Alterações de receita e despesa previstas no Orçamento "levantam dúvidas" à UTAO
Proposta entregue no Parlamento prevê queda mais ambiciosa do défice orçamental para os 2,2% do Produto Interno Bruto.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) considera que as alterações ao nível da receita e da despesa decorrentes das medidas adicionais previstas na proposta do Orçamento do Estado para 2016 "levantam dúvidas quanto à sua razoabilidade".
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) considera que as alterações ao nível da receita e da despesa decorrentes das medidas adicionais previstas na proposta do Orçamento do Estado para 2016 "levantam dúvidas quanto à sua razoabilidade".
Na sua análise à proposta de Orçamento do Estado (OE) a que a Lusa teve acesso, os técnicos independentes que apoiam o Parlamento afirmam que "existem alterações ao nível da receita e da despesa que levantam dúvidas quanto à sua razoabilidade ou que apontam para a existência de factores não especificados em sede do orçamento que possam estar a condicionar a sua evolução".
O Governo estimou, na proposta entregue na Assembleia da República na sexta-feira, que o défice orçamental caia para os 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo dos 2,6% que tinha previsto no esboço do OE, que foi apresentado a 22 de Janeiro.
A UTAO refere agora que, "apesar de o saldo orçamental projectado para 2016 ter sido revisto em 0,7 mil milhões de euros face ao esboço do OE, as revisões da receita e da despesa foram bastante mais significativas, na ordem de 2,1 mil milhões no caso da receita e de 1,4 mil milhões do lado da despesa".
Do lado da receita, os técnicos indicam que as principais revisões foram introduzidas ao nível das contribuições sociais, "cuja evolução projectada no OE coloca dúvidas quanto à sua razoabilidade tendo em conta as medidas anunciadas e a evolução do cenário macroeconómico", acrescentando que há também outras receitas em que "não é possível identificar os factores que terão estado subjacentes à sua revisão".
Já do lado da despesa, segundo a UTAO, "as maiores revisões concentraram-se nas despesas de consumo intermédio e nas despesas com pessoal, para os quais são projectadas evoluções que não encontram justificação nas medidas anunciadas, e na despesa com subsídios que é também revista de forma relevante, desconhecendo-se o motivo daquela revisão".
Ainda assim, a Unidade Técnica afirma que a revisão do saldo orçamental previsto na proposta orçamental em relação ao esboço do OE parece "compatível com as medidas adicionais anunciadas para 2016 e com a revisão do cenário macroeconómico".
Na proposta, o Governo incluiu uma série de medidas que não estavam previstas no esboço orçamental para este e que, segundo as contas da UTAO, "para compensar os cerca de 770 milhões de euros de aumento da despesa, são previstas medidas de sinal contrário, isto é, poupanças ao nível das prestações sociais, do consumo intermédio, dos juros, de outras rubricas de despesa corrente, as quais por seu turno totalizam cerca de 880 milhões de euros".
Isto quer dizer que a proposta de lei do orçamento prevê-se que as medidas discricionárias do lado da despesa contribuam para a consolidação orçamental através de uma redução líquida de 236 milhões de euros (0,13% do PIB), ao contrário do que previa o esboço orçamental que apontava para "uma dimensão muito pouco expressiva, de 0,02% do PIB, para as medidas discricionárias do lado da despesa", uma alteração que reflecte a introdução de novas medidas de consolidação, com destaque para poupanças em acção social (98 milhões de euros) e em subsídio de doença (60 milhões de euros).
Quanto às "medidas genéricas de poupança ao nível dos consumos intermédios e das outras despesas correntes", a UTAO reconhece que, na proposta orçamental, as medidas foram "um pouco melhor detalhadas" face ao esboço, mas sublinha "não é possível uma avaliação da sua exequibilidade ou do seu impacto, prejudicando a transparência do exercício orçamental e podendo constituir um risco não negligenciável para a execução orçamental".
Esta Unidade Técnica acrescenta ainda que "aproximadamente 60% do aumento da receita deverá ser utilizado para financiar o acréscimo de despesa das administrações públicas".
Referindo que o défice ajustado previsto para 2016 ascende a 4,4 mil milhões de euros, ou seja, uma redução de 1,4 mil milhões de euros face ao défice que terá sido registado em 2015, os técnicos indicam que "esta evolução decorre inteiramente do aumento previsto para a receita, em cerca de 3,3 mil milhões de euros, já que do lado da despesa se projecta um aumento da despesa primária em 1,9 mil milhões e uma quase estabilização da despesa com juros face a 2015".
Os técnicos referem também que, ao contrário do que estava previsto no esboço orçamental, a cumprir-se a orientação de política orçamental subjacente à proposta do OE, "esta terá uma natureza restritiva e contra cíclica", o que quer dizer que se prevê uma consolidação orçamental estrutural numa situação de melhoria do ciclo económico.
A projecção de receitas e despesas prevista na proposta de lei "tem subjacente uma melhoria do saldo estrutural em 2016 (...) numa fase ascendente do ciclo económico", o que quer dizer que, "à semelhança do que sucedeu em 2014, a orientação da política orçamental poderá vir a ser restritiva e contra cíclica, no sentido de que se prevê uma consolidação orçamental estrutural numa situação de melhoria do ciclo económico", explicam os técnicos.
Segundo a UTAO, "no âmbito do esboço do OE, a política orçamental proposta tinha uma natureza diferente", uma vez que aquele documento continua uma política orçamental pró cíclica, ou seja, "tinha uma orientação expansionista numa fase ascendente do ciclo económico."