Violência entre namorados está a aumentar

Instituto de Medicina Legal recebeu 699 casos de violência entre namorados, um aumento de 44,4% face ao ano anterior.

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Instalação artística em São João da Madeiras de sensibilização para a violência exercida sobre criancas e jovens Adriano Miranda

As estatísticas do Instituto de Medicina Legal e dois estudos de investigadores da Universidade de Coimbra apontam no mesmo sentido: a violência entre namorados está a aumentar em Portugal, afectando mesmo jovens de 13 e 14 anos.

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As estatísticas do Instituto de Medicina Legal e dois estudos de investigadores da Universidade de Coimbra apontam no mesmo sentido: a violência entre namorados está a aumentar em Portugal, afectando mesmo jovens de 13 e 14 anos.

As histórias de violência no namoro que chegaram ao Instituto de Medicina Legal aumentaram 44% no ano passado, atingindo os 699 casos, segundo um estudo nacional que revela que há vítimas de apenas 14 anos.

Estes são alguns dos números do estudo realizado por César Santos, representante da Comissão Nacional de Prevenção de Violência Doméstica do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF).

No ano passado, os técnicos do INMLCF analisaram 23.752 casos de violência, menos 6,6% do que no ano anterior. No entanto, dentro deste universo, a violência entre namorados ou ex-namorados registou um aumento de 44,4%, ao passar de 484 para 699 pessoas que, depois de uma queixa às autoridades, foram submetidas a perícias médicas para comprovar as agressões.

Por detrás de cada um destes números está uma história dramática de alguém que ganhou coragem, quebrou o silêncio e admitiu ser vítima do namorado ou ex-namorado. Na maior parte dos casos, os agressores são homens e as vítimas são mulheres (87%).

“É preciso algum grau de consciência e de decisão interior para uma vítima de uma relação que deveria ser de amor, paixão e romantismo tomar uma decisão de ir a uma esquadra apresentar queixa contra o namorado ou ex-namorado”, sublinhou o vice-presidente do INMLCF, João Pinheiro, em declarações à Lusa.

Segundo o estudo, há mais casos envolvendo ex-relacionamentos (52,9%) do que namoros atuais (47,1%).

Mas nem todas as vítimas fazem queixa e, por isso, os números agora divulgados “não representam o fenómeno da violência no namoro na sua globalidade, mas sim o que chega até ao Instituto de Medicina Legal”, contou à Lusa.

O estudo mostra ainda que não existe um limite de idade para se namorar mas também revela o lado negro do namoro: “Pode-se namorar uma vida toda e bater ao longo de toda a vida”, lamentou o vice-presidente da instituição.

Algumas das pessoas vistas pelos médicos do INML, acabam por regressar. Algumas, muito poucas, já sem vida. “É uma minoria mas acontece e são casos que chocam muito normalmente pela idade muito jovem das vítimas”, disse João Pinheiro, explicando que neste estudo não foi feita essa análise.

Depois do exame pericial, os especialistas do Instituto de Medicina Legal perdem o rasto das vítimas, que seguem com o processo judicial.

O estudo analisou as vítimas por grupos etários e mostrou que quase metade das pessoas que fez exames periciais tem até 25 anos, sendo que no ano passado os médicos legistas receberam 42 jovens com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos.

“Isto é um mau indício, um mau percurso para uma vida futura que se pretendia de amor e que começa muito cedo com problemas de violência”, alertou o professor, lembrando os estudos que indicam que este é normalmente um comportamento repetitivo de quem já viveu em ambientes de violência familiar.

No ano passado, 276 pessoas entre 18 e 25 anos fizeram queixa contra o namorado ou ex-namorado, ou seja, quatro em cada dez vítimas que recorreu ao INML estava naquela faixa etária.

Os técnicos do INML receberam ainda 146 pessoas entre os 31 e os 39 anos e outras 109 com idades compreendidas entre os 26 e os 30 anos. Com mais de 50 anos, registaram-se 30 casos de relacionamentos amorosos marcados por violência.

Murros e bofetadas continuam a ser as agressões mais comuns entre os namorados, seguindo-se os apertões, empurrões e pontapés.

