Outra vez o aborto e as taxas
Até me explicarem a razão desta espécie de estatuto de inimputabilidade, considero este novo regime como um enxovalho para o sexo feminino.
Há uns tempos escrevi aqui um artigo onde dizia que, não sendo a gravidez uma doença, não compreendia que as mulheres que efectuam um aborto voluntário não pagassem, não apenas a taxa moderadora, mas o custo integral do acto médico. Excepto, é claro, no caso em que, devido à sua situação económica estejam coberta pelo regime geral de isenção de taxas, bem como no caso de violação, em que se justifica aplicar a gratuitidade, ou quando a interrupção da gravidez deriva de uma situação clínica e não da vontade da grávida, em que faz sentido o pagamento apenas da taxa moderadora, como para os outros casos de doença.
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Há uns tempos escrevi aqui um artigo onde dizia que, não sendo a gravidez uma doença, não compreendia que as mulheres que efectuam um aborto voluntário não pagassem, não apenas a taxa moderadora, mas o custo integral do acto médico. Excepto, é claro, no caso em que, devido à sua situação económica estejam coberta pelo regime geral de isenção de taxas, bem como no caso de violação, em que se justifica aplicar a gratuitidade, ou quando a interrupção da gravidez deriva de uma situação clínica e não da vontade da grávida, em que faz sentido o pagamento apenas da taxa moderadora, como para os outros casos de doença.
Ora foi agora decidido restabelecer o regime de isenção da taxa moderadora para a interrupção voluntária da gravidez. Devo dizer que não só não compreendo esta decisão, como considero que constitui uma espécie de atribuição ao sexo feminino de um estatuto de iminutio capitis que roça o insultuoso.
A decisão de interromper a gravidez cabe às mulheres que, como elas reivindicam bem, são donas do seu corpo. Mas são-no também quando praticam, por sua livre e legítima vontade, o acto que pode ter, como consequência plausível, a gravidez. Ora afigura-se que quem pratica um acto por sua livre vontade deve ser responsável pelas suas consequências. O contrário seria incentivar um clima de irresponsabilidade. Se desses actos resultam custos, devem ser os próprios e não os contribuintes, como agora se diz sempre que alguma despesa cabe à comunidade, a arcar com eles.
As mulheres têm, como os homens, inteira liberdade de praticar qualquer acto não ilegal que dependa da sua vontade, mas não vejo razão para estarem, no caso da interrupção voluntária da gravidez, isentas de responsabilidade. Será que por serem mulheres se considera que não têm discernimento para determinar por si só os actos que praticam e suas consequências? Pensa o legislador que o sexo feminino não tem capacidade para saber a o que faz? Atribui-se à mulher uma espécie de estatuto de menoridade e inimputabilidade?
Aboliu-se também a consulta prévia ao aborto que a legislação agora revogada previa, alegando que as mulheres têm suficiente capacidade de discriminação para decidirem por elas próprias. Concordo. Deve ser cada pessoa, neste caso cada mulher, a decidir se precisa de conselho num caso tão íntimo como este. Ora não têm a mesma capacidade quando praticam as relações que podem levar à gravidez? Não compreendo. Sinceramente, Não está em causa a liberdade das mulheres terem as relações sexuais que entenderem. Está apenas em causa a assunção da responsabilidade pelos actos voluntários que qualquer cidadão pratica sem distinção do género. Isentar uma parte dos cidadão da capacidade de ser responsável é retirar-lhes a sua dignidade de seres livres. Até me explicarem a razão desta espécie de estatuto de inimputabilidade, considero este novo regime como um enxovalho para o sexo feminino.
Faz-me lembrar uma citação que um amigo fazia de um “filósofo” do tempo do Estado Novo, cujo nome felizmente não retive, que defendia que as mulheres tinham alma mas não tinham espírito.
Gostava genuinamente que me explicassem o ratio deste regime. Entretanto talvez fosse melhor fazer maior divulgação dos meios contraceptivos.
Embaixador reformado