Acusada de arrastar os pés, OMS declara Zika emergência de saúde pública internacional

Organização quis evitar os erros cometidos com o Ébola e fez soar o alarme para o vírus associado a graves malformações em recém-nascidos. A prioridade é conter o mosquito que o propaga.

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A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que o vírus Zika e a sua ligação a deformações em recém-nascidos é uma "emergência de saúde pública de âmbito internacional”, designação rara que abre caminho à acção médica global. A decisão foi anunciada ao final da tarde de segunda-feira pela directora-geral da organização, depois de consultar um painel de vinte especialistas e diplomatas reunidos de emergência em Genebra.  

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A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que o vírus Zika e a sua ligação a deformações em recém-nascidos é uma "emergência de saúde pública de âmbito internacional”, designação rara que abre caminho à acção médica global. A decisão foi anunciada ao final da tarde de segunda-feira pela directora-geral da organização, depois de consultar um painel de vinte especialistas e diplomatas reunidos de emergência em Genebra.  

Margaret Chan disse que a explosão do número de recém-nascidos com cérebros e crânios anormalmente pequenos no último ano está ligada a casos semelhantes de 2014 na Polinésia Francesa, e que ambos estão associados ao vírus Zika. Não há ainda provas de que este vírus seja o causador destas deformações – conhece-se há décadas e nunca antes fora associado com malformações congénitas – , mas a directora-geral da OMS disse não querer esperar mais para convocar uma ameaça internacional.

“É uma ocasião extraordinária e uma ameaça de saúde pública a outras partes do mundo”, afirmou Chan aos jornalistas, uma semana depois de ter anunciado que o vírus se propagava em “proporções alarmantes”. Conhecem-se casos de infecção em 24 países e territórios da América do Sul, a região mais afectada e até agora a única com incidência de malformações em bebés. Mas há também casos em África, onde nasceu a epidemia, Estados Unidos e países do Pacífico.

Nenhum país é mais afectado do que o Brasil, onde se calcula que mais de um milhão de pessoas tenha contraído o vírus no último ano. Foi do Nordeste do país que surgiu o primeiro alerta de que o Zika poderia estar relacionado com o crescimento exponencial de malformações em recém-nascidos, por volta de Maio. No total do último ano confirmaram-se em todo o Brasil 270 casos e há mais de 3400 suspeitas de bebés nascidos com microcefalia, uma condição grave em que o cérebro e crânio ficam subdesenvolvidos, com mais ou menos lesões cerebrais, mas sempre com complicações graves para o desenvolvimento cognitivo e motor da criança. Em 2014 contaram-se apenas 147 malformações deste tipo no país. 

Perguntas e respostas: muitas incógnitas e uma certeza

A OMS diz que a sua prioridade é, por enquanto, investigar estes casos e controlar a praga de mosquitos que transmite o vírus. O Zika é transportado por um mosquito comum nas Américas – o Aedes aegypti –, o mesmo portador da febre dengue e do vírus chikungunya, duas doenças comuns no Brasil. Com a excepção dos perigos para bebés em gestação, o vírus é praticamente inofensivo: nos piores dos casos causa febre ligeira, irritação cutânea ou olhos avermelhados.

Quatro em cada cinco casos são assintomáticos, o que é uma das razões pelas quais a propagação do vírus é tão preocupante, como admitiu esta segunda-feira o ministro brasileiro da Saúde, Marcelo Castro. “Um grande número de pessoas tem o vírus sem sintomas, por isso a situação é mais grave do que a que imaginávamos”, disse, ao anunciar novos poderes para polícia e equipas de erradicação do mosquito entrarem em casas trancadas e laboratórios especiais para a detecção do vírus.

Precauções para grávidas
Não é certo ainda que tipo de resposta global vai acontecer agora. O alerta lançado esta segunda-feira pela OMS é raro, mas não passa de um instrumento sobretudo político. A organização não tem meios próprios: pode fazer recomendações e coordenar a resposta médica global que, em última análise, não depende dela, mas dos países e entidades que a decidirem prestar. Anunciar uma emergência de saúde internacional é apenas isso: uma chamada de atenção para que o mundo organize esforços e contenha uma determinada doença antes que ela se propague de maneira desastrosa.   

A organização estava sob pressão para lançar este alerta. A terceira e última vez que o anunciou, em Agosto de 2014, no pico do surto de Ébola em África, foi duramente criticada por ter esperado demasiado tempo até declarar uma emergência médica internacional. Só usou essa designação cinco meses depois dos primeiros avisos e quase um ano depois dos primeiros casos. Por essa altura já se contavam centenas de novos doentes em cada semana nos três países mais afectados: Guiné Conacri, Libéria e Serra Leoa. Morreram mais de 11 mil pessoas neste último surto de Ébola. A OMS admitiu ter agido tarde e brandamente e prometeu que não voltaria a repetir o erro.

As críticas já se faziam ouvir em relação ao Zika e Margaret Chan admitiu-o ao justificar o alerta antes de se comprovar uma relação directa entre o vírus Zika e as malformações congénitas, algo sobre o qual existem apenas “fortes suspeitas”. “Se não fizermos este trabalho agora e esperarmos por todas as provas científicas, conseguem imaginar que as pessoas vão perguntar por que razão não agimos antes.”

A OMS foi acusada no passado de ter agido demasiado tarde e também o seu contrário. Depois da epidemia da gripe das aves – o vírus H1N1 – muitos criticaram a organização por ter respondido exageradamente ao surto e de não ter declarado a participação de algumas farmacêuticas no alerta – que parecem ter beneficiado com ele. A designação de emergência de saúde internacional pode trazer graves prejuízos económicos, pela queda nas viagens turísticas e investimento estrangeiro. Estima-se que o alerta sobre o Ébola tenha custado cerca de 1600 milhões de euros aos três países mais afectados.

Por enquanto, a OMS não sugere restrições de viagens para os locais mais afectados – um receio para o Brasil, onde se realizarão os Jogos Olímpicos no Verão. A organização aconselha a mulheres grávidas adiarem visitas à América Latina e a tomarem precauções caso não o consigam fazer. “Se precisarem de viajar, aconselhem-se com um médico e tomem medidas preventivas pessoais, como usar mangas compridas, calças e repelente para mosquitos”, afirmou Margaret Chan.

A fama súbita da floresta do Uganda onde apareceu o vírus Zika