Agricultores concorrentes criam empresas comuns para exportar mais
Negociação conjunta garante chegar aos maiores clientes mundiais. Vendas para dentro da Europa de frutas e legumes aumentaram 16% o ano passado. Produtores querem diversificar mercados.
São concorrentes em Portugal, mas fora das fronteiras desenham estratégias e partilham custos. Com as exportações de fruta, legumes e flores a ultrapassarem os mil milhões de euros até Outubro de 2015, a produção a aumentar e uma profissionalização cada vez maior, os produtores criam empresas comuns para entrar mais depressa em novos países.
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São concorrentes em Portugal, mas fora das fronteiras desenham estratégias e partilham custos. Com as exportações de fruta, legumes e flores a ultrapassarem os mil milhões de euros até Outubro de 2015, a produção a aumentar e uma profissionalização cada vez maior, os produtores criam empresas comuns para entrar mais depressa em novos países.
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É na pêra rocha que a estratégia parece estar a ser mais seguida, mas nos camiões que transportam a fruta fora de portas também vão, por exemplo, maçãs ou ameixas portuguesas. Nos frutos vermelhos há casos de entrada de capital estrangeiro nas organizações em troca de um acesso mais fácil aos maiores clientes mundiais.
Armando Torres Paulo, administrador da TriPortugal, destaca o caso da pêra-rocha que, diz, é “sinónimo” de Portugal no estrangeiro. “Não é fácil introduzir um produto novo mas depois de lá estarmos conseguimos atrair o consumidor. A pêra não é bonita, mas é resistente, é crunch [crocante], tem capacidade para resistir e isso é essencial: os donos da loja querem produtos que fiquem em bom estado o maior tempo possível. Esta pêra tem este trunfo. E permite chegar a países distantes”, conta.
A TriPortugal é um ACE (Agrupamento Complementar de Empresas) que, ao juntar três sociedades, se tornou no maior exportador português de pêra rocha, com vendas no exterior que oscilam entre as 15 e as 25 mil toneladas por ano. Formada pela Frutus, OMelro.OP e O Melro tem à frente uma nova geração de agricultores que seguem as pisadas dos pais. Em 2010, quando foi criada, tinha oito clientes estrangeiros. Agora tem 22. “Todos trabalham e guerreiam pelos melhores clientes no mercado interno, mas lá fora decidimos ir juntos. Abrir mercados é essencial. O primeiro ano é difícil, nos dois a três anos seguintes conseguimos fazer dinheiro, depois surge a concorrência e os preços baixam. Tudo depende do serviço”, diz Armando Torres Paulo, sentado numa mesa do stand da TriPortugal na Fruit Logistica, a maior feira empresarial das frutas e legumes que, na semana passada, decorreu em Berlim.
A empresa traz todo o potencial da pêra-rocha à Alemanha e, nos dias da feira, tem um cozinheiro particular que confecciona pratos com a fruta rainha das exportações nacionais. Reino Unido, Alemanha e Brasil são os maiores compradores, mas a TriPortugal está em geografias pouco comuns, como Gana, Nigéria, Singapura ou Hong Kong. “Vimos à feira para estar com clientes com quem fazemos negócio há muitos anos, trazemos um chef que prepara três pratos com pêra-rocha e os clientes, em vez de estarem connosco apenas 15 minutos, ficam 45”, conta Armando Torres Paulo.
Alemanha é o quinto maior cliente
Cada empresa tem os seus próprios pomares e centrais fruteiras, mas partilha a equipa técnica e comercial. Cerca de 10% da produção que vendem é comprada a outros produtores para responder aos pedidos que, diz o responsável, não têm faltado. “Tem havido procura.”
Foi uma “fusão” semelhante que permitiu, no ano passado, que 15 organizações de produtores vendessem em conjunto para a Lidl alemã. Só este negócio – e uma participação forte na última edição da Fruit Logistica – tornou a Alemanha no quinto maior cliente português de fruta, quando em 2014 era o décimo. A expectativa é aumentar as quantidades de fruta vendidas à cadeia de supermercados, não só na Alemanha, mas noutros países europeus onde está presente. E replicar o modelo de negociação conjunta noutras empresas de grande distribuição.
Manuel Évora, presidente da Portugal Fresh, a associação que promove a internacionalização do sector das frutas e legumes, adiantou ao PÚBLICO que estão em curso conversações com o Intermarché para vender produtos nacionais na Polónia, Bélgica e França. A Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce, com forte presença na Polónia e, mais recentemente, na Colômbia, também está na mira dos agricultores para poderem expandir mercado.
“O que interessa é que as empresas deixem de ter vergonha de se associarem e de negociarem lado a lado. Sozinhas não têm condições para vender a clientes de grande dimensão”, defende Manuel Évora.
Em Berlim, cerca de 30 empresas e organizações de produtores estiveram na Fruit Logistica, instalada no gigante parque de exposições da capital alemã. O mundo todo cabe neste evento, onde há frutos com nomes impronunciáveis e países que mostram o seu domínio na produção mundial em extensos metros quadrados. Os líderes internacionais como a Dole ou a Chiquita, que levam bananas aos quatro cantos do planeta, impõem-se com estrondo, comparado com o espaço ocupado pela Portugal Fresh e as empresas portuguesas.
