O Facebook e o desafio da maternidade
Num exercício de pura vaidade, dezenas de mães, ou mães ainda por ser, enchem o Facebook dia após dia com um sem número de fotografias de bebés reluzentes, radiosos, bochechudos e sorridentes
Eu nunca poderei ser uma boa mãe, não só pelo facto, óbvio, de ser um homem (e por aqui fim da conversa), mas porque recentemente as minhas “amigas“ parecem não ter mais nada a fazer para além de o gritarem a plenos pulmões e em letras garrafais no mais recente desafio do Facebook: o desafio da maternidade ou, em Inglês, “The motherhood challenge“, porque em Inglês é mais fino e parece bem, que é para fazer de conta que não estamos aqui mas noutro sítio qualquer, onde falamos todos em Inglês e somos bonitos, ricos e famosos.
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Eu nunca poderei ser uma boa mãe, não só pelo facto, óbvio, de ser um homem (e por aqui fim da conversa), mas porque recentemente as minhas “amigas“ parecem não ter mais nada a fazer para além de o gritarem a plenos pulmões e em letras garrafais no mais recente desafio do Facebook: o desafio da maternidade ou, em Inglês, “The motherhood challenge“, porque em Inglês é mais fino e parece bem, que é para fazer de conta que não estamos aqui mas noutro sítio qualquer, onde falamos todos em Inglês e somos bonitos, ricos e famosos.
Pois bem, consiste o dito desafio em pedir às mulheres para mostrarem a todos como são umas “super-mães“ através da partilha de fotografias ao lado dos seus rebentos, ao mesmo tempo desafiando outras mulheres a fazer o mesmo.
E aqui começam os problemas, desde logo por não haver desafio algum: não nos desafiam a despejar um balde de gelo em cima da cabeça em prol da solidariedade; não nos pedem para partilhar algo que nos faça felizes todos os dias durante cem dias; e nem por isso nos é pedido para tirar uma “selfie“ sem maquilhagem. E porque não há desafio, não há risco, e sem risco não existe um objectivo ou um plano para o alcançar.
Assim, num exercício de pura vaidade, dezenas de mães, ou mães ainda por ser, enchem o Facebook dia após dia com um sem número de fotografias de bebés reluzentes, radiosos, bochechudos e sorridentes, sem o mínimo de consideração pela privacidade dessas crianças cujas fotografias navegam agora livremente pela “internet“, sem se preocuparem com quem, infelizmente, não pode ter filhos e queria ter, com quem sofre de infertilidade ou passou pela interrupção abrupta de uma gravidez desejada, e nalguns casos nomeando essas mesmas mulheres num acto que é um misto de ignorância e crueldade, sem esquecer os pais das crianças os quais, obviamente, nunca poderão ser boas mães, mesmo quando o são, tantas vezes fazendo as vezes dos dois nos dias de hoje, tão exigentes quanto impossíveis, onde “super-profissionais“ têm também de ser “super-pais“, “super-chefes“ e estrelas porno na cama quando, finalmente, é chegada a hora de deitar, para já não esquecer a “selfie“ depois do acto...
Porque, afinal, quem é que se sente, verdadeiramente, uma “super-mãe“, quem é que nunca teve dúvidas, noites sem sono, o desespero dos cabelos brancos ou os mesmos cabelos arrancados às mãos cheias por não saber o que fazer e como fazer para pôr término a um choro sem causa, razão de ser ou fim à vista? E se isso não faz de nós piores pais, porque diabo têm de nos atirar isso à cara sempre que ligamos o ecrã do computador ou do telemóvel “esperto“?
E se querem mesmo saber, não, não quero fazer parte deste vosso clube exclusivo onde mães de peito cheio (ainda) amamentam crianças que mais parecem pré-adolescentes, onde ficamos sem saber se é a criança quem precisa de mamar ou a mãe quem precisa de amamentar, um clube onde mães procuram mostrar ao mundo a sua condição não apenas maternal, mas divina, de quem traz vida à vida, em tudo superior a quem, pela ordem natural das coisas, tem de percorrer uma vida sem ventre.
Porque ninguém é uma “super-mãe“, porque ninguém é perfeito, as mães que eu conheço não o são, e as outras também não, porque uma fotografia com o meu filho não é “super“, mas apenas uma fotografia, com o meu filho, e nada mais, igual a tantas outras fotografias com filhos tiradas ao longo dos últimos cento e cinquenta anos desde que Daguerre inventou o daguerreótipo, porque “super“ não é fotografar, “tagar“ e partilhar, mas sim amar, incondicionalmente, estes filhos, apesar dos erros, das cabeçadas e das imperfeições, sem juízos de valor e sem preconceitos, ao contrário do que estas mães, tão vaidosas diante do "espelho meu" deste telemóvel, querem hoje fazer-nos crer.