Prisão em si

Nem realismo britânico, nem frieza austríaca, Quarto, de Lenny Abrahamson perde-se no modo demasiado cauteloso como lima as suas arestas.

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O “quarto” é o universo de um miúdo que lá vive fechado com a mãe, convencido que nada existe fora

Dá vontade de erguer Quarto a filme-modelo da produção independente americana (mesmo que seja uma produção irlandesa e canadiana) que se tornou numa indústria por direito próprio ao longo dos últimos 20 anos: drama familiar sensível que faz tangentes a um tema quente sem nunca o olhar de frente. Ainda assim, há alguma inteligência a trabalhar em Quarto, trazida pelo modo como o irlandês Lenny Abrahamson inverte a questão da claustrofobia e da prisão que lhe está no centro.

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Dá vontade de erguer Quarto a filme-modelo da produção independente americana (mesmo que seja uma produção irlandesa e canadiana) que se tornou numa indústria por direito próprio ao longo dos últimos 20 anos: drama familiar sensível que faz tangentes a um tema quente sem nunca o olhar de frente. Ainda assim, há alguma inteligência a trabalhar em Quarto, trazida pelo modo como o irlandês Lenny Abrahamson inverte a questão da claustrofobia e da prisão que lhe está no centro.

O “quarto” do título é o universo de um miúdo de cinco anos, Jack, que lá vive fechado com a mãe, convencido que nada existe fora daquele espaço; aos poucos, o espectador percebe que Jack nunca conheceu o mundo lá fora, porque nasceu ali dentro, filho das violações repetidas da mãe pelo homem que a raptou e a mantém ali fechada há sete anos. Estamos nos territórios de Natascha Kampusch ou Elisabeth Fritzl (cujo caso, aliás, inspirou o romance de Emma Donoghue), mas o que é interessante é o modo como Abrahamson adopta o modo de Jack olhar para o mundo. Depois da descoberta e libertação do miúdo e da mãe, e do seu regresso ao “mundo real”, a dimensão pública e a perseguição mediática do caso restringe-os à casa da avó, e percebemos que se pode apenas ter trocado uma prisão por uma outra; a diferença está apenas no olhar de quem está de fora, que passa de inexistente a escrutinador.

Não estamos nem na frieza austríaca de um Ulrich Seidl ou de um Michael Haneke, nem no realismo social britânico onde Abrahamson se treinou, antes numa tentativa de suave “realismo mágico”. Mas as tentações de falar de um tema complicado com pézinhos de lã - desde a música chapa-quatro de Stephen Rennicks ao ocasional traço grosso da dimensão fantasista da narração – quase anulam a atenção que Abrahamson presta aos actores (retenha-se a segurança e a contenção de Brie Larson no papel da mãe) e o modo como estrutura o seu filme como um espelho distorcido onde nada é o que parece. Serão essas tentações que tornam Quarto no filme-surpresa dos Óscares 2016, mas são também elas que o tornam menos interessante do que poderia ser.