Política no Orçamento
Nas últimas semanas, o espaço de debate público foi dominado pelas notícias sobre a apresentação, em Bruxelas, das linhas gerais do Orçamento do Estado para 2016. Enquanto decorria o processo de negociação entre o Governo português e as instituições europeias, a agenda política foi esvaziada, fazendo-se crer que estavam em causa questões técnicas e que estávamos perante um teste à competência do Governo. Nada mais falso.
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Nas últimas semanas, o espaço de debate público foi dominado pelas notícias sobre a apresentação, em Bruxelas, das linhas gerais do Orçamento do Estado para 2016. Enquanto decorria o processo de negociação entre o Governo português e as instituições europeias, a agenda política foi esvaziada, fazendo-se crer que estavam em causa questões técnicas e que estávamos perante um teste à competência do Governo. Nada mais falso.
1. Os orçamentos são antes de tudo instrumentos de política que fixam escolhas entre diferentes alternativas. O atual Governo fez opções políticas a favor de alguns, provocando o desagrado de outros. Muitos tentaram difundir a ideia de que o Orçamento estava tecnicamente errado, invocando as reações das agências de notação e o “papão” do passado e desejando que Bruxelas o reprovasse. Na realidade, assistimos a um confronto político do qual o Governo se saiu bem. Sobretudo o primeiro-ministro que, de forma serena, se afastou de todas as armadilhas, afirmando a supremacia da política.
2. O conceito de saldo estrutural, apresentado como princípio fulcral do Tratado Orçamental, é, afinal, gerador dos maiores equívocos. Tem contornos imprecisos e ambíguos, baseia-se em critérios subjetivos de classificação de receitas e de despesas públicas e numa fórmula de cálculo de impossível aplicação objetiva. Ficámos a saber que o novo instrumento da Comissão Europeia serve sobretudo para mostrar quem manda, para mostrar o desagrado com opções de política que procuram caminhos alternativos aos da política de austeridade. O grau de flexibilidade inscrito neste indicador está a ser usado de forma discricionária para beneficiar os grandes países ou os países alinhados com a ortodoxia de Bruxelas.
3. Enquanto se negociava o Orçamento, fomos informados pela Oxfam, uma ONG, que mais de metade da riqueza mundial pertence a apenas 1% da população. O processo mundial de concentração de riqueza agravou-se de forma dramática no último ano: 62 pessoas possuem tanto capital como a metade mais pobre da população mundial. Não posso deixar de pensar que a Comissão Europeia parece ter uma agenda destinada a agravar ainda mais o fosso entre os mais ricos e o resto da população. Tanta preocupação com o impacto orçamental do regresso às 35 horas de trabalho ou com a devolução dos salários e das pensões contrasta com a tolerância com o impacto orçamental da venda e resolução de bancos e com a ligeireza com que tem sido encarado o problema da sustentabilidade do sistema financeiro.
4. Nestas semanas, foi também divulgado mais um relatório, desta vez do Tribunal de Contas Europeu, revelando os danos provocados nas economias dos países que, como Portugal, foram sujeitos aos programas de resgate da troika. Se as questões do orçamento fossem técnicas, seria lógico que estes relatórios contribuíssem para criar espaço para uma aplicação inteligente das regras do Tratado Orçamental. Se tal não acontece é justamente porque o que está em causa é de natureza política. É o predomínio, na União Europeia, de uma orientação política que não só abandonou como combate os princípios redistributivos da social-democracia.
Ministra da Educação do XVII Governo Constitucional, professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.