Eutanásia? Paula Teixeira da Cruz, Rui Rio e Sérgio Godinho dizem sim

Políticos de vários quadrantes, cientistas, médicos e artistas apoiam a despenalização da morte assistida. É uma lista com uma centena de notáveis. Sobrinho Simões, Pilar del Rio, Sérgio Godinho e Manuel Luís Goucha assinam o manifesto que este sábado é divulgado pelo PÚBLICO e pelo Expresso.

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Rui Gaudêncio

A despenalização da morte assistida é um tema tabu em Portugal, mas este sábado é dado um primeiro passo para o arranque do debate, que se prevê polémico, com a divulgação do manifesto do movimento cívico “Direito a morrer com dignidade”, que defende a legalização e regulamentação da morte assistida. Da lista de signatários destacam-se, entre outros, a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, o antigo presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, e Sobrinho Simões, que foi recentemente classificado pelos seus pares como “o patologista mais influente do mundo”.

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A despenalização da morte assistida é um tema tabu em Portugal, mas este sábado é dado um primeiro passo para o arranque do debate, que se prevê polémico, com a divulgação do manifesto do movimento cívico “Direito a morrer com dignidade”, que defende a legalização e regulamentação da morte assistida. Da lista de signatários destacam-se, entre outros, a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, o antigo presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, e Sobrinho Simões, que foi recentemente classificado pelos seus pares como “o patologista mais influente do mundo”.

Também o cantor Sérgio Godinho, a jornalista Pilar del Rio e o apresentador Manuel Luís Goucha assinam este manifesto, ao lado de políticos de vários partidos, de cientistas, de artistas e ainda de muitos médicos — um deles é o director-geral da Saúde, Francisco George.

“O manifesto tem muito mais signatários, estes são apenas alguns dos VIP que o apoiam”, precisa Laura Ferreira dos Santos, a professora aposentada da Universidade do Minho que já escreveu três livros sobre o tema e é uma das fundadoras deste movimento oficialmente criado em Novembro passado, num encontro no Porto. “Conseguimos ter pessoas de vários quadrantes e conhecidas dos portugueses. Assim, já não se pode dizer que [os apoiantes] são meia dúzia de radicais ou de lunáticos. Estas pessoas são cultas, informadas, sabem que existem cuidados paliativos”, enfatiza a especialista que é doutorada em Filosofia da Educação.

A morte assistida inclui a eutanásia (o médico administra o fármaco letal) e o suicídio medicamente assistido (é o próprio doente a tomar o fármaco). “É um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento”, lê-se no manifesto. É, sintetiza, “uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado”.

Na prática, a divulgação deste manifesto e das figuras públicas que o assinam é o primeiro passo para que o tema da morte assistida comece a ser discutido pelos cidadãos. Pelo menos é isso que pretendem os fundadores do movimento. E depois disto? Criado em Novembro passado por Laura Ferreira dos Santos e pelo médico nefrologista João Ribeiro dos Santos, o movimento poderá evoluir para uma associação “direito a morrer”, à semelhança das que já existem em países como Espanha e Itália, onde a eutanásia também não está despenalizada.

Aliás, na Europa, a morte assistida apenas está legalizada na Holanda, na Bélgica e no Luxemburgo. Nos Estados Unidos, o suicídio medicamente assistido é permitido nos estados de Oregon, Washington e Vermont e, na Europa, não é punido na Suíça. No Reino Unido a legalização foi recentemente rejeitada pela Câmara dos Comuns, enquanto na Colômbia recebeu luz verde. 

Em Portugal, João Ribeiro dos Santos lançou há mais de dez anos uma petição para que a Ordem dos Médicos (OM) debatesse o tema. Mas a iniciativa de pouco serviu. Num encontro que reuniu em 2009 várias personalidades na OM, em Lisboa, para debater as questões de fim de vida, apesar de a sala estar cheia de médicos, estes, no final, quase não fizeram perguntas, recorda Laura Ferreira dos Santos, que lamenta: “Parecia que ninguém queria tornar pública a sua posição”. Agora, o movimento tem o apoio de muitos médicos, frisa. O presidente da Secção Regional do Sul da OM, Jaime Teixeira Mendes, é um deles. ”Acho que agora isto é imparável”, acredita João Ribeiro dos Santos.

No futuro, o movimento cívico pode evoluir para uma associação, “se houver condições” para isso. Consciente de que este é um caminho complexo, Laura Ferreira dos Santos explica que, para já, se decidiu avançar com o o manifesto e se está a ponderar a hipótese de criar um site ou um perfil no Facebook para se chegar “ao maior número de pessoas possível”. Mas o processo “vai avançar lentamente”, prevê.

Do lado da política, o ex-líder do Bloco de Esquerda, João Semedo, afirma que o partido vai, como se comprometeu, avançar com uma iniciativa legislativa, mas não adianta uma data. À semelhança do que aconteceu com o aborto, até pode acontecer que venha a ser agendado no futuro um referendo à eutanásia em Portugal.

Em entrevista à Rádio Renascença, em Janeiro, a ex-ministra Assunção Cristas admitiu esta possibilidade e lembrou que o CDS vai tomar uma posição sobre a matéria nos próximos tempos. Mas já foi levantando o véu sobre a sua posição pessoal: “Os cuidados paliativos são a resposta civilizada para o sofrimento em fim de vida”.

Laura Ferreira dos Santos contrapõe que eutanásia e cuidados paliativos até podem coexistir, como sucede na Bélgica, onde “em muitos locais há cuidados paliativos integrais mas, quando os doentes estão esgotados, podem pedir a eutanásia ou o suicídio assistido”.

O presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Rui Nunes, defende que a eutanásia deve ser debatida “intensamente” e referendada. “Um referendo tem a vantagem de ser democrático, de as pessoas escolherem, e também implica um debate alargado na sociedade”, disse à Lusa Rui Nunes, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Mas Rui Nunes tem dúvidas sobre se este será o momento adequado para lançar uma discussão sobre a polémica matéria.