Ministério do Ambiente autoriza caça em toda a Reserva da Serra da Malcata
Quercus alega que a decisão da tutela pode colocar em risco a recuperação do corço, do veado e do coelho-bravo e de espécies em perigo como o lince, o lobo e o abutre-preto. PAN quer ministro no Parlamento.
A organização ambientalista Quercus acusa o Ministério do Ambiente de ter “cedido a pressões do lobby da caça”, ao revogar uma portaria com 23 anos que só permitia o exercício da caça na zona sul da Reserva Natural da Serra da Malcata - uma das áreas onde ocorre o lince-ibérico - “em casos especiais devidamente fundamentados” que visassem o controlo populacional de determinadas espécies. O Governo alega que medida permite um melhor ordenamento cinegético na região.
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A organização ambientalista Quercus acusa o Ministério do Ambiente de ter “cedido a pressões do lobby da caça”, ao revogar uma portaria com 23 anos que só permitia o exercício da caça na zona sul da Reserva Natural da Serra da Malcata - uma das áreas onde ocorre o lince-ibérico - “em casos especiais devidamente fundamentados” que visassem o controlo populacional de determinadas espécies. O Governo alega que medida permite um melhor ordenamento cinegético na região.
Para a Quercus, a tutela deu “licença para matar” na serra da Malcata, uma decisão que, para os ambientalistas, significa sobrepor os “interesses da caça aos da conservação da biodiversidade”, num dos únicos sítios do país que ainda estava interdito à actividade cinegética.
Ricardo Nabais, dirigente da organização, adiantou ao PÚBLICO que o abate a tiro “é uma das principais causas de morte não natural do lince ibérico e do lobo-ibérico”, salientando que na origem da criação da Reserva Natural da Serra da Malcata esteve a “protecção do felino”, lembrando o famoso slogan que já leva mais três décadas: “Salvem o lince e a Serra da Malcata.”
Acresce ainda que o lince tem estatuto de espécie prioritária de interesse comunitário, atribuído pela Directiva Habitats, sendo que as zonas onde ocorre estão abrangidas pela Rede Natura 2000, como é o caso da Malcata.
A opção do Governo, prossegue a Ricardo Nabais, “pode ainda colocar em causa” a recuperação de várias espécies de que o felino se alimenta e que estavam a ser recuperadas na serra como o corço, o veado e o coelho-bravo. E ser um risco para as espécies em perigo como o lince, o lobo e o abutre-preto.
O ministério do Ambiente alega, em resposta o PÚBLICO, que a actividade cinegética é praticada na Reserva Natural da Serra da Malcata “desde a sua criação” em 1981. O alargamento da área de caça traz “inequívocas vantagens para o ordenamento cinegético e a gestão e exploração cinegética”, acrescenta. E, para a tutela, a promoção do ordenamento cinegético constitui “um instrumento fundamental ao cumprimento da missão do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.”
Quanto ao lince-ibérico, o ministério destaca o processo de reintrodução da espécie na área do Vale do Guadiana, lembrando que este território se encontra “na sua totalidade sob o regime cinegético ordenado” facto que diz ter “contribuído para o aumento da biodiversidade na região.”
Ricardo Nabais diverge desta conclusão chamando a atenção para o facto de na área da Serra da Malcata serem patentes “as dificuldades no combate à caça furtiva e as lacunas no funcionamento da reserva” devido à falta de recursos humanos e financeiros, que se refletem nas acções de vigilância e fiscalização.
Nestas circunstâncias, a opção de agora permitir a caça numa área protegida “só vai agravar os problemas já existentes”. Com efeito, “se não há pessoal para fiscalizar uma parte, como é que vai haver para controlar toda a reserva natural”, questiona o dirigente da Quercus.
Por outro lado, a intensificação da actividade cinegética “acabará por ter impacto no suporte alimentar das espécies predadoras” para além de representar um risco para o Plano Nacional de Reintrodução do Lince Ibérico, através do qual “estão a ser investidos de milhões de euros”, e que prevê que venham a ser libertados felinos na Malcata, sublinha Ricardo Nabais.
A Quercus afirma ainda que “não está contra a actividade cinegética” mas que, “neste caso, não existe qualquer necessidade ou fundamentação científica para abrir à caça uma reserva natural” até porque, conclui Ricardo Nabais, “não há coelhos bravos em número suficiente” para alimentar os predadores e suprir as necessidades dos caçadores, incluindo o furtivismo.
Também o PAN - Pessoas-Animais-Natureza se juntou às críticas, considerando nesta segunda-feira a decisão como um "crime desastroso contra a natureza". Em comunicado enviado à Lusa, o PAN refere que "a decisão do governo é um retrocesso civilizacional e carece de fundamentação científica e política", defende que não há em Portugal necessidade de mais áreas cinegéticas e anuncia que quer ouvir no Parlamento, com caráter de urgência, o ministro do Ambiente.