OE em risco de ser considerado em “sério incumprimento” do Pacto de Estabilidade

Comissão pergunta ao Governo porque é que aponta apenas para uma redução de 0,2 pontos percentuais no défice estrutural, em vez dos 0,6 pontos recomendados pelas autoridades europeias.

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O vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis AFP

A Comissão Europeia deixou claro esta quarta-feira que o esboço do Orçamento do Estado para 2016 apresentado pelo Governo está em risco de ser considerado em sério incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade, tendo pedido ao executivo português para explicar porque é que aponta para uma redução do défice estrutural de 0,2 pontos percentuais, em vez dos 0,6 pontos recomendados pela autoridades europeias.

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A Comissão Europeia deixou claro esta quarta-feira que o esboço do Orçamento do Estado para 2016 apresentado pelo Governo está em risco de ser considerado em sério incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade, tendo pedido ao executivo português para explicar porque é que aponta para uma redução do défice estrutural de 0,2 pontos percentuais, em vez dos 0,6 pontos recomendados pela autoridades europeias.

Numa carta enviada na terça-feira ao ministro das Finanças português, Mário Centeno, e assinada pelos comissários Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici, o executivo europeu começa logo por assinalar que o défice excessivo português não foi corrigido no ano passado, como estava inicialmente previsto. Depois, destaca o facto de “a variação planeada para o défice estrutural ficar bem abaixo dos 0,6% do PIB recomendados pelo Conselho a 14 de Julho de 2015”.

Este incumprimento de um número antes acordado com as autoridades europeias é visto com elevada preocupação pela Comissão Europeia, que avisa que, de acordo com as regras europeias, a confirmação de uma falha desse tipo pode ser motivo para que seja identificado “um incumprimento particularmente sério das obrigações de política orçamental definidas no Pacto de Estabilidade e Crescimento”. Nessas circunstâncias, o executivo europeu teria de preparar, no prazo de duas semanas a seguir à entrega dos planos orçamentais portugueses, uma opinião em que Bruxelas pediria a Portugal “a apresentação o mais cedo possível de um esboço do OE revisto”.

Na carta agora enviada a Mário Centeno, a Comissão diz, contudo, que “antes que isso [a identificação de um incumprimento particularmente sério] aconteça”, quer ouvir do lado do Governo quais são as razões “para que Portugal planeie uma variação do défice estrutural em 2016 que fica bem abaixo do ajustamento recomendado pelo Conselho em Julho”.

Dombrovskis e Moscovici terminam a missiva afirmando que “a Comissão pretende continuar um diálogo construtivo com Portugal na perspectiva de se chegar a uma avaliação final” e sugerindo que a resposta do Governo à questão colocada por Bruxelas seja enviada até ao final desta semana.

O esboço do Orçamento do Estado para 2016 prevê um défice estrutural (que elimina os efeitos do ciclo económico), de 1,1%, o que representaria uma redução de 0,2 pontos percentuais. Este ritmo de redução fica aquém da descida de 0,5 pontos exigida pelas regras do Tratado Orçamental e da redução de 0,6 pontos recomendada por Bruxelas.

Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial do Ministério das Finanças diz que a carta de Bruxelas “é normal” e que “inicia um processo, rápido, de consulta técnica para esclarecimento de detalhes de implementação de medidas". O primeiro-ministro, António Costa, também já reagiu, afirmando que "a carta é absolutamente normal".

 "Ainda é muito cedo para concluir se vamos rejeitar o esboço do Orçamento. É preciso mais informação e análise antes de chegarmos a uma conclusão", adiantou um alto-representante europeu.

A Comissão tem até ao final da próxima semana para se pronunciar sobre o esboço orçamental. Ainda antes de se saber do envio da carta, o Governo deu indicação nesta quarta-feira na conferência de líderes de que a proposta de Orçamento do Estado para 2016 deverá dar entrada no Parlamento a 5 de Fevereiro. O debate e votação na generalidade estão marcados para 22 e 23 de Fevereiro e a votação final será a 16 de Março.

As previsões do Governo
O Governo entregou na sexta-feira passada no Parlamento e enviou para Bruxelas, no âmbito do Semestre Europeu, o esboço do Orçamento do Estado para o próximo ano, cujas medidas reflectem não só algumas promessas eleitorais do Partido Socialista, bem como os acordos que foram feitos à esquerda e que tiveram as assinaturas do Bloco de Esquerda, do PCP e do PEV.

Nesse draft, o Governo de António Costa previa chegar ao final deste ano com um défice nominal de 2,6%, um valor acima dos 1,8% previstos pelo anterior Governo. Mesmo assim, o valor é abaixo dos 2,8% que constavam dos programas eleitorais e de governo do PS.

No esboço do Orçamento do Estado para 2016, o Governo conta ainda chegar ao final do ano com a economia a crescer 2,1%, um valor bastante mais optimista do que as previsões da Comissão Europeia, do FMI e do Banco de Portugal que, para o mesmo período, prevêem que o PIB cresça 1,7%.

As dúvidas do CFP e das agências de rating 
A Comissão Europeia não é a primeira entidade a ter dúvidas sobre os pressupostos do Orçamento do Estado para 2016. O Conselho das Finanças Públicas (CFP), num parecer que acompanhou o draft do Orçamento quando este foi enviado para Bruxelas, teve uma posição bastante crítica, dizendo que as projecções para a evolução da economia em que o Governo baseia os seus planos orçamentais apresentam “riscos relevantes” e são “pouco prudentes” no que diz respeito a diversos indicadores.

O CPF liderado por Teodora Cardoso criticava também a aposta num crescimento fortemente baseado na procura interna e sobre as previsões dizia o seguinte: “Embora não implausíveis estatisticamente no curto prazo, as previsões quanto ao comportamento dos preços, do investimento e do comércio externo em 2016 podem ser consideradas como pouco prudentes.”

O documento também foi alvo de críticas por parte das maiores agências de rating. A Fitch classificou de "optimistas" e de "irrealistas" as perspectivas para a evolução da economia, e a Moody’s também disse concordar com os reparos do CFP, observando que uma “estratégia económica focada no consumo privado e no aumento dos salários acima do crescimento da produtividade poderá resultar no regresso aos antigos desequilíbrios da economia portuguesa”.

As exigências de Bruxelas acontecem no mesmo dia em que a troika inicia a terceira avaliação do programa pós-resgate.