Esquerda une-se em torno do OE, direita quer saber qual o plano B
António Costa não revelou que medidas adicionais poderá aplicar, mas prometeu que não incidirão sobre salários e pensões. BE, PCP e PEV ajudam PS a rebater críticas da direita.
No primeiro debate quinzenal desde que se conhece a proposta final do orçamento socialista, as bancadas da esquerda uniram-se em torno do orçamento e saíram em defesa do Governo de António Costa. PSD e CDS insistiram em querer saber quais as medidas adicionais que o executivo está a preparar, mas o primeiro-ministro deixou-os sem resposta.
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No primeiro debate quinzenal desde que se conhece a proposta final do orçamento socialista, as bancadas da esquerda uniram-se em torno do orçamento e saíram em defesa do Governo de António Costa. PSD e CDS insistiram em querer saber quais as medidas adicionais que o executivo está a preparar, mas o primeiro-ministro deixou-os sem resposta.
Num duelo vivo e com a bancada do PSD muito indisciplinada nos apartes, o líder social-democrata insistiu durante toda a sua intervenção em saber que medidas adicionais o Governo está a preparar para cumprir as metas exigidas por Bruxelas. Um plano B que só será aplicado se for necessário, mas que Passos Coelho considera quase incontornável.
Na resposta, António Costa recordou a conclusão do Eurogrupo sobre o orçamento para 2015 do anterior Governo. “O Eurogrupo exigiu as medidas necessárias, e o [anterior] Governo teve que as indicar logo; o que desta vez disse é que começasse a preparar desde já as medidas. O que iremos fazer é começar a preparar medidas para utilizar caso sejam necessárias. A nossa convicção é de que não serão necessárias”, afirmou o primeiro-ministro, dizendo que, quando estiverem preparadas, “serão públicas”.
Passos Coelho contestou a ideia de que a proposta de OE removeu os sacrifícios. “O Governo não reverteu austeridade nenhuma, está a redistribuir a austeridade e com isso a pôr em causa a imagem de Portugal nos mercados”, apontou. António Costa admitiu que o que o Governo negociou “é certamente discutível”, mas “ninguém tem dúvidas” sobre que decisão tomar entre aumentar os impostos indirectos e a reposição de rendimentos. “Aumentemos os impostos especiais sobre o consumo, protejamos as pensões e os salários”, sustentou.
As medidas adicionais haveriam de ser retomadas pelo líder da bancada do CDS-PP, Nuno Magalhães, lembrando que o primeiro-ministro fora questionado sobre o assunto quatro vezes e ainda não respondera. “As medidas são preparadas em Lisboa e não em Bruxelas”, disse António Costa. Nuno Magalhães acusou ainda o Governo de aumentar impostos “pela calada da noite”, referindo-se ao imposto sobre os produtos petrolíferos, mas o primeiro-ministro garantiu que não está a pedir mais esforço fiscal a quem consome combustíveis.
Outra das questões em que o líder da bancada centrista insistiu foi a possibilidade de taxar as doações retroactivamente, admitida pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, numa entrevista. António Costa foi curto: “Da proposta de Orçamento não consta qualquer alteração”. Perante a insistência de Magalhães, Costa referiu-se à possibilidade de um estudo sobre o assunto e afirmou que isso é inofensivo.
Rocha Andrade viria a explicar-se, no final do debate, fora do plenário: “O imposto sucessório que está no programa de Governo vai ser estudado ao longo deste ano. Trata-se de uma forma de tributar as heranças de grande valor.” Questionado se o imposto poderá atingir doações já feitas, o secretário de Estado reagiu: “Como é evidente, não se trata de taxar as doações já feitas”. Esclareceu ainda que na entrevista não garantia que as doações já realizadas punham a salvo o património. Minutos depois seria Nuno Magalhães a questionar então a finalidade do estudo.
Jerónimo fala no plural
À esquerda, Carlos César deu o mote e António Costa seguiu o texto: o presidente do PS disse que o orçamento para 2016 é “menos audacioso” do que o Governo gostaria, mas “mais audacioso do que a Comissão Europeia queria”; o primeiro-ministro pegou na deixa e admitiu que o documento “tem metas muito ambiciosas para redução do défice e da dívida”, mas a sua estratégia passa por, durante a execução, “prevenir os riscos e ir reforçando a confiança” – ideia que tem repetido à exaustão na última semana.
Bloco, PCP e PEV praticamente adoptaram o orçamento como seu, tendo mesmo Jerónimo de Sousa falado no plural ao referir-se ao Governo. O líder comunista saiu em defesa do executivo socialista, elencando a lista das reversões de cortes nos rendimentos e direitos que a esquerda já levou a cabo desde Outubro e de muitas medidas contidas no Orçamento para 2016. "Para além da devolução de salários, rendimentos e direitos, este Governo assume uma responsabilidade maior: estamos a devolver a esperança aos portugueses. É isto que este Governo tem de tentar defender e concretizar."
Jerónimo colocou uma gota de fel no discurso. "Estamos perante um orçamento com medidas limitadas, a saber a pouco", limitou-se a apontar. E depois quis saber por que o Governo não taxa as petrolíferas, que duplicaram os lucros líquidos em relação a 2014, em vez de aumentar o ISP. Costa argumentou que o aumento serve para compensar a perda da receita fiscal desde Julho precisamente devido à baixa do preço do petróleo e que as PME, em especial as de transporte, serão ajudadas pelo aumento da dedução fiscal nas despesas com os combustíveis. Sobre o orçamento, defendeu que "não é arriscado nem imprevidente (…) Repõe rendimentos, corta onde deve cortar e aumenta onde deve aumentar."
Catarina Martins tomou as dores do Governo e criticou os comentários do Eurogrupo e do ministro alemão Wolfgang Schäuble, ligando a instabilidade dos mercados ao orçamento português. "Sejamos claros: não será certamente a recuperação de rendimentos que colocará qualquer problema à execução orçamental portuguesa. Se o OE tiver algum risco, não é por lhe faltar austeridade; é por lhe faltar crescimento. Repõe salários e pensões? Seguramente, mas pouco. Faltam meios aos serviços públicos, falta investimento que possa criar emprego”, descreveu a porta-voz bloquista que prometeu alterações na discussão na especialidade.
Costa não se fez rogado e prometeu: “Em circunstância alguma o ajustamento implicará o sacrifício de salários e pensões ou o agravamento da tributação do trabalho. Esta é a garantia que reafirmamos.”
Heloísa Apolónia, dos Verdes, rebateu críticas lançadas pelo CDS de que os aumentos de impostos seriam reflexo dos favores aos partidos que suportam o Governo. “Sinto-me honrada. A direita vê-nos como estando ao lado das pessoas. Dizem que estamos a tirar com uma mão e a dar com a outra. Veja bem quem tirava com as duas mãos e com os pés”, respondeu a deputada, sob a concordância do primeiro-ministro.