Carga fiscal desce? Esquerda diz que sim, direita discorda
Centeno salienta diminuição da carga fiscal. PSD e CDS-PP contrapõem que a austeridade não acabou e lembram agravamento dos impostos indirectos.
Foi o ministro das Finanças quem, ao falar da diminuição do peso dos impostos este ano, deu o tiro de partida para a longa troca de argumentos que tomou conta da audição de Mário Centeno nesta quarta-feira no Parlamento sobre a proposta de Orçamento do Estado.
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Foi o ministro das Finanças quem, ao falar da diminuição do peso dos impostos este ano, deu o tiro de partida para a longa troca de argumentos que tomou conta da audição de Mário Centeno nesta quarta-feira no Parlamento sobre a proposta de Orçamento do Estado.
As linhas de argumentação estavam fixadas e seguiram o figurino: de um lado, PS, PCP e Bloco de Esquerda a salientarem as medidas de reposição de rendimentos e a diminuição do peso das receitas na economia; do outro, o PSD e o CDS-PP a contraporem que a austeridade não acabou, dando como exemplo o agravamento dos impostos indirectos.
Mário Centeno começou por sublinhar que “o peso dos impostos diminuirá 0,22 pontos percentuais” do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao ano passado e afirmou: “Com este Orçamento a carga fiscal diminui, ao contrário do que alguns membros desta câmara, seguramente por precipitação, quiseram difundir publicamente”.
O debate aqueceu quando interveio o deputado independente do PS Paulo Trigo Pereira. A questão sobre o nível da carga fiscal já tinha sido explorada nas intervenções dos deputados do PSD e do CDS. E Trigo Pereira começou por salientar: “Este debate já foi importante para uma coisa: já se aprendeu aqui o que é o conceito de carga fiscal – que eu até prefiro chamar-lhe ‘nível de fiscalidade’ – o rácio dos impostos, mais as contribuições sociais no PIB”.
E eis que Trigo Pereira motiva nas bancadas da direita uma exclamação em uníssono, quando diz: “Qualquer que seja a maneira com que calculemos este rácio, ele não se agrava [face a 2015]… Agrava-se uma décima neste Orçamento de Estado”.
A declaração do deputado independente, que participou na elaboração do cenário macroeconómico do programa eleitoral do PS, parecia embaraçar Mário Centeno, que pouco antes tinha dito que a carga fiscal vai diminuir este ano. A questão é que o ministro das Finanças falava de “carga fiscal” no sentido estrito dos impostos e não englobando no mesmo conceito as contribuições sociais, onde o executivo que a receita cresça à boleia de um aumento da massa salarial e da “melhoria das condições do mercado de trabalho”, com uma descida do desemprego e um crescimento do emprego.
Há ou não contradição entre Centeno e Trigo Pereira? Os números da proposta de orçamento mostram as duas faces da moeda: o peso da receita fiscal no PIB baixa, de facto, 0,2 pontos percentuais no PIB (em 2015 representavam 25,4%, quando este ano deverão descer para 25,2%); já o valor das contribuições sociais, que representava 11,5% do PIB, passa a valer 11,8%.
Feitas as contas, juntando receita fiscal e as contribuições sociais das administrações públicas, o seu peso no PIB sobe uma décima (como reconheceu Paulo Trigo Pereira), passando de 36,9% para 37%.
O que diz a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO)? Na avaliação à proposta de orçamento, os técnicos notam que o documento “prevê uma redução da carga fiscal em 2016 e uma recomposição da sua estrutura”. Segundo a UTAO, e excluindo as medidas pontuais com impacto na receita (as chamadas medidas one-off), a carga fiscal deverá baixar para “34,2% do PIB em 2016, o que constitui uma redução de 0,1 pontos percentuais do PIB face a 2015”. No entanto, o seu peso no PIB “deverá permanecer ainda assim num nível superior ao registado em 2014”.
Receita em alta
À mesa da audição parlamentar, onde estiveram os deputados de duas comissões (Orçamento e Segurança Social), foi lançado um desafio por Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda – “provar com dados” que o Orçamento traz o maior aumento dos impostos de sempre.
Para o deputado comunista Paulo Sá, os partidos da anterior coligação estão a tentar transmitir “a ideia de que há um brutal aumento dos impostos”, quando o OE traz é a “reversão do brutal aumento”. A redução da sobretaxa em função dos escalões de rendimento é um exemplo, mas a seguir “têm de se seguir outros passos”, defendeu.
Os deputados do Bloco de Esquerda e do PCP, aliás, enfatizaram as medidas que devolvem rendimentos e na recomposição das medidas fiscais, não deixando de marcar as suas diferenças em relação à proposta final do Governo que resultou das negociações com a Comissão Europeia.
Onde os partidos que suportam a maioria parlamentar vêem o princípio do fim da austeridade – uma expressão que Mário Centeno trouxe para a audição parlamentar –, o PSD e o CDS-PP vêm uma outra austeridade.
O deputado social-democrata Duarte Pacheco falou do OE como uma manta “manta de retalhos” que não chega a ser um jogo, mas apenas “peças soltas” onde a austeridade não acaba. A austeridade não acabou, pode é “ter mudado o estilo da austeridade”, contrapôs.
A deputada do CDS-PP Cecília Meireles alimentou o tema, centrando as atenções em Mário Centeno: “Pode criar as narrativas que quiser. A receita fiscal, em dinheiro que as pessoas pagam, aumenta”. Ao ministro perguntou se teria sido preciso aumentar os impostos indirectos caso o Governo tivesse “mantido o gradualismo” na reversão dos cortes salariais na função pública e na redução da sobretaxa de IRS. “Era ou não era possível que nenhum destes impostos tivesse agora de acontecer, para cumprir acordos com PCP e Bloco de Esquerda? Era ou não possível que a classe média não fosse pagar a factura de impostos?”, lançou.
Centeno aproveitou para trazer uma novidade ao debate sobre a evolução da cobrança dos impostos no primeiro mês do ano. “A receita de todos os impostos em Janeiro cresceu 2,1%, porque a actividade económica está a crescer”.
Antes da audição parlamentar, a UTAO deu a conhecer a análise à proposta de OE. Embora considere a revisão do défice em relação ao esboço do orçamento (para 2,2% do PIB) compatível com as medidas adicionais anunciadas e com a revisão do cenário macroeconómico, os técnicos da unidade de apoio orçamental do Parlamento notam que há “alterações ao nível da receita e da despesa que levantam dúvidas quanto à sua razoabilidade ou que apontam para a existência de factores não especificados” que podem estar a condicionar esta evolução.