Brexit para lado nenhum?
1.David Cameron decidiu finalmente apresentar os fundamentos de um acordo entre o seu país e os seus pares europeus para sossegar os seus eleitores quanto à capacidade britânica de decidir ela própria políticas tão importantes (neste momento) como a imigração e a livre circulação de pessoas no espaço europeu. Percebeu que não poderia arrastar eternamente as negociações e que, quanto mais depressa se livrar do referendo (desde que o ganhe, naturalmente) melhor será para o seu governo e para a sua liderança. O seu timing encolheu. O referendo pode realizar-se já a 23 de Junho. Depois de uma campanha retórica demasiado radical, pode agora vestir o facto de defensor da permanência do Reino Unido na Europa e lutar para que o resultado não seja um desastre. E já não tem muito tempo. Uma sondagem do Times publicada esta sexta-feira mostrava uma vantagem de quase 10 pontos do “não” à UE (45% para 36% para o “sim”). Cameron sabe que joga muito mais do que a Europa, joga o próprio destino do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, um longo nome que pode de repente ficar mais curto. Basta lembrar o referendo escocês.
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1.David Cameron decidiu finalmente apresentar os fundamentos de um acordo entre o seu país e os seus pares europeus para sossegar os seus eleitores quanto à capacidade britânica de decidir ela própria políticas tão importantes (neste momento) como a imigração e a livre circulação de pessoas no espaço europeu. Percebeu que não poderia arrastar eternamente as negociações e que, quanto mais depressa se livrar do referendo (desde que o ganhe, naturalmente) melhor será para o seu governo e para a sua liderança. O seu timing encolheu. O referendo pode realizar-se já a 23 de Junho. Depois de uma campanha retórica demasiado radical, pode agora vestir o facto de defensor da permanência do Reino Unido na Europa e lutar para que o resultado não seja um desastre. E já não tem muito tempo. Uma sondagem do Times publicada esta sexta-feira mostrava uma vantagem de quase 10 pontos do “não” à UE (45% para 36% para o “sim”). Cameron sabe que joga muito mais do que a Europa, joga o próprio destino do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, um longo nome que pode de repente ficar mais curto. Basta lembrar o referendo escocês.
Os conservadores sempre tiveram um problema com a Europa. Thatcher detestava Bruxelas, desconfiava da Alemanha, exigia a devolução de parte do dinheiro que financiava o orçamento europeu. Mas foi uma entusiasta do Mercado Único e foi ela quem colocou a libra no Mecanismo das Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu. Os anos de Blair foram, apesar do Iraque, de desanuviamento no Canal. O então primeiro-ministro do New Labour convenceu os britânicos de que a defesa dos seus interesses seria muito mais eficaz se estivessem no coração das decisões europeias. Ambrose Evans-Pritchard escreveu recentemente no Telegraph que o tempo que vai entre Maastricht (1992, com John Major) e a Constituição europeia (2004) foi aquele que mais pôs em risco “a soberania e o governo próprio” dos Estados europeus. O “triunfalismo e a arrogância” europeias atingiram o seu máximo. A Europa ainda acreditava que poderia finalmente desafiar o poder americano (esquecendo-se dos Balcãs) e que o seu modelo de integração era admirado por toda a gente nos quatro cantos do mundo (o que era verdade). A rejeição francesa e holandesa do tratado constitucional (2005) fecharam este período áureo, libertando Blair de um referendo que também prometera aos britânicos. A crise de 2008 atingiu a Europa como um vendaval que dura praticamente até hoje. Para o analista do Telegraph, o debate devia ser sobre qual é a melhor maneira de lidar com a China ou a Rússia e de enfrentar um mundo em desordem, dentro ou fora, em vez de debater as “distracções” de Cameron com coisas que não passam de notas de pé de página. “O lugar da Grã-Bretanha no mundo nos próximos 20 anos não pode ser decidido sobre se Cameron consegue não pagar os benefícios sociais aos trabalhadores polacos”, escreve o historiador britânico Timothy Garton Ash no Guardian. A questão, diz ele, é saber se o Reino Unido será como a Noruega e a Suíça, que têm de obedecer às regras europeias sem poder participar nas suas decisões. Mesmo com a diferença de dimensão, o problema britânico não é hoje muito diferente.