Puxões de cabelos, quedas, esganaduras e unhadas também são casos de violência confirmados pelos médicos do INML. Com menos expressão, surgem 12 casos em que as pessoas foram ameaçadas com facas.

Os números avançados à agência Lusa serão divulgados no seminário “E se a escola do namoro formasse profissionais em violência?”, que se realiza na próxima semana no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra.

Estudo também diz que violência no namoro está a aumentar
A conclusão de que a violência física e verbal entre casais de namorados adolescentes está a aumentar é igualmente referida por uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra que realizou dois estudos nacionais.

“Nós temos evidências de que os indicadores de violência verbal e física aumentaram nos relacionamentos entre os jovens. E isso preocupa-nos bastante”, contou à Lusa Maria do Rosário Pinheiro, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCE/UC).

As evidências partem da comparação de uma investigação realizada entre 2008 e 2009, e de um novo estudo que será agora divulgado, que contou com a participação de 1.697 jovens, vítimas ou agressores de violência no namoro.

Os investigadores ouviram relatos pessoais de violência verbal, física, psicológica, relacional e até sexual de jovens entre os 13 e os 19 anos, que estavam a viver ou tinham terminado uma relação marcada por violência.

“Muitas vezes, quando estávamos a entrevistar os jovens, eles diziam ‘foi só uma empurrão’, ‘uma bofetada’ ou ‘é normal que queira saber onde eu ando, porque gosta de mim’. Muitos olham para os ciúmes como uma prova de amor”, contou a investigadora à Lusa.

Alguns dos jovens estavam a viver a sua primeira relação amorosa e já eram vítimas ou agressores, alertou a especialista e uma das responsáveis pelo estudo que está a ser desenvolvido por uma equipa da FPCE/UC e do Centro de Investigação do Núcleo de Estudos Cognitivos-Comportamentais da UC.

“São experiências precoces de violência, o que é preocupante”, lamentou, sublinhando que muitos destes jovens já vivenciavam este tipo de experiências em casa, e isso torna “difícil quebrar esse efeito geracional”.

A violência no namoro tem características diferentes da violência doméstica, e uma das mais preocupantes é o facto de, em muitos casos, o agressor ser também vítima e vice-versa.

Maria do Rosário Pinheiro explica à Lusa que o problema da violência mútua é o facto de acabar por legitimar a violência, uma vez que acabam por se sentir autorizados a vingar-se.

“E isto aumenta a frequência das agressões e o risco de o ciclo se perpetuar, porque é mais difícil de interromper uma relação em que ambos são vítimas e agressores”, alertou.

No estudo desenvolvido pela UC, cerca de metade dos jovens estavam numa relação actual e a outra metade já tinha terminado a relação, mas 65% dos inquiridos considerava aquele namoro importante ou muito importante.

A especialista alerta para o facto de a sociedade parecer continuar “a legitimar os ataques verbais e físicos, desde que não tenham muito aparato, não sejam públicos, não envergonhem muito as pessoas”.

Os investigadores decidiram analisar também a ciberviolência e descobriram que ambos os sexos praticavam este crime, mas com técnicas diferentes.

“Está mais ligado ao género feminino e aos adolescentes mais velhos, entre os 16 e os 19 anos”, revelou à Lusa, acrescentando o facto de as raparigas parecerem “ser as especialistas em ciber-agressão”, mas os “rapazes dominarem quando se trata de ciber-agressão de cariz sexual”.

Elas usam mais as mensagens de texto (SMS) e os toques para controlar os namorados, enquanto eles optam por fazer telefonemas.

As raparigas têm mais tendência para criar uma conta de correio electrónico ou perfil falso em redes sociais, para controlar o companheiro, mas eles também o fazem.

O envio de mensagens e imagens de cariz sexual para seduzir ou fazer convites, sem o consentimento do outro, é uma prática mais comum entre os rapazes.

O controlo à distância, a ameaça utilizando as novas tecnologias e a difamação são algumas das características deste tipo de crime.

Maria do Rosário lembra que os instrumentos que são usados para agredir – redes sociais, SMS, telemóvel, emails – são os mesmos que depois servem para fazer as pazes.