Nas Serras do Porto há um sonho de meio século que começa a ser cumprido

Câmaras de Valongo, Gondomar e Paredes aprovam este mês a criação da associação que vai gerir o Parque das Serras do Porto, pensado desde a década de 50.

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Há dois anos que os municípios de Valongo, Gondomar e Paredes estão apostados em transformar as serras que partilham num parque regional que se torne um activo estratégico para a área metropolitana do Porto. Projecto nascido de uma ideia com quase 70 anos, o Parque das Serras do Porto está prestes a ter existência formal, com a aprovação, este mês, pelas três câmaras, da adesão à associação intermunicipal criada para gerir esta área de 5700 hectares que sempre atraiu o interesse do homem, pelas suas riquezas, e que hoje é um espaço rico em história e património cultural e natural a minutos de distância de 1,7 milhões de pessoas.

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Há dois anos que os municípios de Valongo, Gondomar e Paredes estão apostados em transformar as serras que partilham num parque regional que se torne um activo estratégico para a área metropolitana do Porto. Projecto nascido de uma ideia com quase 70 anos, o Parque das Serras do Porto está prestes a ter existência formal, com a aprovação, este mês, pelas três câmaras, da adesão à associação intermunicipal criada para gerir esta área de 5700 hectares que sempre atraiu o interesse do homem, pelas suas riquezas, e que hoje é um espaço rico em história e património cultural e natural a minutos de distância de 1,7 milhões de pessoas.

A 15 minutos do Porto, num percurso quase todo ele em auto-estrada, a Aldeia de Alvre, nas proximidades do santuário da Senhora do Salto, há-de ser uma porta de entrada no futuro parque regional. Nas ruas estreitas, ladeadas de muros e construções de xisto entre os quais se destaca a fachada de azulejo da igreja (branco, com motivos azuis), Alvre, concelho de Paredes, como Couce, em Valongo, vive ainda ao ritmo de uma ruralidade que as cidades vizinhas perderam.

Por aqui, o Rio Sousa disputa, com os poucos carros e motas que passam a ponte, o primado da banda sonora do local, enquanto caminha, cheio, por estes dias, encosta abaixo, entre campos de cultivo.

É para Salto que o rio se dirige. E bem nos tinha alertado a arquitecta-paisagista Teresa Andresen para o facto de que por ali, num lugar transformado em santuário, a geologia da região mostra todo o seu poder de encantamento. Aos pés de uma pequena ermida, o Sousa aventura-se, ruidoso e rápido, entre uma garganta fechada de fragas xistosas, num cenário a pedir contemplação.

No leito do rio, sob um miradouro, cinco buracos numa laje de pedra rosada deram corpo à lenda de que um cavaleiro, fugindo do diabo, saltou do penhasco e, salvo pela virgem, viu o seu cavalo pousar, de patas e focinho, sob uma rocha mole. Lenda à parte, o certo é que, graças à ermida, e aos fáceis acessos, este é daqueles lugares a visitar no parque Regional das Serras do Porto.

As Serras de Santa Justa, Pias, Castiçal, Santa Iria e Banjas fazem parte de um mesmo fenómeno geológico, o anticlinal de Valongo, que há milhões de anos fez imergir, entre os maçicos rochosos que caracterizam a região, uma “ilha de xistos”, testemunho da evolução geológica do planeta e terreno fértil para os investigadores, dada a quantidade imensa de fósseis que surgem nesta zona que já esteve na linha de costa.

Hoje, o mar está a quilómetros de distância, mas as trilobites, aqui como nos territórios a sul do Douro, na Serra da Freita, são uma marca famosa do tempo em que era outra a vida que abundava por aqui.

O ouro dos romanos

Os humanos chegaram tarde, mas não tardaram a perceber que estavam a pisar solo rico, não apenas em lousa, mas também em carvão (explorado na vila mineira de São Pedro da Cova, uma das entradas de Gondomar neste parque), e, principalmente, em ouro.

Os romanos perceberam todo o potencial desta zona e os estudos que vêm sendo conduzidos apontam cada vez mais para a hipótese de ter existido neste território, que tem dezenas de quilómetros de galerias, o maior complexo mineiro subterrâneo do Império. Se tal vier a comprovar-se, fica aberta a porta para uma possível classificação internacional deste património.  

Para além dos cientistas e de várias áreas , há muito que estas serras são utilizadas para actividades de lazer e desporto, inclusive de forma organizada por várias associações no terreno. Mas, tirando o caso de Valongo, que há uns anos, face ao desinteresse dos concelhos vizinhos, se aventurou a classificar e a criar estruturas na sua parte da serra, nada aqui nos diz que estamos num parque regional, com os pontos de interesse já descritos.

