À conquista de Berlim
Oito filmes de produção portuguesa em Berlim 2016, que inaugura dia 11 – quatro longas-metragens, quatro curtas. Coisa nunca vista para uma cinematografia que, costumando estar no radar dos festivais está permanentemente no fio da navalha da subsistência. O que mudou?
A última vez que o cinema de produção portuguesa esteve a concurso no festival de Berlim, em 2012, saíu de lá com o prémio de criação artística Alfred Bauer para Tabu, de Miguel Gomes e com o Urso de Ouro das curtas-metragens para Rafa de João Salaviza. Quatro anos depois, o certame alemão, que abre dia 11, é literalmente “invadido” por produções ou co-produções portuguesas. Ao todo oito filmes – quatro longas, quatro curtas – dos quais quatro em estreia mundial.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A última vez que o cinema de produção portuguesa esteve a concurso no festival de Berlim, em 2012, saíu de lá com o prémio de criação artística Alfred Bauer para Tabu, de Miguel Gomes e com o Urso de Ouro das curtas-metragens para Rafa de João Salaviza. Quatro anos depois, o certame alemão, que abre dia 11, é literalmente “invadido” por produções ou co-produções portuguesas. Ao todo oito filmes – quatro longas, quatro curtas – dos quais quatro em estreia mundial.
Cartas da Guerra de Ivo M. Ferreira (produção O Som e a Fúria) tem estreia mundial no concurso oficial de longas, enquanto a competição de curtas Berlinale Shorts recebe Balada de um Batráquio de Leonor Teles (Uma Pedra no Sapato) e Freud und Friends de Gabriel Abrantes (IndieLisboa). O Forum, secção não competitiva, acolhe as novas longas de Salomé Lamas, Eldorado XXI (O Som e a Fúria), e Hugo Vieira da Silva, Posto Avançado do Progresso (Leopardo Filmes), e a revelação internacional de Rio Corgo de Maya Kosa e Sérgio da Costa (vencedor do DocLisboa 2015, O Som e a Fúria). Mesmo ao lado, o Forum Expanded, que força as fronteiras do cinema com as artes plásticas, programa Filipa César, com Transmissions from the Liberated Zones (encomenda do museu sueco Tensta), e Marie Losier, com L'Oiseau de la nuit (IndieLisboa).
The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml' was not found. The following locations were searched:
~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml
CITACAO_CENTRAL
Oito filmes de produção ou autoria portuguesa num mesmo festival é coisa inaudita. Mas “as coisas não acontecem por acaso”, como diz ao PÚBLICO Luís Urbano, um dos responsáveis da O Som e a Fúria. “Pode ser circunstancial pela qualidade e pela desproporção, mas não há muitos países que se possam gabar do mesmo. Se olharmos para a matemática, o que é importante é o nível de visibilidade face à dimensão do país e à escala da produção.” Miguel Valverde, director do IndieLisboa e da agência Portugal Film, reforça a ideia de uma “conjugação pontual”: “Berlim são muitos festivais juntos, com programadores que trabalham independentemente”.
Convirá também não esquecer que vários dos nomes em Berlim este ano já têm um percurso internacional. Filipa César reside na capital alemã e está extremamente activa no campo das artes visuais e multimedia, trabalhando regularmente com comissões de museus europeus. Hugo Vieira da Silva, radicado na Áustria, é “repetente” do Forum, onde estreou em 2011 a longa anterior, Swans, depois de ter recebido uma menção especial em Locarno com Body Rice. Salomé Lamas viu a primeira longa Terra de Ninguém ter estreia internacional no Forum em 2013 antes de uma notável carreira por festivais; Gabriel Abrantes, vencedor em Locarno 2010 com A History of Mutual Respect, passou pelo concurso de curtas de Berlim em 2014 com Taprobana. A sua curta, Freud und Friends, é a sua contribuição para o filme colectivo produzido pelo IndieLisboa, Aqui, em Lisboa; tal como L'Oiseau de la nuit, de Marie Losier (realizadora regular no Forum) rodado em Lisboa à volta do artista de travesti Fernando Santos.
