Catarse e emoção rock no regresso dos Eagles of Death Metal a Paris

Terça-feira à noite, a banda que actuava no mais mortífero dos cenários dos atentados de 13 de Novembro voltou ao palco na capital francesa. Sobreviventes no público, diferentes reacções e uma promessa: "Ninguém nos pode parar".

Fotogaleria

Na noite de sexta-feira 13 de Novembro, o concerto dos Eagles of Death Metal não acabou à hora marcada - os disparos dos terroristas na sala de espectáculos Bataclan interromperam a actuação, matando 90 pessoas e ferindo dezenas. Terça-feira à noite, dia 16 de Fevereiro, a banda não voltou ao Bataclan, mas tocou no Olympia sob alta segurança e a memória do ataque. Depois de "um momento para lembrarmos", na presença de muitos sobreviventes, a banda recomeçou a tocar, com Josh Homme na bateria e Jesse Hughes ao microfone a dizer: "Tornei-me parisiense".

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Na noite de sexta-feira 13 de Novembro, o concerto dos Eagles of Death Metal não acabou à hora marcada - os disparos dos terroristas na sala de espectáculos Bataclan interromperam a actuação, matando 90 pessoas e ferindo dezenas. Terça-feira à noite, dia 16 de Fevereiro, a banda não voltou ao Bataclan, mas tocou no Olympia sob alta segurança e a memória do ataque. Depois de "um momento para lembrarmos", na presença de muitos sobreviventes, a banda recomeçou a tocar, com Josh Homme na bateria e Jesse Hughes ao microfone a dizer: "Tornei-me parisiense".

A digressão dos Eagles of Death Metal, que recomeçou dia 13 em Fevereiro em Estocolmo sob o novo nome Nos Amis Tour (digressão Nossos Amigos), teve uma noite especial em Paris, e, como escreve a repórter da AFP no local, a banda "fez o seu melhor para exorcisar o horror do massacre do Bataclan". No final, houve abraços e lágrimas entre membros da audiência, emocionados com uma noite que começou pouco depois das 21h e que terminou com uma longa ovação.

À porta, dois rapazes comentavam antes do concerto, escutados pelo diário Libération: "Estávamos lá no Bataclan, viemos para acabar o concerto". "É o primeiro concerto do resto da minha vida", murmurou Emilie, citada sem apelido pelo diário Le Monde, evocando a memória de espectadora, com duas amigas, no Bataclan. As três regressaram aos Eagles of Death Metal, desta feita num Olympia com cerca de 2000 bilhetes divididos entre sobreviventes, familiares e amigos das vítimas e espectadores de bilhete comprado. Ouviu-se a música Il est cinq heures, Paris s'éveille (1968), de Jacques Dutronc, e a banda californiana entrou em palco, desta feita com um dos seus fundadores e rosto mais célebre da sua formação, Josh Homme, na bateria (Homme não estava no Bataclan na noite dos atentados). 

Hughes prometeu: "Vamos divertir-nos esta noite - ámen! Ninguém nos pode parar". Mas mal começou o primeiro tema dos Eagles of Death Metal, I only want you, ele suspendeu-se. "Vamos parar um momento para lembrarmos, e depois recomeçaremos a tocar", disse Homme, anunciando uma paragem de cerca de um minuto, que terminou com o recomeço em força do tema. 

Horas antes, Hughes tinha proferido declarações pungentes e outras polémicas - à imprensa, disse ter medo de "se desfazer em bocados" no palco, ainda marcado pelo trauma de ver um concerto interrompido pelo massacre, da fuga da banda sob disparos e da morte de tantos fãs e de um dos seus colaboradores, Nick Alexander (a música Secret plans foi-lhe dedicada); mas professou também que o atentado provou a necessidade de “acesso universal a armas de fogo”.

A polémica parecia ter-se desvanecido durante uma noite em que apenas um tema estava fora do alinhamento à partida. Kiss the devil, que a banda tocava quando os terroristas começaram a disparar. “Não podemos tocar Kiss the devil. Não sabemos onde se encontra agora essa canção, e também não temos nenhuma razão para ir à procura dela. Mas a verdade é que também nos pediram para não a tocar. E uma pessoa que não quer mais ouvi-la conta bem mais para nós do que uma centena delas que possam querer que a toquemos”, disse Homme ao diário Le Monde

Em palco, Hughes partiu uma guitarra e cantou e tocou noite dentro. Fora dele, abraçou sobreviventes, nomeadamente um que se encontrava numa cadeira de rodas à margem do palco, como descreve a AFP, "à medida que a noite avançava e a emoção crescia". Manifestando o seu "amor" pelo público ali reunido, o vocalista postulou "tornei-me parisiense. Precisei de vocês e vocês não me deixaram cair". Brindes, lágrimas, Brown Sugar dos Rolling Stones, final em tronco nu e com álcool a mais, mais de duas horas em palco, sorrisos no final mas também muita emoção.

Havia uma equipa de 30 psicólogos na sala para poder prestar ajuda aos sobreviventes presentes ou familiares das vítimas. À entrada, relata o Libération, eram distribuídos panfletos com números de linhas de apoio de vários fins, e era impossível escapar à constatação de que existia um número inusual de pessoas com canadianas ou cadeiras de rodas. "Por agora as pessoas estão no concerto, é um parêntesis, será interessante ver os efeitos mais tarde", comentou ao diário francês Jean-Marc Benkemoun, psiquiatra, sobre as manifestações de afecto constantes entre o público. Treze pessoas ainda estão hospitalizadas na sequência de ferimentos sofridos no Bataclan.

"Eagles of Death Metal: continuar a viver, continuar a tocar: uma homenagem às vítimas, um canto pela liberdade", escreveu Manuel Valls, primeiro-ministro francês, no Twitter. 

"Consegui mesmo ter prazer" com a noite, congratulava-se Emmanuel Wechta, de 42 anos, no final da noite. "Não vim para uma [sessão de] terapia, mas para me divertir e foi isso que fiz". Emmanuel Wechta estava no Bataclan, sala que se encontra agora em obras e em cuja reabertura os Eagles of Death Metal prometeram tocar. Confessou ainda assim que olhou para o "relógio depois de 40 minutos" de concerto, "que foi quando os assassinos entraram no Bataclan, mas estava tudo bem". Alexis, de 26 anos, também falou com a AFP, mas já não teve a mesma experiência. "Foi difícil três quartos do tempo". Esteve sempre perto de uma saída, sem conseguir escapar à memória de ter estado a fingir-se de morto durante duas horas no Bataclan para sobreviver. O rufar da bateria, confessou, foi o pior. Lembrava-lhe os tiros. "Mas no fim de contas foi uma experiência muito positiva - consegui ir a um concerto".

A digressão dos Eagles of Death Metal passa por Portugal a 5 de Março, num concerto que substitui assim aquele que foi cancelado na sequência dos atentados.