O herói deste Carnaval no Brasil é um polícia japonês de óculos escuros

Os americanos têm o Capitão América, o Brasil tem o japonês da Federal, o agente policial que tem escoltado empresários e políticos para a cadeia durante a Operação Lava Jato. A máscara dele é uma das mais procuradas este Carnaval.

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Não é preciso ser um espectador assíduo de noticiários para ter visto alguns dos empresários mais ricos e políticos influentes do Brasil serem levados para a prisão no último ano. Essas imagens tornaram-se tão rotineiras que, por casualidade, os brasileiros acabaram por reparar numa figura que aparece ao lado dos poderosos algemados o tempo todo: um homem grisalho, de aparência japonesa e de óculos escuros. Que um agente da Polícia Federal do Paraná tenha inspirado uma marchinha e uma das máscaras mais procuradas para o Carnaval deste ano é um fenómeno cultural que só poderia dar-se no Brasil – que outro país conseguiria combinar tão prodigiosamente crise institucional, tradição antropofágica e uso massivo das redes sociais?

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Não é preciso ser um espectador assíduo de noticiários para ter visto alguns dos empresários mais ricos e políticos influentes do Brasil serem levados para a prisão no último ano. Essas imagens tornaram-se tão rotineiras que, por casualidade, os brasileiros acabaram por reparar numa figura que aparece ao lado dos poderosos algemados o tempo todo: um homem grisalho, de aparência japonesa e de óculos escuros. Que um agente da Polícia Federal do Paraná tenha inspirado uma marchinha e uma das máscaras mais procuradas para o Carnaval deste ano é um fenómeno cultural que só poderia dar-se no Brasil – que outro país conseguiria combinar tão prodigiosamente crise institucional, tradição antropofágica e uso massivo das redes sociais?

Chefe do núcleo de operações da Polícia Federal de Curitiba, capital do estado de Paraná, no sul do Brasil, Newton Ishii ficou famoso nas redes sociais por aparecer diversas vezes escoltando políticos e empreiteiros detidos durante a Operação Lava Jato, uma mega-investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sobre a maior teia de corrupção da história do Brasil, envolvendo as grandes multinacionais do país, incluindo a petrolífera estatal Petrobras.

“É o meme do momento na Internet”, diz Anderson Ribeiro, 38 anos, dono da loja Artesanato da Samira, no Saara, uma antiga e movimentada área comercial no centro do Rio de Janeiro que é uma referência para compras de fantasias de Carnaval. A loja de Anderson é de peças e componentes de madeira para montar e pintar e as vendas caem muito nesta altura do ano, por isso ele faz questão de ter “só uma coisinha” de Carnaval “para dar um diferencial e chamar” clientes. A “coisinha” deste ano é a máscara do japonês: 19.90 reais (menos de cinco euros) com óculos escuros, 7.99 reais (menos de dois euros) sem óculos.

“Essa máscara está causando um certo frisson”, diz Anderson, sorrindo. “Esse cara está pegando toda a politicada lá em Brasília. Os americanos têm o Capitão América, o Homem-Aranha, o Hulk. A gente tem o japonês da Federal batendo o crime, batendo o cancro nacional. Toda a hora fica aparecendo com algum colarinho branco algemado.”

Poucos brasileiros saberão dizer o nome do agente, descendente de japoneses. Ele é simplesmente conhecido como “o japonês da Federal”, graças a uma canção composta por um grupo de amigos para um festival de marchinhas. O vídeo Marchinha do Japonês da Federal, uma espécie de slideshow de várias fotos do agente com os detidos na Operação Lava Jato, foi publicado no YouTube no início de Dezembro e tornou-se viral de um momento para o outro.

Foi mais ou menos por essa altura que Olga Valles começou a pensar em fazer uma máscara de Carnaval do japonês da Federal. Sátira política e Carnaval vão bem juntos – não o Carnaval que desfila no Sambódromo, cheio de plumas e de umbigos à mostra, mas o Carnaval dos blocos de rua, que só deixa duas saídas para o carioca: abandonar a cidade ou juntar-se à euforia, de preferência fantasiado. A Condal, fábrica de Olga Valles, fundada em 1958 pelo seu marido Armando, um escultor de Barcelona, começou a produzir máscaras de políticos logo a seguir à ditadura militar, na segunda metade da década de 1980, e nunca mais parou, nem mesmo quando Armando morreu, em 2007. Uma semana antes de morrer, ele chamou Olga e perguntou-lhe: “O que vais fazer depois de eu morrer?” Ela respondeu: “Vou tomar conta da fábrica.” Ele pediu: “Então traz-me um papel.” E deixou-lhe instruções sobre o que devia fazer.

