Bruxelas vê “alto risco” na sustentabilidade orçamental de Portugal no médio prazo
No longo prazo, o risco é considerado menor graças às reformas no sistema de pensões que já foram realizadas no passado.
Portugal deverá ser, com a excepção da Grécia, o país da zona euro que dentro de 10 anos apresentará um rácio da dívida pública em percentagem do PIB mais alto. Esta é uma das razões que leva a Comissão Europeia a considerar que, a médio prazo, a sustentabilidade orçamental do país corre sérios riscos. Quando olha para o longo prazo, contudo, Bruxelas diz que o risco é baixo “graças às reformas do sistema de pensões implementadas no passado”.
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Portugal deverá ser, com a excepção da Grécia, o país da zona euro que dentro de 10 anos apresentará um rácio da dívida pública em percentagem do PIB mais alto. Esta é uma das razões que leva a Comissão Europeia a considerar que, a médio prazo, a sustentabilidade orçamental do país corre sérios riscos. Quando olha para o longo prazo, contudo, Bruxelas diz que o risco é baixo “graças às reformas do sistema de pensões implementadas no passado”.
No Relatório de Sustentabilidade Orçamental 2015 publicado esta segunda-feira pela Comissão Europeia – que analisa a forma como deverão evoluir a curto, médio e longo prazo as finanças públicas dos países da União Europeia – Portugal sai com um sonoro sinal de alerta relativamente à sua capacidade para assegurar contas públicas sustentáveis no médio prazo.
Os técnicos da Comissão até mostram estar pouco preocupados com aquilo que pode acontecer no curto e no longo prazo a Portugal, mas relativamente ao médio prazo (definido como a situação a que se assistirá dentro de aproximadamente dez anos) consideram que o país está em “alto risco”, chegando a esta conclusão graças a dois indicadores.
Em primeiro lugar, a Comissão estima que, se Portugal registar até 2026 um saldo estrutural primário (o saldo orçamental que desconta o efeito da conjuntura e não conta com o pagamento de juros) idêntico ao previsto para 2017, que é de um excedente de 1,9% do PIB, a dívida pública irá cair dos valores próximos de 130% do PIB em que se encontra actualmente para 111,8% em 2026.
Apesar desta descida, contudo, uma dívida de 111,8% ainda é considerada muito elevada e será mesmo a maior entre os países da zona euro analisados (a Grécia e Chipre ficaram fora da análise por estarem sujeitos a um programa de ajustamento). Portugal ficaria em 2016 mesmo acima da Itália, que neste momento tem um rácio da dívida mais alto.
A Comissão Europeia alerta ainda que assumir a hipótese de que Portugal irá registar um saldo estrutural primário de 1,9% entre 2017 e 2026 pode ser demasiado optimista. O relatório assinala que em todos os países União Europeia nos últimos 35 anos, apenas um quarto dos saldos ficaram acima de 1,9%. E que, em Portugal, se o saldo estrutural primário acabar por reverter para a sua média dos últimos 15 anos, a dívida pública chegaria a 2026 com um valor de 128,3% do PIB, muito perto do actual.
Em contrapartida, a Comissão assinala que se Portugal viesse a cumprir o objectivo de equilíbrio de médio prazo que foi acordado com Bruxelas, a dívida pública poderia vir a situar-se num valor abaixo de 100% do PIB em 2016.
“O ainda elevado rácio da dívida português no final das projecções (2026), calculado com base na hipótese de uma política orçamental inalterada em que se regista um saldo estrutural primário relativamente elevado por um período longo de tempo, conduz a que o país esteja em alto risco no que diz respeito às projecções de médio prazo para a dívida”, afirma o relatório.
Feitas as contas ainda de outra maneira, a Comissão calcula que, se Portugal quisesse atingir uma meta de dívida pública de 60% do PIB até 2030, teria de registar no espaço de cinco anos uma melhoria do excedente estrutural primário de 4,7 pontos percentuais. Esta seria uma meta, diz a própria Comissão, “extremamente ambiciosa”, já que esse valor apenas foi registado em 1% dos casos, quando se olha para todos os saldos apresentados pelos países da EU nos últimos 35 anos.
Este deverá ser um dos temas em destaque na visita que uma equipa de técnicos da Comissão Europeia está, desde esta segunda-feira, a fazer a Portugal. A missão, que deverá desenrolar-se nos próximo dez dias, já teve as suas primeiras reuniões técnicas, e servirá, não só a para a realização do relatório de monitorização pós-programa (feito em conjunto com o FMI e o BCE) como também para as análises realizadas por Bruxelas no âmbito do Semestre Europeu, incluindo a análise do esboço do OE entregue na semana passada.
Risco baixo no longo prazo
Se Portugal é um dos 11 países da UE onde é identificado um “alto risco” na sustentabilidade orçamental no médio prazo, no que diz respeito ao curto prazo e ao longo prazo consegue obter avaliações positivas.
No curto prazo, o risco baixo que é identificado acompanha o de todos os outros países analisados e resulta do facto de não haver uma pressão significativa durante o próximo ano ao nível da dívida pública que atinge a maturidade, dando ao país uma conjuntura relativamente confortável em termos de financiamento.
No longo prazo, Portugal consegue, de acordo com a análise de Bruxelas, ficar entre os 11 países onde o risco identificado na sustentabilidade orçamental é “baixo”.
Neste caso, as contas feitas apontam para que Portugal, para garantir finanças públicas sustentáveis no longo prazo, precise de ajustar o saldo estrutural primário de forma relativamente modesta. A explicação para esta facilidade está na forma como está neste momento desenhado o sistema de pensões português, que parece mostrar-se capaz de responder financeiramente à tendência de envelhecimento da população.
“A despesa com saúde é a componente do custo com envelhecimento que colocaria alguma pressão na sustentabilidade das finanças públicas, ao passo que as reformas recentemente legisladas no sistema de pensões parecem ser bem-sucedidas a manter a despesa num rumo sustentável”, afirmam os técnicos da Comissão.
Apesar desta análise, Portugal tem sido em diversas ocasiões, tanto pela Comissão Europeia como pelo Fundo Monetário Internacional, aconselhado a realizar mais reformas no sistema de pensões que tornem o sistema financeiramente mais sustentável. O anterior Governo defendeu mesmo a necessidade de adoptar medidas no valor de 600 milhões de euros este ano, por forma a garantir o reequilíbrio das contas no sistema.
No relatório, a CE não diz a que reformas "recentemente legisladas no sistema de pensões" se refere. Desde 2005 que tem havido uma preocupação de mudar as regras e aproximar o regime do Estado do regime geral da Segurança Social. Em 2007 foi feita uma mudança bastante profunda do sistema de pensões, que permitiu tirar Portugal da lista de países da UE cujos sistemas estavam numa situação de alto risco. Introduziu-se o factor de sustentabilidade no cálculo das reformas, acelerou-se a transição para a nova fórmula de cálculo com base em toda a carreira contributiva e agravaram-se as penalizações das reformas antecipadas.
Durante o período da troika, tentou-se fazer outra reforma no sistema, mas essa intenção acabou por ficar pelo caminho. As medidas centraram-se sobretudo em cortes nas pensões (mais altas), congelamento das pensões mais baixas (excepto algumas pensões mínimas) e na suspensão das reformas antecipadas. Ainda assim foram tomadas algumas medidas mais estruturais: alterou-se a fórmula de cálculo do factor de sustentabilidade e, com isso, a idade da reforma passou a aumentar todos os anos (passou de 65 anos, em 2014, para 66 anos e dois meses em 2016).