Carnavais em Portugal: dos caretos aos sambódromos

De tradições pré-cristãs a sambódromos brasileiros, o Carnaval português tem quase tantos rostos como anos de tradição.

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Há várias cidades a receber os foliões carnavalescos, cada uma com sua tradição. Adriano Miranda

Para falar das tradições do Carnaval há que recuar até ao século XIII, quando se celebrava o Entrudo – ou “entrada” -, referindo-se ao período de três dias que precedia a chegada da Quaresma. Era uma festa popular com ligações ao paganismo pré-cristão.

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Para falar das tradições do Carnaval há que recuar até ao século XIII, quando se celebrava o Entrudo – ou “entrada” -, referindo-se ao período de três dias que precedia a chegada da Quaresma. Era uma festa popular com ligações ao paganismo pré-cristão.

A aldeia de Podence, em Macedo de Cavaleiros, mantém bem viva esta tradição com o seu grupo de caretos. Estas personagens coloridas e barulhentas, quando é chegado o início de Fevereiro, são largadas pelas ruas da aldeia num frenesim imenso para assinalar o fim do Inverno. Sacodem as mulheres para que elas sejam férteis, fazem tropelias por onde passam para celebrar o sol – ao careto tudo se permite nesses dias. Ainda que durante a década de 70 a tradição estivesse próxima de desaparecer por conta da imigração e do salazarismo, dez anos volvidos um grupo de 20 homens constituiu uma associação cultural com o objectivo de preservar a tradição carnavalesca. Há cada vez mais crianças interessadas nesta tão mística tradição, por isso haverá espaço para os caretos continuarem vivos e endiabrados. De 6 a 9 de Fevereiro os caretos vão andar à salta em Podence, no Entrudo Chocalheiro.

Mas todas as tradições evoluem, e o Entrudo transformou-se em Carnaval por alturas do século XVI, numa alusão a festas romanas recuperadas pelo Cristianismo. Num período de inversão das regras do mundo, a máscara é símbolo de transformação, recuando aos clássicos do teatro grego, e tornou-se ícone obrigatório nas celebrações.

A tudo isto foi beber o Carnaval de Torres Vedras, talvez um dos mais populares Carnavais em Portugal. A primeira vez que se substituiu o enterro das cinzas do Entrudo por uma festa carnavalesca terá sido em 1912 pelas mãos dos Republicanos. Era uma nova festa civil, que invertia a ordem vigente – com um teor propositadamente profano. Cerca de década e meia depois do primeiro corso carnavalesco, surgem as “matrafonas”. Sem nunca pretenderem parecer mulheres, as “matrafonas” eram geralmente homens do campo, sem dinheiro para comprarem máscaras, e por isso recorriam às roupas velhas e esfarrapadas das mulheres das suas casas. Mais ou menos na mesma altura em que nascem as “matrafonas”, aparecem os carros alegóricos e os cabeçudos – outros dois ícones do Carnaval em Torres Vedras, que lentamente se foram espalhando pelo resto do país. Sempre com uma carga crítica e satírica, estes dois símbolos tornaram-se típicos nos Carnavais portugueses.

Se o Entrudo foi levado para o Brasil pelos colonos portugueses, séculos mais tarde os portugueses importaram o Carnaval brasileiro. Os já típicos desfiles de samba têm origem nos desfiles dos escravos, e foram-se tornando populares entre a classe operária. E foi durante os anos 70 que surgiram os primeiros desfiles de escolas de samba no Carnaval português.

Por influência dos estudantes brasileiros da Universidade de Coimbra, não foi difícil introduzir o samba no Carnaval da Mealhada. Os bairradinos já têm uma tradição carnavalesca que remonta a 1914, mas foi em 1970 que os estudantes levaram os seus ritmos à folia bairradina. Os locais aderiram à ideia, e no ano seguinte repetiu-se o festejo com ritmos brasileiros, agora também com os carros alegóricos típicos de Torres Vedras. Oito anos depois dos primeiros sambistas a dançar na Mealhada, fundam-se as primeiras escolas de samba, que hoje já são 8.

Assim, há Carnavais para todos os gostos em Portugal. Em Loulé, por exemplo, o tema da folia deste ano é “O Grande Naufrágio”, que procurará recriar de forma humorística os temas da política nacional. Passos Coelho e Paulo Portas agarrados a uma bóia num oceano de incertezas, e Cavaco Silva como náufrago, são algumas das figuras mais emblemáticas dos três dias de festa na cidade, que começam amanhã. A Câmara de Loulé anunciou que metade do dinheiro da bilheteira reverterá a favor de Instituições Particulares de Segurança Social.

Em Ovar o Carnaval vai ter uma novidade – a Noite da Farrapada. A autarquia procura envolver a população de forma mais espontânea, num desfile nocturno que permita que “gente de diferentes regiões possa participar da festa com um desfile próprio”, como disse à Lusa o coordenador do Entrudo Vareiro, Alexandre Rosas. O desfile de escolas de samba vai finalmente regressar ao centro da cidade, na Avenida Sá Carneiro, depois de no passado ter sido cancelado por causa do mau tempo.

Mais a sul, Sesimbra é uma outra cidade que vibra com o Carnaval, também contando com um desfile de escolas de Samba e um cortejo que percorre cerca de um quilómetro junto ao mar. As festas em Sesimbra vão acontecer nos dias 7 e 9 de Fevereiro.

Os foliões de Torres Vedras já estão em festa desde dia 16 de Janeiro, com a inauguração da Monumento ao Carnaval. Com uma multidão formada em frente ao Monumento foram apresentadas as 16 figuras caricaturais, do futebol à política. Recomeçam esta sexta-feira as festividades, que se prolongarão até ao Enterro do Entrudo, no dia 10 de Fevereiro.

Para quem gosta, este ano não há desculpas para faltar ao Carnaval. O governo de António Costa anunciou esta semana que haverá tolerância de ponto a todos os funcionários públicos e a CP vai facilitar o deslocamento a uma série de cidades onde sehá folia, com bilhetes a 2€ de ida a volta em toda a área da Grande Lisboa, e a mesma tarifa para quem, no Porto, se desloque a Ovar, Estarreja e Famalicão. Desde 2012 que não havia tolerância de ponto no Carnaval – não oficialmente, pelo menos. As autarquias e o sector privado têm-no feito, à rebelia das decisões do anterior Governo.

Texto editado por Ana Fernandes