The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml' was not found. The following locations were searched:
~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml
CITACAO_CENTRAL
A diversidade de propostas presentes em Berlim quer dizer que o cinema português já deixou de ser “cantonado” aos “suspeitos do costume”, como o são hoje Miguel Gomes, João Pedro Rodrigues ou Pedro Costa, depois de Oliveira ou Monteiro noutros tempos? Miguel Valverde confirma que a postura está a mudar. “Não que essa expectativa que o cinema português seja de uma certa maneira não tenha existido, ou que não continue a existir em alguns festivais. Mas existe uma abertura maior. Recebemos pedidos de festivais e de países que não costumam passar filmes portugueses.” Luís Urbano concorda num progressivo abandono dessa ideia de filiação, sobretudo a partir da exposição da “geração curtas” que revelou Gomes, João Nicolau ou Sandro Aguilar. E é impossível não falar do papel cada vez maior do trabalho de “sapa” feito por estruturas de produção e agenciamento. A referência evidente é o papel de “quebra-gelo” que Paulo Branco teve nos anos 1980 e 1990, ao impôr Manoel de Oliveira ou João César Monteiro, “testemunho” que foi “agarrado” pelo trabalho da Agência da Curta-Metragem no circuito específico do formato curto.
Ana Isabel Strindberg, “no terreno” com a recém-formada Portugal Film (agência ligada ao Indie, em actividade há um ano e a representar três dos oito filmes em Berlim), aponta o trabalho levado a cabo pela O Som e a Fúria como exemplo a seguir. “O interesse pelo cinema português não é recente, mas faz toda a diferença ter alguém a fazer o acompanhamento dos filmes. Os programadores e os produtores já nos conhecem, procuram-nos para pedir informação sobre o estado da produção. Aconteceu o ano passado estar em Cannes e o responsável pelas curtas-metragens no CNC [equivalente francês do nosso ICA] perguntar o que se passava porque gostava de produzir em Portugal jovens cineastas...” Luís Urbano confirma: “Neste momento estou numa fase em que reajo à procura. Quando vou a um festival como Berlim, quer tenha lá um filme ou não, já tenho um programa de reuniões com agentes de vendas ou potenciais financiadores que querem trabalhar com o cinema português.”
The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/IMAGEM_368_245.cshtml' was not found. The following locations were searched:
~/Views/Layouts/Amp2020/IMAGEM_368_245.cshtml
IMAGEM_368_245
The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/IMAGEM_368_245.cshtml' was not found. The following locations were searched:
~/Views/Layouts/Amp2020/IMAGEM_368_245.cshtml
IMAGEM_368_245
Esse interesse internacional deve-se, para Urbano, às “características intrínsecas” do cinema de autor que se produz entre nós. “Mesmo com os parcos recursos que temos, conseguimos criar um tipo de cinema que já não é possível criar noutros países, que tem a ver com a liberdade da criação, o não condicionamento a formatos. Um lado de artesanato, se quiseres. Mas isso tem um lado negativo: quando existe uma maior ambição nos projectos, acesso a valores de produção mais caros, estamos cada vez mais limitados. Temos de nos virar para fora para encontrar soluções.”
The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/IMAGEM_368_245.cshtml' was not found. The following locations were searched:
~/Views/Layouts/Amp2020/IMAGEM_368_245.cshtml
IMAGEM_368_245
Daí que a presença do cinema português nos festivais seja tão importante pelas portas que abre. Urbano diz que a presença de Cartas da Guerra na competição de Berlim significa “uma indicação ao mercado”, uma “elevada caução artística da indústria”. Miguel Valverde dá o exemplo de Balada de um Batráquio: a segunda curta de Leonor Teles “ainda nem foi mostrada e já tem cinco selecções, porque Berlim já recomendou a outros festivais e a outros programadores que levam em conta o que eles dizem.”
Ainda assim: é importante sublinhar, como Valverde faz, que a “invasão berlinense” “tem a ver com a qualidade específica destes filmes. Se calhar para o ano que vem não temos lá nenhum”. Para Urbano, “havia uma altura em que pensávamos que era uma coisa de quotas: se estava um não havia lugar para outro. Berlim contraria isso. Estamos de facto a fazer bons filmes, mas estamos a saber promovê-los e vendê-los, sem nenhum guarda-chuva estratégico que nos permita criar economias de escala”.
A última palavra cabe a Ivo Ferreira, para quem esta presença deveria levar os responsáveis a compreender a importância deste reconhecimento internacional. “Numa altura política em que temos um novo ministro, um novo governo, espero que isto os sensibilize para perceber como isto é importante, que as pessoas acreditem mesmo que isto faz algum sentido.” Sobretudo para uma cinematografia permanentemente no fio da navalha da subsistência, e cuja repercussão internacional é um dos melhores cartões de visita contemporâneos da cultura portuguesa.