Processo da EDP para pôr clientes a pagar tarifa social começa em Abril

Eléctrica quer recuperar nas facturas 631 mil euros que as centrais com contratos de longo prazo pagaram em 2011 e 2012.

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Se o tribunal concordar com a queixa, a empresa de electricidade poderá vir a recuperar 631 mil euros nas tarifas dos consumidores Rita França

O diferendo entre a EDP e o secretário de Estado da Energia sobre o financiamento da tarifa social de electricidade (TSE) vai começar a ser julgado no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. A empresa liderada por António Mexia avançou com dois processos contra o anterior secretário de Estado, Artur Trindade (por ter sido ele quem assinou o despacho em causa), com um propósito claro: que o tribunal considere ilegal que as centrais eléctricas com contratos de longo prazo (os chamados CMEC) sejam obrigadas a financiar a TSE. Uma das acções já tem audiência prévia agendada para Abril.

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O diferendo entre a EDP e o secretário de Estado da Energia sobre o financiamento da tarifa social de electricidade (TSE) vai começar a ser julgado no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. A empresa liderada por António Mexia avançou com dois processos contra o anterior secretário de Estado, Artur Trindade (por ter sido ele quem assinou o despacho em causa), com um propósito claro: que o tribunal considere ilegal que as centrais eléctricas com contratos de longo prazo (os chamados CMEC) sejam obrigadas a financiar a TSE. Uma das acções já tem audiência prévia agendada para Abril.

Nos processos consultados pelo PÚBLICO, a EDP diz que as suas centrais com CMEC suportaram um custo de 247 mil euros com a TSE em 2011 e de 384 mil euros em 2012. Se o tribunal der razão à empresa neste dossiê que o novo secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, herdou do antecessor, os dois despachos de homologação dos valores que a EDP tem direito a receber anualmente como parte da remuneração dos CMEC serão considerados nulos, ou anulados, na parte em que excluem os encargos de 2011 e 2012 com a TSE.

O acto é “inconstitucional, ilegal e lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos” da empresa, sustentam os representantes legais da EDP – Produção sobre cada um dos despachos. Se o tribunal concordar, a empresa poderá vir a recuperar estes 631 mil euros nas tarifas, fazendo com que parte do financiamento da TSE recaia sobre os consumidores.

O diploma de 2010 que atribui este encargo aos produtores na proporção da potência instalada não faz distinção entre centrais com e sem CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual, que em 2007 substituíram os contratos de aquisição de energia, ou CAE, quando se avançou para a integração do mercado ibérico de electricidade). Mas a leitura da EDP (a quem cabe a maior fatia do financiamento, tendo em conta a quota de mercado) é que as centrais CMEC devem ficar fora das contas.

“Não está em causa a decisão de o Governo introduzir uma tarifa social, mas tão só a solução encontrada para financiar essa tarifa”, justifica a empresa. As centrais CMEC são empresas em relação às quais a lei entendeu “necessário assegurar uma compensação” pela cessação antecipada dos CAE e, por isso, “o direito ao recebimento dos CMEC deve ser considerado como parte integrante do [seu] património”, diz a EDP, frisando que os contratos “beneficiam da tutela constitucional da propriedade privada”.

Posição vantajosa
Já o Estado, na contestação, recorre ao parecer que Artur Trindade pediu sobre o tema à Procuradoria-Geral da República (PGR) e que diz que a imposição dos custos da TSE aos centros com CMEC “pode ser entendida como uma compensação pelos benefícios e vantagens” que estas empresas já têm, com custos que se repercutem “em todos os consumidores”.

Embora reconheça que teria sido “aconselhável” que o legislador tivesse enunciado “as razões ou fundamentos” do modelo de financiamento que escolheu, a PGR nota que a imputação dos custos da TSE aos produtores “visa dar cumprimento” a objectivos de protecção dos consumidores economicamente vulneráveis previstos no mercado interno de electricidade e justifica-se “por razões de interesse social e económico geral”. Trata-se, por isso, de uma “obrigação de serviço público”, aceitável à luz das regras europeias, e não de um tributo como reclama a EDP, refere o parecer, de Março de 2013.

