Regime de prevenção de conflitos de interesses dos deputados é "permissivo"

Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho da Europa recomenda reforço do poder dos órgãos de controlo e prevenção da corrupção dos deputados, juízes e procuradores.

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Os deputados são, desde há anos, obrigados a declarar conflitos de interesses Miguel Manso

A responsabilidade dos deputados em Portugal está "enfraquecida" pela existência de um regime de prevenção de conflitos de interesses "demasiado permissivo". O quadro legislativo sobre prevenção da corrupção é disperso, tem lacunas e por vezes é mesmo incoerente, não havendo um controlo efectivo e em tempo útil. Estas são algumas das conclusões do Grupo de Estados contra a Corrupção (Greco) do Conselho da Europa no relatório que, na sua quarta edição, incidiu sobre três grupos profissionais em Portugal: deputados, juízes e procuradores.

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A responsabilidade dos deputados em Portugal está "enfraquecida" pela existência de um regime de prevenção de conflitos de interesses "demasiado permissivo". O quadro legislativo sobre prevenção da corrupção é disperso, tem lacunas e por vezes é mesmo incoerente, não havendo um controlo efectivo e em tempo útil. Estas são algumas das conclusões do Grupo de Estados contra a Corrupção (Greco) do Conselho da Europa no relatório que, na sua quarta edição, incidiu sobre três grupos profissionais em Portugal: deputados, juízes e procuradores.

"A ideia de que o Parlamento, nas suas actividades, se limita a exibir uma transparência de fachada continua fortemente enraizada na opinião pública, dada a ausência de regulamentação que enquadre os contactos dos deputados com terceiros e a insuficiente abertura do processo legislativo à participação de outras partes interessadas", critica o Greco. Portugal participa, desde 2002, neste organismo criado em 1999 pelo Conselho da Europa e que monitoriza os mecanismos de prevenção e combate à corrupção.

Sublinhando que a corrupção continua a ser encarada "como um problema pela sociedade portuguesa", apesar de se ter avançado com legislação e vários instrumentos para dissuadir estes três grupos profissionais deste tipo de práticas, o Greco recomenda às autoridades que incluam "de forma clara" a prevenção do fenómeno nas suas regulamentações e que reforcem "os poderes, a imparcialidade e a eficácia dos órgãos de controlo".

Os deputados são, desde há anos, obrigados a declarar conflitos de interesses, a apresentar declarações de rendimentos e a respeitar um regime de incompatibilidades. O Greco recorda que pelo menos um terço dos parlamentares conciliam, porém, esta função com actividades de advocacia ou de consultoria. Os "múltiplos conflitos de interesses" que advêm desta situação, nomeadamente "no quadro das privatizações e nos sectores da banca, da energia, da agricultura e da saúde não são sempre declarados e não são devidamente sancionados", defendem os autores do relatório.

Por isso, recomendam a adopção de "princípios e normas claros" e de um "mecanismo de controlo eficaz" para os fazer respeitar. O Greco sugere ainda que os deputados sejam sensibilizados, mesmo com “orientações personalizadas e conselhos a título confidencial” sobre os contactos “apropriados” com terceiros e a aceitação de prendas. A aceitação de prendas não está regulamentada, à excepção do que tem que ver com a participação em conferências, congressos, formações de curta duração ou actividades análogas, recorda o grupo de Estados.

Quanto à obrigatoriedade de declaração do património, as autoridades devem prever “sanções adequadas” no caso de violação deste princípio e até nos casos em que as declarações se apresentam ”incorrectas” ou “incompletas”. Em suma, defendem os autores do relatório, é preciso "avaliar a eficácia de todo o sistema de prevenção, divulgação e sanção dos conflitos de interesse na Assembleia da República". Impõe-se a simplificação da declaração não só dos conflitos de interesses, mas também das incompatibilidades.

Quanto ao património dos deputados, devem ser colmatadas várias "lacunas", como "a falta de controlo aprofundado e em tempo útil do mecanismo de divulgação e de verificação", sendo o levantamento da imunidade dos deputados das assembleias legislativas regionais "igualmente desejável".

Relativamente aos juízes e magistrados do Ministério Público, conclui-se que é preciso ir para além dos princípios gerais que regem o exercício destas funções e que não deve bastar a possibilidade de instauração de processos disciplinares. "No que diz respeito ao aparelho judiciário, a composição dos conselhos responsáveis pelas nomeações e promoções dos juízes (…) torna-o muito vulnerável a ingerências políticas indevidas ", considera o Greco. "Por outro lado", acrescenta, "a falta de autonomia financeira dos tribunais" cria igualmente "um problema, já que fragiliza o estatuto da magistratura como poder independente e o do Ministério Público enquanto instância autónoma".

Tanto para os juízes como para os procuradores, o Greco recomenda que sejam elaboradas normas deontológicas "claras" e que estas sejam tornadas públicas (abrangendo, por exemplo, as prendas e os conflitos de interesse), normas estas que "servirão de base para a promoção, a avaliação e a acção disciplinar".

O presidente da TIAC – Transparência e Integridade, Associação Cívica, Luís de Sousa, olha sem surpresa para estas conclusões. "Ainda que diplomático na forma como apresenta as recomendações", o relatório "é bastante incisivo e revelador de inúmeras carências e disfunções",  em "maior grau nos sistemas e procedimentos de controlo e gestão dos conflitos de interesses na esfera política e em menor grau nas duas magistraturas", assinala.

Professor na Universidade de Aveiro, o mesmo responsável diz que a maioria destas conclusões e recomendações já faziam parte da avaliação do relatório do Sistema Nacional de Integridade (SNI) que a organização divulgou em 2012. "Na base da inoperância do SNI está a ausência de uma orientação política estruturada, com objectivos claros, recursos adequados para a sua execução e metas a atingir", concluía a associação há quatro anos. Neste relatório, a TIAC lamentava também "a falta de monitorização e avaliação do combate à corrupção ", com a consequente "total desresponsabilização dos actores e a ausência de indicadores objectivos".

Luís de Sousa lamenta que as autoridades portuguesas não tenham prestado "qualquer atenção" a estas conclusões e recorda que a associação que dirige até foi alvo, na altura, de "um processo de difamação patrocinado pelo Tribunal de Contas que o Ministério Público arquivou".