Sérgio Pereira, da Cooperfrutas, conversa com uma chinesa que saiu do seu stand instalado mesmo em frente para pegar numa pêra-rocha com ar curioso. A Jinxiang County Huaguang também vende pêras, mas da variedade nashi, cuja casca lisa e amarelo-claro contrasta com a aspereza da fruta portuguesa. É exportada da China para a Europa e fácil de encontrar em qualquer supermercado de Berlim. “Estão à venda em todas as superfícies também em Portugal. Nós é que ainda não podemos vender a nossa pêra na China”, diz o representante da organização de produtores (OP) de Alcobaça, com 100 associados.
As exportações de alimentos estão sujeitas a autorizações complexas fora da Europa e, com a China, o processo tem sido demorado. Capoulas Santos, ministro da Agricultura, disse em Berlim, durante uma visita ao evento, que há dossiês abertos com 23 países diferentes, mas não especificou se, entre eles, está a pujante economia chinesa, a dar cada vez mais cartas na produção agrícola. Enquanto as autorizações sanitárias não saem, os produtores nacionais apontam baterias para a Europa. Até Outubro de 2015 as vendas para os países da UE aumentaram 16%, enquanto as exportações para fora do espaço comunitário cresceram apenas 1%.
A Cooperfrutas foi uma das organizações de produtores que negociou em conjunto com os seus concorrentes nacionais a venda de fruta à Lidl alemã. Teve bom retorno da experiência. “Esperamos aumentar as vendas este ano”, diz Sérgio Pereira.
Na última campanha agrícola esta OP produziu cinco mil toneladas de pêra-rocha, 60% para exportação. E quatro mil toneladas de maçã, 30% vendida no estrangeiro. “A fruta é um bem perecível e a exportação é uma oportunidade”, remata.
Fernanda Machado, presidente do conselho de administração da Bfruit, percebeu cedo que a união de esforços era a única saída para os pequenos produtores de frutos vermelhos. Criada em finais de 2013 por quatro agricultores do Norte, a empresa alargou o seu capital social a 110 produtores e espera, o mais breve possível, ser reconhecida como OP. “Percebemos que devíamos aproveitar sinergias. A produção de frutos vermelhos só se consegue fazer durante 12 meses por ano no Sul do país e, por isso, alargámos o nosso âmbito a essa região. O Norte é mais forte em mirtilos”, conta.
Com 90 hectares de framboesa e 85 de mirtilo, a Bfruit assinou recentemente um acordo com a Multiberries que a vai ajudar a dar o salto. Esta empresa resulta de uma joint venture entre a belga Special Fruit e Gijs Hoogendoorn, sócio da First Fruit, uma das mais reconhecidas da fileira. “A Multiberries passou a integrar o capital da Bfruit que, agora, tem cinco accionistas, cada um com 15,5% de capital. O restante é detido pelos pequenos produtores”, conta Fernanda Machado.
A parceria poderá fazer da Bfruit uma das maiores OP de pequenos frutos em Portugal, não só em número de produtores, como também na capacidade de pesquisa de variedades, comercialização e marketing. Até 2018, a intenção é aumentar os 90 hectares destinados à framboesa para 250 hectares. “Criamos mais escala, conseguimos produzir mais volume, entrar em novos mercados e reduzir custos. Só com uma parceria deste género conseguiríamos”, continua Fernanda Machado, sublinhando que há muitos produtores de pequenos frutos mal preparados e sem estratégia comercial.
A concentração de esforços na agricultura teve retorno nos números das exportações nacionais. No caso dos frutos vermelhos, Portugal já é “um país de excelência” e só para a Alemanha passou de dez milhões de euros de vendas de framboesas para 30 milhões de euros, destaca Manuel Évora. Olhando para os valores globais das frutas, legumes e flores, o crescimento das vendas internacionais cifrou-se em 13% para 1008 milhões de euros até Outubro de 2015, num ritmo de crescimento muito superior ao do conjunto das exportações de bens do país (progrediram 4% no mesmo período).
O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, tem como objectivo “duplicar as exportações” do agro-alimentar em quatro anos e está já a “delinear uma estratégia” para o conseguir. “As condições estão criadas, há dinamismo no sector e uma progressiva capacidade de auto-organização, que era essencialmente o que nos faltava. Felizmente há alguns apoios no quadro do PDR2020 [fundos comunitários] que iremos procurar potenciar ao máximo. Mas o que é mais importante são os produtores e as suas organizações”, sublinhou em Berlim.
Num jantar com produtores, deixou a fasquia alta: “Queremos crescer a um ritmo duas vezes superior ao que a economia cresce”, “aumentar o peso nas exportações nacionais” e, em cinco anos, “equilibrar em valor o saldo da balança comercial agrícola”.
O PÚBLICO viajou a convite da Portugal Fresh