A PGR conclui então que os custos de financiamento da TSE “não devem” entrar para os cálculos dos CMEC “para que não possam ser repercutidos nos consumidores”. A opção “radica em razões de interesse geral e não ofende o direito de propriedade privada, nem os princípios da segurança jurídica” inscritos na constituição, diz o órgão superior do Ministério Público. Nesta linha, o Estado pede a absolvição do Secretário de Estado da Energia, considerando que os direitos patrimoniais da EDP não saem beliscados “de forma significativa” e que “a sua situação de vantagem concorrencial mantém-se intacta”.

Se por um lado há uma lei que diz que a TSE é paga pelos produtores, há outro diploma que defende que é preciso assegurar o equilíbrio contratual de forma a garantir à EDP benefícios económicos equivalentes aos que teria com os CAE. Se o tribunal entender que este prevalece sobre o primeiro e que os 630 mil euros deverão ser pagos ao abrigo da chamada revisibilidade dos CMEC, então, cria-se o precedente e a empresa conseguirá diminuir os encargos com a TSE. Agora estão em causa milhares de euros, mas no futuro poderão ser milhões, principalmente se o Governo concretizar a medida de tornar automática a adesão à TSE sempre que os rendimentos forem elegíveis.

Poucos beneficiários
De acordo com os dados mais recentes da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), que constam dos documentos das tarifas, dos 706 mil euros suportados pelos produtores com a TSE em 2014, 507 mil euros vieram da EDP, incluindo 278 mil euros de centrais CMEC. A seguir-se a lógica, este será um valor que a EDP procurará recuperar nas facturas da luz.

Já para este ano, a ERSE, estima que a TSE custe 32 milhões às empresas (tendo em conta um universo de 521 mil famílias), dos quais 23,2 milhões se referem à EDP (10,8 milhões nos CMEC e 12,4 milhões nas restantes centrais). Contudo, os descontos tardam em chegar às 500 mil famílias que o anterior Governo se propôs alcançar com a medida, o que levou a ERSE a aplicar, em Dezembro, uma coima de 7,5 milhões de euros à EDP, acusando-a de infracções na atribuição da TSE. No final de 2014 “houve uma queda drástica” do número de beneficiários, de 90 mil para 45 mil, e os alarmes soaram na ERSE. “Ficámos preocupados”, explicou recentemente o regulador, Vítor Santos, no Parlamento.

Os números só melhoraram “a partir do momento em que fizemos a investigação e abrimos o processo [contra a EDP]”, explicou. “A empresa “reagiu positivamente” e os beneficiários foram aumentando: eram 45 mil em Abril, 60 mil em Junho e, no final do terceiro trimestre, 85 mil. Quando, em Dezembro, anunciou que pretendia recorrer da coima da ERSE, a EDP garantiu que tinha mais de 90 mil clientes “beneficiados por descontos sociais”, com uma estimativa de atingir 100 mil no final do ano.

Os CMEC têm uma componente fixa que é paga todos os anos e outra que é revista anualmente e paga em exercícios posteriores. Esta parcela de acerto serve para compensar os desvios entre o que a empresa ganhou com a venda de energia em mercado e aquilo que teria ganho com os CAE e é aqui que a empresa quer incluir o custo da TSE. Seja qual for o mecanismo – parcela fixa ou ajustamento anual – para o sistema eléctrico, ou seja, para os consumidores, o resultado é sempre o mesmo: mais cedo ou mais tarde, estas compensações à EDP serão pagas através da factura da luz.

Apesar de o número de centrais com CMEC estar a diminuir em consequência do fim dos contratos (em 2013 acabaram três CMEC e em 2015 outros oito, estando em vigor um total de 19, dos quais 17 são da EDP), estas remunerações garantidas continuam a representar uma das maiores fontes de receita da EDP. Até Setembro de 2015, o resultado operacional da empresa no segmento de produção contratada de longo prazo (onde estão os CMEC) foi de 349 milhões de euros, muito superior ao das actividades liberalizadas, que atingiu 125 milhões, num resultado operacional global de 1,9 mil milhões.