“Este aumento de impostos é o preço que o país paga pelos acordos de esquerda”
O vice-presidente da bancada do PSD, António Leitão Amaro, defende que o Orçamento do Estado para 2016 está a “criar uma ilusão de facilidade e de irrealismo” e que parece ter como única preocupação “uma sedução eleitoral”.
Licenciado em Direito e com mestrado em Harvard, o deputado foi secretário de Estado da Administração Local no anterior Governo PSD/CDS. Com 35 anos, António Leitão Amaro é o vice-presidente da bancada do PSD com o pelouro das Finanças. Em entrevista ao PÚBLICO, o social-democrata é muito crítico do Orçamento do Estado para 2016 mas escusa-se a revelar qual o sentido de voto da sua bancada sobre a proposta do Governo.
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Licenciado em Direito e com mestrado em Harvard, o deputado foi secretário de Estado da Administração Local no anterior Governo PSD/CDS. Com 35 anos, António Leitão Amaro é o vice-presidente da bancada do PSD com o pelouro das Finanças. Em entrevista ao PÚBLICO, o social-democrata é muito crítico do Orçamento do Estado para 2016 mas escusa-se a revelar qual o sentido de voto da sua bancada sobre a proposta do Governo.
Afinal, era possível negociar um Orçamento do Estado (OE) com Bruxelas?
Todos os orçamentos são discutidos e apreciados por Bruxelas. Foi assim durante quatro anos, incluindo na parte do programa de ajustamento, e há-de ser assim ao abrigo das regras europeias. Isso é a coisa mais normal que se deve fazer. Nós temos é um Governo que começa com um programa eleitoral irrealista que vende uma série de ilusões, um esboço que teve várias revisões e mudanças e quem o dizia era o Conselho de Finanças Públicas e a UTAO [Unidade Técnica de Apoio Orçamental]. Agora chegamos a um Orçamento que é mais uma revisão bastante diferente do ponto inicial, com muitas mudanças e o que mais nos preocupa não só são riscos de incumprimentos importantes como o que lá está é muito contraditório.
O Governo não teve uma vitória ao ter conseguido negociar e obter a aprovação da Comissão Europeia?
Um orçamento que passa em Bruxelas é absolutamente o mínimo, faz parte da normalidade. O Governo, que apresenta um esboço orçamental como aquele, tão irrealista e que tem de ser muito mudado, parte derrotado. Quando se chega ao fim, nada bate certo. Quanto aos rendimentos devolve uma parte a alguns, pede por outro lado, pede à classe média e às empresas. Dá por um lado e tira pelo outro. É um Orçamento que castiga as empresas e a economia, não vai acelerar o crescimento, criar emprego e é muito pior no investimento. Não faz a consolidação orçamental como deve. Revendo tudo, pondo em causa quase tudo o que disse antes, e apresentando uma manta de retalhos, mostra um Governo sem rumo.
O anterior Governo não teve uma posição mais subserviente perante a Comissão Europeia? Não deveria ter negociado mais?
A ideia que está subjacente ao que o Governo anterior fez é um equívoco. O Governo recebeu um programa de ajustamento do Governo anterior e consegue fazer três coisas assinaláveis: em primeiro lugar completá-lo, mandar embora a troika, em segundo lugar fazendo-o com imensas evoluções no memorando. E, mais importante, fez esse percurso, aumentando a credibilidade e construindo um país melhor. Um Governo que negoceia e outro que não negoceia é falso. Todos negoceiam. Este percurso do Governo socialista é de cedência em cedência em cedência. Criar estas novelas de divergência, de confrontação, chegando ao fim com a credibilidade afectada, porque teve que se mudar todos os números, todas as previsões, com uma estratégia que não bate certo, isso é uma coisa muito pouco adulta. Não é boa para o país.
Não acha que é preferível agravar os impostos indirectos sobre o consumo do que cortar salários?
O corte dos salários começou em 2010, a reposição foi decidida em 2014 e iniciada em 2015. Todos nós queremos repôr salários e a ideia era repô-los gradualmente. Estar a dizer às pessoas que vamos repôr mais depressa tem problemas no médio prazo relativamente ao rendimento disponível mas sobretudo a médio e longo prazo na capacidade de criar riqueza para que todos vivamos melhor. Lembre-se que o que este Governo e as esquerdas diziam era que acabava a austeridade, virava-se a página, que tinham feito as contas e que iam poder fazer uma recuperação dos rendimentos mais depressa, sem austeridade e que o país ia crescer. Nós hoje sabemos que, por exemplo, o que é diminuído em sobretaxa é a seguir carregado na economia e multiplicado por quatro na carga fiscal que é aumentada em geral. E são os portugueses, praticamente todos, todos os que utilizam combustível, que pagam com cartão de débito, não de crédito, que em cada um desses momentos, estão a pagar esta estratégia. E depois, no caso das empresas, optar por desagravar um bocadinho no IVA em sectores não transaccionáveis a ter que carregar todas as empresas e toda economia, é pior para o país.
Manuela Ferreira Leite, ex-líder do PSD, diz que o agravamento da contribuição do sector bancário não a faz chorar pela banca. Concorda?
Essa medida curiosamente é a continuação de uma tomada pelo PSD e CDS. A mesma coisa se passa com os fundos de investimento. Não é a esquerda a inventar uma tributação do sector financeiro que não existia, é a esquerda a continuar uma tributação que foi iniciada por nós. Esse ponto é uma gota – 50 milhões de euros – no aumento da carga fiscal de mais de 1200 milhões de euros que é pago por todos. O aumento nas famílias, na classe média e nas empresas não financeiras é brutal.
