Governo e Bruxelas: perdidos na tradução?
Importa que as conversas com Bruxelas não se percam na tradução. Mais do que nunca, é preciso falar claro.
Ontem, durante o debate quinzenal, António Costa referiu-se por duas vezes a Passos Coelho como “o senhor primeiro-ministro”. Emendou, depois, para “senhor deputado”, mas o erro é revelador da situação que se vive, por estes dias, na política portuguesa. Outro exemplo? Cavaco Silva, o Presidente em exercício, recebeu anteontem Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente recém-eleito. Dois Presidentes no Palácio de Belém. No Parlamento, por via do lapso de António Costa, estiveram dois primeiros-ministros, o cessante (mas ainda preso por fios e compromissos à governação em trânsito) e o seu substituto (ainda preso, não apenas por fios mas por novos e antigos compromissos, à oposição. Isto poderia parecer uma ópera cómica, se não se jogasse, nestes equívocos, o futuro do país. E quanto a isto, será o Orçamento do Estado a servir de bitola. A troca de acusações sobre as informações a Bruxelas – com Costa a acusar Passos de ter feito passar por definitivas medidas que eram provisórias; e Passos a acusar Costa de travestir de estruturais medidas que não o são – assemelhou-se a um inútil diferendo juvenil, sobretudo porque, quer um quer outro, tiveram e terão de se haver com Bruxelas sem fantasias, sabendo de antemão o preço delas para o futuro próximo e distante. Por ora, há ainda um Orçamento em esboço (Costa diz-se disponível para ajustar o que for “possível”, sendo que tal palavra é suficientemente dúbia para nela caber tudo), sob pressão do parlamento (os debates continuarão) e também da rua (ainda ontem houve greve na administração pública para impor o regresso das 35 horas). Que farão Costa e Centeno na Comissão Europeia? Aceitarão o conselho de Catarina Martins, do BE, que lembrou haver no Parlamento “uma força que apoia o Governo para fazer frente a Bruxelas?” Ou tentarão ajustar os números e dados disponíveis de forma hábil, para contentar uns e outros, Bruxelas e os seus aliados parlamentares, num equilíbrio quase impossível?
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Ontem, durante o debate quinzenal, António Costa referiu-se por duas vezes a Passos Coelho como “o senhor primeiro-ministro”. Emendou, depois, para “senhor deputado”, mas o erro é revelador da situação que se vive, por estes dias, na política portuguesa. Outro exemplo? Cavaco Silva, o Presidente em exercício, recebeu anteontem Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente recém-eleito. Dois Presidentes no Palácio de Belém. No Parlamento, por via do lapso de António Costa, estiveram dois primeiros-ministros, o cessante (mas ainda preso por fios e compromissos à governação em trânsito) e o seu substituto (ainda preso, não apenas por fios mas por novos e antigos compromissos, à oposição. Isto poderia parecer uma ópera cómica, se não se jogasse, nestes equívocos, o futuro do país. E quanto a isto, será o Orçamento do Estado a servir de bitola. A troca de acusações sobre as informações a Bruxelas – com Costa a acusar Passos de ter feito passar por definitivas medidas que eram provisórias; e Passos a acusar Costa de travestir de estruturais medidas que não o são – assemelhou-se a um inútil diferendo juvenil, sobretudo porque, quer um quer outro, tiveram e terão de se haver com Bruxelas sem fantasias, sabendo de antemão o preço delas para o futuro próximo e distante. Por ora, há ainda um Orçamento em esboço (Costa diz-se disponível para ajustar o que for “possível”, sendo que tal palavra é suficientemente dúbia para nela caber tudo), sob pressão do parlamento (os debates continuarão) e também da rua (ainda ontem houve greve na administração pública para impor o regresso das 35 horas). Que farão Costa e Centeno na Comissão Europeia? Aceitarão o conselho de Catarina Martins, do BE, que lembrou haver no Parlamento “uma força que apoia o Governo para fazer frente a Bruxelas?” Ou tentarão ajustar os números e dados disponíveis de forma hábil, para contentar uns e outros, Bruxelas e os seus aliados parlamentares, num equilíbrio quase impossível?
Seja como for, o futuro de António Costa, não só como líder do PS mas também como primeiro-ministro está umbilicalmente ligado à economia. Se o Governo conseguir o milagre de apresentar contas aceites por todos (e isto, ironicamente, irá pôr PCP e BE a aceitar medidas também aceites por Bruxelas), ou, se quiser corre o risco de hostilizar um dos lados (a esta guerra a direita apenas assiste, com Portas já ausente do CDS e Passos talvez feliz e saudoso por alguém lhe ter chamado, ainda, “primeiro-ministro”), a ousadia poder sair-lhe cara. Cara em Bruxelas, se for esse o alvo; cara no Parlamento, se PCP e BE lhe tirarem o apoio prometido mas não eternamente garantido. Claro que uma das agências de rating que nos vigiam, neste caso a DBRS canadiana, já veio alertar para o perigo de uma possível “guerra” entre o Governo e Bruxelas. Achas numa fogueira que muitos ajudarão a acender, e para a qual Costa, se não tiver um assomo de génio, pode vir a ser lançado. Importante é que, seja em que língua for, as conversas com Bruxelas não se percam na tradução. Mais do que nunca, é preciso falar claro.