Ataque contra reduto xiita de Damasco azeda negociações em Genebra
Estado Islâmico reivindicou atentado que provocou pelo menos 45 mortos e lançou mais uma sombra sobre as já difíceis conversações entre regime e oposição.
As negociações em Genebra não poderiam ter começado com um pior presságio: na mesma altura em que uma delegação da oposição síria se reunia pela primeira vez com o enviado especial da ONU, três explosões matavam meia centena de pessoas num subúrbio de Damasco onde está situado o principal santuário xiita do país e que serve de base às milícias que apoiam o regime de Bashar al-Assad. O Governo sírio não demorou a afirmar que o atentado, reivindicado pelos jihadistas do Estado Islâmico, é mais uma prova das ligações entre os grupos da oposição e o terrorismo.
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As negociações em Genebra não poderiam ter começado com um pior presságio: na mesma altura em que uma delegação da oposição síria se reunia pela primeira vez com o enviado especial da ONU, três explosões matavam meia centena de pessoas num subúrbio de Damasco onde está situado o principal santuário xiita do país e que serve de base às milícias que apoiam o regime de Bashar al-Assad. O Governo sírio não demorou a afirmar que o atentado, reivindicado pelos jihadistas do Estado Islâmico, é mais uma prova das ligações entre os grupos da oposição e o terrorismo.
Staffan de Mistura garantiu estar “optimista e determinado” em não desperdiçar a “ocasião histórica” de ter na mesma cidade representantes dos dois lados daquele que é o mais intricado e desestabilizador conflito da actualidade. Sob pressão dos aliados internacionais – alarmados com a expansão dos jihadistas e a crise dos refugiados –, o regime e oposição aceitaram enviar delegados à Suíça para o início de negociações que deveriam durar seis meses e terminar com um cessar-fogo e a constituição de um governo de transição. Mas no primeiro dia ficou sobretudo visível o fosso de hostilidade e desprezo que os separa e que transforma em miragem a concretização do plano internacional, validado por uma resolução da ONU.
E o atentado em Sayyidah Zaynab, cidade de 130 mil pessoas a Sul da capital, azedou ainda mais a já esperada troca de acusações. “Atingimos o mais importante bastião das milícias xiitas de Damasco”, reivindicou um grupo que difunde habitualmente propaganda do Estado Islâmico (EI), organização jihadista que, aproveitando o caos da guerra síria, se apoderou de um território que se estende até ao Norte do Iraque.
Ao final do dia, o balanço das explosões não era ainda definitivo. O Governo confirmou 45 mortos e mais de uma centena de feridos, adiantando que um carro armadilhado explodiu primeiro e, quando a população acorreu a socorrer as vítimas, dois suicidas detonarem os explosivos que traziam escondidos no corpo. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, que recolhe informações de uma rede de activistas locais, fala em pelo menos 60 mortos, entre os quais 25 combatentes xiitas.
A localidade atacada deve o seu nome à mesquita que alberga o mausoléu de Sayyidah Zaynab, neta de Maomé e filha do imã Ali, considerado pelos xiismo como o legítimo sucessor do profeta. É o santuário xiita mais venerado da Síria, local a que milhares de peregrinos vindos de toda a região continuam a acorrer apesar da violência.
No início da guerra, há quase cinco anos, a cidade foi palco de intensos combates, mas o Exército sírio reconquistou a zona com o apoio das milícias xiitas, incluindo o Hezbollah libanês – foi para defender aquele mausoléu que muitos combatentes vindos do Irão, do Líbano ou do Afeganistão se voluntariaram, recorda a Reuters. Uma mobilização que garantiu a sobrevivência de Assad, membro da minoria alauita (um ramo do xiismo), num conflito que se foi tornando cada vez mais sectário – a oposição síria é maioritariamente sunita e milhares de estrangeiros combatem quer nas fileiras do Estado Islâmico quer dos grupos islamistas.
Este atentado “confirma o que Governo sírio tem dito uma e outra vez – existe uma ligação entre o terrorismo, aqueles que o patrocinam, e alguns dos grupos políticos que dizem lutar contra ele”, acusou Bashar al-Jaafari, embaixador da Síria na ONU e representante máximo de Damasco nas negociações, lançando a desconfiança sobre a delegação da oposição. “O povo sírio enfrenta terroristas. Australianos, uzebeques, tchetchenos que chegam de todo o mundo, entram nas nossas fronteiras e transformam-se em ‘oposição moderada’”, denunciou. Do Alto Comité de as Negociações (HCN), formado com o patrocínio da Arábia Saudita, foi excluído o EI e a Frente al-Nusra, braço da Al-Qaeda na Síria, mas fazem parte grupos salafistas e islamistas apoiados pelas monarquias árabes.
Mas mesmo sem as referências ao atentado, nada do que se ouviu em Genebra parece sustentar o optimismo proclamado por Mistura. Riad Hijab, coordenador do HNC, publicou um comunicado explicando que a oposição pode deixar a Suíça se não cessarem os ataques aéreos contra as localidades controladas pelos rebeldes e o regime não autorizar o envio de ajuda às localidades cercadas pelo Exército. Estas eram as duas condições que a oposição impôs para participar nas negociações e insiste que só voltou com a palavra atrás depois de ter recebido garantias da ONU e dos Estados Unidos de que a discussão da situação humanitária teria prioridade. “Não podemos começar a negociação [sobre a transição] política sem que haja progressos nestas áreas”, explicou Bassma Kodmani, delegada da oposição.
Jaafari afirmou, por seu lado, que o Governo não excluiu a abertura de corredores humanitários, trocas de prisioneiros e tréguas locais, mas não antes do início das negociações. E acusou a oposição de “falta de seriedade” por impor pré-condições ao diálogo.
Depois dos contactos preliminares, Mistura começa nesta segunda-feira a ouvir alternadamente as duas delegações. Numa mensagem de vídeo divulgada em Washington, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, lembrou às duas partes que “não há solução militar para o conflito” e pediu-lhes urgência na aprovação de medidas que aliviem o sofrimento dos civis cercados pela guerra. “O regime tem uma responsabilidade fundamental, e todas as partes em conflito têm o dever, de facilitar o acesso da ajuda humanitária às populações em desespero. Agora, hoje.”