Acha que este OE não vira a página da austeridade como diz o Governo?
Eu acho que faz três coisas: devolve alguns rendimentos a alguns e a seguir vai pedir, através desse aumento inesperado de impostos, um esforço enorme. Em segundo lugar, a trajectória orçamental da consolidação é praticamente toda pelo lado da receita. Em 2015, aliás, durante o programa de ajustamento também assim aconteceu, sabemos que a consolidação orçamental foi feita acima de dois terços pelo lado da despesa. Em cima disso há outros dois grandes problemas. Um é fazer um exercício que continua com falta de credibilidade e com riscos de crescimento, que coloca em causa a atracção de investimento. O outro, é saber se vamos ter um país mais rico, mais próspero, com mais emprego. Nós hoje sabemos que não. Não somos só nós a dizer. A própria revisão dos números do Governo diz isso, que o crescimento não acelera, que o crescimento do emprego desacelera, que as exportações desaceleram, que a diminuição do desemprego desacelera.
Foi um erro de cálculo o anterior Governo ter explorado as estimativas da devolução da sobretaxa e no final do ano perceber-se que não havia lugar a devolução nenhuma?
Erro e eleitoralismo teria sido eliminar a sobretaxa, sem que houvesse condições para isso. Isso foi o filme que nós vimos em 2009, ano de eleições, com José Sócrates a tomar uma série de medidas de aumento de rendimentos que não eram sustentáveis e que em dois anos deram um estoiro. A pergunta é se este orçamento não é feito a pensar em eleições, para ganhar eleitoralmente e borrifar-se no país.
Acha que é?
O que é que este orçamento quer? As escolhas são completamente contraditórias. Devolve-se rendimentos e a seguir vai-se pedir. Diz que se quer fazer crescer a economia mas castiga-se as empresas com impostos, reduzem-se os incentivos ao investimento, designadamente do IRC, a consolidação orçamental tem muitos riscos e é feita pelo lado da receita. Não há rumo. A única coisa que vemos é que se está a criar uma ilusão de facilidade e de irrealismo. Parece que a única preocupação é uma sedução eleitoral sem querer saber sobre os efeitos de longo prazo.
O apoio dos partidos à esquerda do PS para este OE parece estar garantido. Será por quanto tempo? Este pode ser o primeiro e o último Orçamento deste Governo?
Tem que lhes perguntar a eles. Eles comprometeram-se com o país com soluções duradouras e estáveis.
Mas como dizia que este Orçamento é eleitoralista…
Querer pôr o interesse eleitoral à frente dos interesses do país é uma coisa típica do PS. António Costa, que era número dois do PS que fez isso em 2009 e 2010, está a voltar a aplicar a mesma receita. Como é que os partidos de esquerda se vão entender é com eles. São eles os únicos responsáveis por este orçamento, pelas metas que ele tem e pelos resultados que vai alcançar.
O PSD, pela sua voz, arrasou o OE. O que se pode deduzir é que a bancada vai votar contra.
O sentido de voto do PSD é decidido pelos órgãos próprios. O Orçamento chegou ontem [na sexta-feira] com imensas alterações face ao esboço, revisões e com essas novidades desses impostos adicionais. Tem de ser analisado.
É muito difícil uma outra posição com críticas tão fortes…
A decisão sobre o sentido de voto é tomada pelos órgãos próprios do PSD, que se reunirão e tomarão a decisão.
Se este não é o Orçamento do PSD, qual seria a alternativa?
Teremos que recuar ao nosso programa de governo que a esquerda decidiu derrubar. Era diferente nos três campos: continuava a apostar na consolidação orçamental saudável e segura, sem estas hesitações que ferem a credibilidade. Teria uma recuperação de rendimentos que queríamos mais gradual para ser mais certa, que não precisasse de carregar nos impostos. Seria um caminho muito mais amigo do investimento e da criação de emprego.
O PSD não deverá apresentar propostas de alteração na especialidade. Não é obrigação do principal partido da oposição bater-se pelas suas propostas?
Desde logo é o que estou a fazer aqui. Quanto à intervenção da especialidade, as decisões sobre o sentido de voto e as iniciativas são dos órgãos próprios dos partidos. Não me cabe a mim antecipar isso. Relembrou as críticas que temos feito nos órgãos partidários e grupo parlamentar sobre estas escolhas. Levámos estas diferenças a eleições, os portugueses preferiram essas escolhas. Mas temos um governo com outra maioria. É uma maioria que tem um preço e nós percebemos o preço. Este aumento inesperado de impostos e este castigo à economia e ao emprego que o orçamento traz é o preço que o país está a pagar pelos acordos de esquerda que foram celebrados.
Acha que o PSD devia ser mais interventivo?
Temos feito intervenções em todas as fases. Toda a gente no país conhece a posição do PSD e as diferenças. Estamos a fazer uma oposição responsável. Sem radicalismo e sem agressividade, temos procurado fazer essa diferença, fazer críticas e nas nossas observações não estamos sozinhos. Não apenas no Parlamento, mas diria que praticamente todos os economistas, as duas entidades com responsabilidade de fiscalizar o processo orçamental e tudo o que são entidades lá de fora fizeram críticas.