O jornalismo, o método e o filme Spotlight
O reconhecimento público obtido pelo Boston Globe demonstra que as coisas podem correr bem, mesmo quando as situamos em ideais normativos quase utópicos.
Os jornalistas adoram o filme Spotlight, realizado por Tom McCarthy, inspirado num grupo de repórteres do Boston Globe que revelou um escândalo de pedofilia envolvendo padres católicos. Embora o método de trabalho dos jornalistas de investigação seja o foco dramático, os 5 membros da equipa Spotlight receberam em 2003 um prémio Pulitzer na categoria de Serviço Público, e não de Reportagem de Investigação. Eles não descobriram nada de novo, uma condição exigível pelo Pulitzer investigativo. Os factos essenciais foram conhecidos a partir de 2001, quando três das vítimas processaram um dos padres abusadores. O Pulitzer na categoria atribuída premeia o esforço para melhorar a vida das pessoas - dos católicos de Boston, em particular, que deixaram de conviver com predadores sexuais, mas da comunidade humana em geral, já que a cobertura jornalística durante quase dois anos foi fundamental para criar consciência e rejeição pela complacência da hierarquia religiosa perante os crimes.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os jornalistas adoram o filme Spotlight, realizado por Tom McCarthy, inspirado num grupo de repórteres do Boston Globe que revelou um escândalo de pedofilia envolvendo padres católicos. Embora o método de trabalho dos jornalistas de investigação seja o foco dramático, os 5 membros da equipa Spotlight receberam em 2003 um prémio Pulitzer na categoria de Serviço Público, e não de Reportagem de Investigação. Eles não descobriram nada de novo, uma condição exigível pelo Pulitzer investigativo. Os factos essenciais foram conhecidos a partir de 2001, quando três das vítimas processaram um dos padres abusadores. O Pulitzer na categoria atribuída premeia o esforço para melhorar a vida das pessoas - dos católicos de Boston, em particular, que deixaram de conviver com predadores sexuais, mas da comunidade humana em geral, já que a cobertura jornalística durante quase dois anos foi fundamental para criar consciência e rejeição pela complacência da hierarquia religiosa perante os crimes.
No final, mais factos eram conhecidos, a visão colectiva sobre os acontecimentos e as suas ligações era mais extensa e profunda e as vítimas sentiam-se mais confortadas moralmente. Algo num sistema apodrecido tinha sido identificado e corrigido. Fazer esta diferença é o sonho dos bons jornalistas. Vemos isso nos olhos incandescentes de Mark Ruffalo quando se depara com crianças vítimas de violações idênticos, quase duas décadas depois das primeiras acusações terem sido formuladas. Não há nenhum ressentimento específico contra os prevaricadores. Os padres não são diabolizados e o cardeal é uma personagem cínica mas cordial. Os advogados que garantiram acordos privados e discretos entre as partes, contribuindo para o silenciamento, apenas fizeram o seu trabalho, tal como os assessores da Igreja Católica que pressionaram as vítimas e os jornalistas. Os juízes que protelaram a divulgação pública de documentos incriminatórios que validaram a investigação, agiram para evitar a apropriação indevida de detalhes sensíveis. É com esta convicção, a antítese de qualquer cruzada justiceira, que o editor do Boston Globe insiste que o ângulo deve ser a denúncia do “sistema” e não a fulanização das histórias.
Do ponto de vista do método de investigação, implica um trabalho de recolha e verificação de dados exaustivo e credível. Do ponto de vista da narrativa, orienta a valorização e a criação de sentido entre os factos singulares e os protagonistas individuais para o interesse público em detrimento do interesse humano. Do ponto de vista ético, a busca da verdade, a lealdade aos cidadãos e a independência do relato são os valores fundamentais.
O reconhecimento público obtido pelo Boston Globe demonstra que as coisas podem correr bem, mesmo quando as situamos em ideais normativos quase utópicos. Mas, evidentemente, há condições de base. A primeira é a existência de organizações noticiosas comprometidas com este quadro ético. A segunda são directores e editores que protegem a autonomia dos jornalistas, sem deixar de os confrontar com os seus erros e omissões, incluindo adjectivos a mais no texto (é uma piada no filme mas significa que os conteúdos jornalísticos são escrutinados e debatidos entre pares). A terceira é um grau de profissionalização amadurecido para que esta cultura profissional esteja enraizada, agilize instrumentos de correcção deontológica e promova a interacção com os públicos. Podemos argumentar que nada disto prospera em ambientes economicamente deprimidos ou politicamente hostis. A cena inicial do filme junta a redacção do Boston Globe. Estão preocupados, o jornal baixou as vendas e o futuro é incerto. Mas qual é o motivo da reunião? Um dos editores mais velhos vai reformar-se, dizem piadas e comem bolo. São os momentos de união e fraternidade que precedem os grandes combates.
Na vida quotidiana de um jornalista, gerir todos estes interesses é uma complicação.
Docente na FCSH-UNL