2.Cameron precisa de duas coisas: maior latitude para lidar com os imigrantes, incluindo os europeus, satisfazendo uma onda de rejeição que vai muito para além do UKIP de Farage e divide o seu partido ao meio; e, acima de tudo, garantir que a zona euro (19 países) não toma decisões que afectem directamente a City de Londres, a maior indústria britânica e o vértice da sua capacidade de influência. O acordo que negociou com Donald Tusk e que será levado ao Conselho Europeu a 18 de Fevereiro oferece-lhe essas garantias, ainda que de forma a não violar os tratados, nomeadamente no princípio da livre circulação de pessoas. Sabe também que é do interesse da maioria dos seus parceiros europeus ajudarem-no o mais que puderem, porque o Brexit seria um revés de enormes proporções para a União Europeia e mais um factor a contribuir para a sua lenta desagregação. Cameron tem um duplo problema: os países que podem ter uma visão mais próxima da sua, como os de Leste, são aqueles que fornecem mais imigrantes para o Reino Unido. Começou o seu périplo europeu pela Polónia, hoje governada por um partido ultraconservador e bastante antieuropeu, mas que tem uma forte comunidade de imigrantes no Reino Unido, que podem ser visados por uma das medidas que mais agrada aos britânicos: impedir que tenham acesso aos benefícios da segurança social (alguns) antes de quatro anos de residência. Numa entrevista ao Times, a primeira-ministra polaca, Beata Szydlo, foi dizendo que as propostas para restringir os direitos dos imigrantes europeus “tal como estão, não são suficientemente boas”. Beneficia de um estado geral de rejeição dos refugiados que alastra por toda a União. Tem o apoio da Alemanha, mas que não é incondicional, e enfrenta os velhos tiques franceses que remontam à “pérfida Albion” de De Gaulle, que via a Inglaterra como o “cavalo de Tróia” do poder americano. Hollande já disse que não aceita alterações ao acordo que foi estabelecido com Donald Tusk. Mesmo assim, a ideia de um Brexit é hoje olhada de modo completamente diferente em Paris. O Presidente sabe que não tem melhor aliado que o Reino Unido se quiser projectar a sua força militar e manter alguma influência no mundo. Mas não é só isso. “A Europa está num estado demasiado mau para arriscar um Brexit”, escreve o Monde em editorial. Aos olhos do mundo, acrescenta, “a Europa sem o Reino Unido é a Alemanha”, o que seria obviamente um pesadelo para a França. E seria também um incentivo aos populismos antieuropeus. Washington não hesitaria a passar por cima de Londres para lidar com os seus aliados europeus. Seria a primeira vez desde a II Guerra que a “relação especial” deixaria de funcionar.
3.O Reino Unido liderou um império onde “o sol nunca se punha” e integrou as minorias que resultaram do seu fim. Londres é, sem qualquer dúvida, a cidade mais cosmopolita do mundo. Juntamente com Portugal e a Suécia, o Reino Unido dispensou os períodos de transição negociados com os países de Leste que entraram em 2004. A capacidade de atracção das suas universidades continua a funcionar em seu proveito. Os imigrantes ou refugiados querem ir para lá porque podem arranjar trabalho muito mais facilmente. Mas há ainda outra história que é preciso contar e que contraria aquilo que os continentais pensam das Ilhas: a generosidade do apoio social aos imigrantes. O simples facto de ser possível enviar para o país de origem os abonos de família (elevados) dos filhos que ficaram lá é uma bênção para muita gente. Além disso, as ajudas à integração que passam pelas escolas e pela habitação, também são comparativamente muito generosas.
Cameron tem uma batalha colossal pela frente e talvez não possa contar com um Labour absolutamente seguro das suas convicções europeias. Jeremy Corbyn já declarou que lutará pelo sim por uma “Europa social”, mas os recentes episódios do seu comportamento em relação à intervenção na Síria ou à frota nuclear britânica deixaram muito a desejar e dividiram o seu próprio partido. A nostalgia do império já não tem qualquer sentido e a Commonwealth não é uma alternativa à União. A rejeição da Europa parece assentar apenas numa enorme falta de ambição. “Brexit para lugar nenhum?”, escrevia Nick Witney do European Council on Foreign Relations. É a pergunta certa.