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Esse trabalho vai começar agora a ser visível, concluído que está o esforço de caracterização levado a cabo por uma equipa técnica dos três concelhos que foi coordenada por um quinteto composto pelos paisagistas Teresa Andresen e Gonçalo Andrade e um elemento de cada autarquia.

Teresa Andresen mostra-se muito entusiasmada com este projecto que vem cumprir uma vontade expressa em planos de ordenamento da área do Grande Porto há muitas décadas. A primeira referência à vantagem de se criar, nas serras do Porto, um parque de recreio e lazer data do Plano Regulador da Cidade pertence a Antão de Almeida Garrett, em 1952.

Outras pessoas, como o paisagista Ilídio de Araújo, alvo de uma homenagem recente, um ano após a sua morte, pugnaram para que este projecto regional fosse concretizado. Mas foi preciso que uma nova geração chegasse ao poder para que as três câmaras se aliassem, definitivamente, neste objectivo, com o chapéu institucional da Área Metropolitana do Porto (AMP).

A antiga professora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto elogia os autarcas, pelo esforço de concretização de um compromisso que vinha já expresso nos respectivos programas políticos de candidatura, e as respectivas equipas técnicas, que, nota, fizeram todo o trabalho de caracterização e projecto do parque internamente, e com grande qualidade.

E vê no próprio nome dado ao futuro parque uma mudança de mentalidade, já que o espaço não vai ter uma referência expressa a cada um dos concelhos, mas a uma marca, a do Porto, que os três presidentes de câmara assumem sem complexos e numa perspectiva muito pragmática.

Celso Ferreira, de Paredes, está no seu último mandato, mas José Manuel Ribeiro, de Valongo, e Marco Martins iniciaram funções em 2013. “Quando tomei posse, não descansei enquanto não sentei o Marco e o Celso à mesa para começarmos a trabalhar nisto”, diz o presidente da Câmara de Valongo, um socialista que seguiu com atenção os esforços do seu antecessor na autarquia para criar a área protegida local numa zona onde, assinala, passou a sua infância, e que conseguiu dar ao projecto o carácter regional que este já merecia.

A adjunta de Marco Martins, Cláudia Vieira, assume que Valongo tinha o trabalho mais adiantado, mas nota que Gondomar está a apostar forte no projecto. São Pedro da Cova, onde foi criado, já neste milénio, um dos maiores problemas ambientais do país um aterro ilegal de resíduos perigosos , está a recuperar dessa ferida e vai ver o seu papel histórico, enquanto vila mineira, valorizado como “porta” do novo parque.

Farinha, carvão e carqueja

Este vai ter sede em Valongo, mas como primeiro presidente o autarca Celso Ferreira, num esquema rotativo. Mas, acima de tudo, vai ter recursos próprios, equipa e capacidade institucional para procurar nos fundos comunitários as verbas necessárias para os investimentos que é preciso fazer. Há trilhos que é preciso marcar, pontos de interesse que é preciso mostrar, zonas rurais a reabilitar e sinalização para instalar. Ao chegarem à pitoresca aldeia de Couce, nas margens do Rio Ferreira, à Vila de São Pedro da Cova, com o seu património mineiro, a Alvre ou à foz dos rios Sousa e Ferreira, os visitantes terão de ter acesso a informação e equipamentos básicos de apoio para a fruição do parque.

As autarquias acreditam que o parque poderá impulsionar a hotelaria local e que, com o seu potencial para actividades ao ar livre, será mais um argumento para o prolongamento da estadia de turistas na região. José Manuel Ribeiro diz que tem insistido com a própria Universidade do Porto para que inclua esta valência a serra a minutos de distância na sua comunicação para atracção de alunos e investigadores estrangeiros. “Temos todos a ganhar: a população local, 1,6 milhões de pessoas, e aqueles que nos visitarem”, afirma.

Em Paredes, o vice-presidente Pedro Mendes embarca no mesmo entusiasmo, argumentando que, no fundo, o projecto devolve ao Porto, entendido como a grande cidade, uma área que historicamente foi sendo designada como Serras do Porto, porque dali lhe chegava a água, a farinha moída nas margens dos rios Ferreira e Sousa, o carvão e a carqueja. E a AMP não se fez rogada, dando por unanimidade a sua chancela a este desígnio de 70 anos, que finalmente está prestes a assumir existência formal.