan. As cartas escritas pela austríaca e pelo checo são lidas num estúdio de gravação de Viena (pela cantora Anja Plaschg e pelo actor Laurence Rupp), intercaladas com o registo semi-documental das suas pausas para descanso, mas o dispositivo de Beckermann de usar pessoas de hoje para nos fazer identificar com as emoções de ontem não é trabalhado com suficiente desenvoltura para evitar uma sensação de redundância a partir de meio.
Mas não há como não falar de Kate Plays Christine, espantosa experiência de "não-ficção" do americano Robert Greene (que conhecemos, por exemplo, como montador de Alex Ross Perry). A partir do caso verídico da apresentadora televisiva Christine Chubbuck, que se suicidou em directo em 1974 (e que inspirou também Christine a António Campos), Greene constrói uma dupla investigação sobre o porquê desse acto que pareceu antecipar a era da reality-TV. Dupla porque acompanha o processo através do qual a actriz Kate Lyn Sheil prepara a sua interpretação de Christine para um filme, e porque esse processo é, em si próprio, uma investigação sobre uma vida que nem os seus cinco minutos de macabra fama mantiveram na memória pública. É um exemplo maior de "cinema do real" que navega com apreciável fluidez entre os múltiplos níveis de leitura que levanta; é, também, um dos melhores filmes que vimos este ano na Berlinale.