Adopção por casais gay: "Este veto será derrotado em breve"
Não há nenhuma razão para pôr em causa a igualdade no acesso à candidatura à adopção, diz Ilga. Amnistia Internacional Portugal emitiu um comunicado onde fala de “retrocessos”
O veto do Presidente da República à adopção por casais do mesmo sexo “será derrotado, em breve, na Assembleia da República, que voltará a aprovar a lei com a maioria alargada, tal como da primeira vez, e o Presidente da República será obrigado a promulgá-la”, disse nesta segunda-feira à Lusa o vice-presidente da Ilga (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero) Portugal, Paulo Côrte-Real.
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O veto do Presidente da República à adopção por casais do mesmo sexo “será derrotado, em breve, na Assembleia da República, que voltará a aprovar a lei com a maioria alargada, tal como da primeira vez, e o Presidente da República será obrigado a promulgá-la”, disse nesta segunda-feira à Lusa o vice-presidente da Ilga (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero) Portugal, Paulo Côrte-Real.
Já a Rumos Novos, associação de homossexuais católicos, fez saber que não foi apanhada de surpresa, “considerando a linha de pensamento do ainda Presidente da República”. Mas que a argumentação usada por Cavaco Silva é “contraditória”.
Depois de ser conhecido que o Presidente da República não promulgou o diploma que permitia a adopção por casais do mesmo sexo, tendo igualmente devolvido à Assembleia da República as alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG), também a Amnistia Internacional Portugal emitiu um comunicado onde fala de “retrocessos”. “A própria Constituição proíbe no artigo 13.º qualquer discriminação com base na orientação sexual”, sublinha a Amnistia.
Paulo Côrte-Real entende que o que Cavaco Silva fez não foi mais do que adiar o inevitável. “Será, no fundo, uma honra, e que será sua, de ficar para a história como o Presidente da República que mais diplomas promulgou pela igualdade das pessoas LGBT”, apontou, acrescentando que a igualdade irá acontecer em breve.
Recorde-se que o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado na generalidade a 8 de Janeiro de 2010, confirmado pelo Tribunal Constitucional a 8 de Abril desse ano e promulgado por Cavaco Silva no mês seguinte. Já a Lei da Identidade de Género foi aprovada igualmente em 2010, vetada por Cavaco e aprovada de novo, sem alterações, pelo que foi promulgada pelo Presidente em 2011. Em 2013, o Presidente também devolveu por inconstitucionalidade a proposta de referendo à adopção e coadopção por casais do mesmo sexo.
Nesta segunda-feira, Paulo Côrte-Real defendeu que é urgente reconhecer a existência de famílias e de crianças que já existem e que “estão há tempo demais à espera desse reconhecimento” — “Obviamente que há muitas crianças que precisam dessa protecção e, mais uma vez, esse é claramente um interesse secundário para algumas pessoas e algumas instituições”, criticou.
Questionado sobre se ficou surpreendido com a decisão de Cavaco Silva, apontou que “não há nenhuma razão atendível que permita pôr em causa a igualdade no acesso à candidatura à adopção”.
“A questão está pacificada e, neste momento, qualquer pessoa ou instituição que pretenda garantir, simultaneamente, valores constitucionais e que não pretenda instituir fracturas na sociedade, terá que compreender isso mesmo e promover legislação como esta, que permite que mais pessoas possam ter acesso à candidatura à adopção”, defendeu Paulo Côrte-Real.
A Rede ex aequo — Associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes, é da mesma opinião. O vice-presidente, João Valério, acusa mesmo Cavaco Silva de “fazer bullying sobre as muitas crianças que estão já sob tutela de casais de pessoas do mesmo sexo”. E isto, em nome de uma “posição ideológica grave” que procura “impôr à sociedade um modelo de família”.
A meio da tarde, a associação Rumos Novos emitiu um comunicado onde denuncia contradições na argumentação de Cavaco Silva: “Após reconhecer que ‘a lei em vigor determina que seja observado um rigoroso processo de controlo relativamente aos pedidos de adopção, assim procurando garantir a solidez e estabilidade dos novos laços parentais em situações de grande fragilidade para as crianças’, [o Presidente] vem reter-se num eventual não atendimento aos superiores interesse da criança para justificar a sua devolução ao Parlamento.”
Já a Amnistia Internacional Portugal recorda a decisão de Fevereiro de 2013 do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, “no Caso X e outros v. Áustria, que expressamente refere Portugal como um dos países do Conselho da Europa — ao lado da Roménia, Rússia e Ucrânia — que violam o princípio da não-discriminação e o direito ao respeito pela vida familiar, uma vez que só admite a coadopção por casais heterossexuais, apesar de admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
A Amnistia lembra ainda, no seu comunicado, uma carta do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muižnieks, que fez notar, em Junho do ano passado, ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, “a discrepância entre a lei nacional, as disposições internacionais e a decisão do Tribunal de Estrasburgo, bem como a necessidade de Portugal legislar no sentido de garantir aos casais do mesmo sexo o exercício dos direitos parentais de forma não discriminatória”.