“Ele adorava esta fábrica. Para mim, é como se fosse um enteado”, diz Olga, 57 anos. A maior fábrica de máscaras do estado de Rio de Janeiro fica em São Gonçalo, um município carente do outro lado da Baía de Guanabara, onde se chega depois de atravessar a longa ponte que leva a Niterói. A antiguidade é a melhor publicidade da Condal, que não tem placa nem qualquer identificação à porta. Nem por isso as visitas de jornalistas deixam de ser uma constante – Olga avisa que uma equipa televisiva chegará mais tarde. É assim há muitos anos, explica a proprietária, desde que a imprensa descobriu que uma das principais exportações do Brasil eram máscaras africanas encomendadas a esta fábrica pelo governo nigeriano (não é mais o caso). Quando a Condal começou a produzir máscaras do japonês da Federal, Olga não precisou de ligar para os clientes para anunciar o novo produto. “Aqui a imprensa vem todo o ano. Aí, começa a sair nos media, nem precisa falar nada para os clientes.”

Mas antes houve a questão de reproduzir a imagem do polícia federal sem o consentimento do próprio. “Tínhamos o protótipo de uma máscara de samurai de anos anteriores”, explica Olga, “e transformámos ele um pouco”.

Colocaram um sinal debaixo da narina esquerda, mudaram o cabelo. “Se você tirar os óculos de sol dele, pode ser um japonês qualquer. Não é uma coisa muito específica dele. Agora se você coloca uns Ray-Ban, aí já é bem mais parecido”, ri-se Olga.

“Na verdade, ele tem direito de imagem. Os políticos não têm direito de imagem. Eles têm direito de nos roubarem, vários direitos... Mas o direito de imagem não têm, porque é o povo que coloca eles lá.” A Condal vende a máscara sem óculos, mas com orifícios dos dois lados para poder encaixar as hastes.

Uma das paredes do escritório de Olga na fábrica está coberta de máscaras; a partir dela, podia-se contar a história da política brasileira dos últimos 30 anos. Collor de Mello, Lula (tão famoso que a máscara chegou a ser exportada para Espanha), Dilma, Tiririca (artista de circo que foi eleito deputado da nação; slogan de campanha: “Pior do que tá não fica, vote Tiririca”), Itamar Franco, Aécio Neves, Marina Silva estão lá, juntamente com Barack e Michelle Obama, Bin Laden, Arafat, Mandela, Einstein, o Papa Francisco e Shrek. As mais recentes peças da colecção são, além do japonês da Federal, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, suspeito de crimes de corrupção – o político brasileiro mais badalado do último ano – e Delcídio do Amaral, o primeiro senador da história do Brasil detido durante o exercício do cargo.

“A máscara tem uma coisa interessante”, diz Olga. “Muitas vezes o povo mais baixo, que não lê jornal e assiste só a novela, não conhece muitos políticos e não sabe o que está acontecendo. Através da máscara você consegue que eles conheçam. Quando fizemos o Delcídio do Amaral, ninguém na fábrica sabia quem era. Nenhum funcionário – e olhe que estão acostumados a políticos. A máscara aqui no Brasil é muito usada pelo povão. Acabam usando e acabam sabendo quem é.”

A máscara do japonês da Federal é bem mais popular do que a de Cunha ou Delcídio. A Condal tem produzido o dobro de máscaras do polícia, por comparação com as dos dois políticos. É uma especificidade brasileira: “Quanto mais querido é um personagem, mais se vende a máscara. Na Europa é diferente, usa-se a máscara para malhar o cara, para protestar. Aqui não.” No Carnaval de 2014, a Condal vendeu 15 mil máscaras de Joaquim Barbosa, o juiz do Supremo Tribunal Federal que julgou o escândalo do Mensalão.