Os homens que se cuidem

Há um renascimento do homem na moda, uma menaissance, na qual o distintivo lenço de bolso volta a ganhar lugar. Séries como Mad Men e o lento despertar da crise económica com uma maior abertura ao consumo ajudam a explicar a tendência.

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Na revolução silenciosa que na última década se operou na forma de vestir dos homens, um pequeno estandarte, quadrado e com padrão nem sempre discreto, ganha lugar na linha da frente. O lenço de bolso, ou o muito britânico pocket square, está a espreitar – na passadeira vermelha nos Óscares, nas ruas das grandes cidades ou nas novelas, vive “um ressurgimento”, considera o professor de moda Paulo Morais Alexandre. As vendas aumentam, há mais oferta, há Mad Men e James Bond.

Como escrevia já em 2013 o Los Angeles Times, esse “floreado de plumagem no bolso do peito dos casacos outrora pertencia à velha guarda”, mas agora é uma peça comum “em várias tribos urbanas ou em homens sem tribos que gostem de cuidar da sua imagem”, completa o blogger português João Jacinto Ferreira. Foi capa de revista na Rolling Stone com Marcus Mumford dos Mumford & Sons ou na GQ com o actor Chris Pratt, e foi aos Óscares de 2015 ao peito de Mark Ruffalo, Michael Keaton, Terence Howard, Robert Duvall e Steve Carell.

Diferentes gerações e em diferentes situações, às quais se junta o futebolista e hedonista Cristiano Ronaldo na gala FIFA da semana passada para a entrega da Bola de Ouro (que foi para Messi, sem lenço de bolso) ou a personagens como a de Rogério Samora na novela Poderosas ou de Joaquim Horta em Coração D’Ouro, ambas da SIC.

As influências que levam a esta nova vida do lenço de bolso, como em muitas das histórias recentes sobre a menaissance (uma expressão usada para referir o “renascimento” do homem na moda), distribuem-se tanto pela cultura popular da série Mad Men – “nenhum outro programa de televisão teve tal efeito no estilo masculino”, diz Robert Johnson, director de estilo da edição britânica da GQ numa edição recente da revista – quanto pela economia mundial e pelo clima financeiro.

“Na moda há movimentos de longa e curta duração, como na economia, e o aparecimento do lenço hoje pode ser visto como um epifenómeno do fim de um ciclo longo da moda”, explica ao PÚBLICO Paulo Morais Alexandre, professor de História da Moda e Dramaturgia do Figurino na Escola Superior de Teatro e Cinema. O ciclo longo são os códigos da elegância masculinos, mais estáveis, explica, e se o lenço de bolso “é uma peça que teve um ocaso”, o seu regresso enquadra-se num momento em que há um “desejo do consumo e o lenço pode funcionar como sucedâneo económico – é muito mais barato do que uma gravata” e permite variedade.

Actualmente, defende, “o lenço é uma mensagem de que a pessoa se cuida, se preocupa”, como nos anos 1980 se usava o foulard numa altura em que “a gravata surgia como sendo muito formal e se usava a camisa aberta com o lenço ao pescoço – algo que hoje é anacrónico, passou de moda”. Ou, recua ainda mais, no tempo de Luís XIII, se apostava “num desalinhado propositado como a barba de três dias, por exemplo”.

O que aconteceu para que, de repente, as vendas de lenços de bolso duplicassem no site de moda de luxo masculina Mr.Porter, ou na Tie Bar, que também vende online? “Existe um movimento na moda que abriu caminho para este redescobrir dos acessórios e da elegância masculina que foi o recuperar da imagética dos anos 1960”, diz João Jacinto,  autor do blogue de moda masculina Gentleman’s Journal. E menciona o impacto visual de Mad Men ou da personagem de James Bond – o agente 007, que tanto sucesso voltou a ter no cinema com Daniel Craig (outro adepto do lenço de bolso), e que “traz ao homem o paradigma do gentleman que pensa no pormenor”.

Além da nostalgia 60s nos ecrãs, há também uma crise a marcar os últimos anos. “Como aconteceu com [a era de] Luís XIV, o 25 de Abril ou até o cavaquismo”, a situação financeira e política fez-se sentir na moda. “Passámos por um período absolutamente cinzento, de limitação total do consumo e, de repente, é precisa liberdade”, reflecte Morais Alexandre. 

Um novo gentleman

Os primeiros relatos sobre este quadrado de tecido têm como protagonistas os egípcios mais ricos de há quatro mil anos, passando depois para as mãos dos mais abastados da Grécia e Roma antigas. Séculos volvidos, os turcos começaram a usar por volta de 1830 os precursores dos lenços de bolso que hoje conhecemos, estendendo-se depois a sua utilização ao resto da Europa – e é na viragem para o século XX que ganham o seu espaço no casaco dos fatos de homens comuns e de ícones como Cary Grant. Mas, de facto, o casual 90s venceu-os e só há cerca de uma década começou a assinalar-se o seu regresso mais alargado – foi nessa altura que o Google Trends começou a registar o aumento de buscas por “pocket square”, como assinala a revista Esquire. Sinal dos tempos, das influências e da contaminação da informação sobre moda, o primeiro post do influente blogue de street style The Sartorialist, de Scott Schuman, era de um homem que usava um lenço de bolso.

No advento da força da moda masculina, o lenço de bolso é “um ornamento, um acessório, um complemento”, enumera João Jacinto. É uma evidência mas, lamenta, numa área em que em Portugal ainda pouco se investe. Mas já há marcas atentas ao mercado. “Não é uma tendência, mas sim um detalhe intemporal que está a ganhar cada vez mais adeptos e que perdurará certamente”, frisa ao PÚBLICO André Costa, designer e criador da Lobo Marinho, uma marca portuguesa de lenços de bolso de algodão, com padrões que vão do sóbrio ao mais extravagante.

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“O maior equívoco acerca dos acessórios masculinos é a ideia de que os homens não se preocupam com eles”, diz ao jornal especializado Women’s Wear Daily John Varvatos, designer do ano 2015 na área dos acessórios para o Council of Fashion Designers of America. Segundo dados da consultora NPD Group, as vendas mundiais de acessórios masculinos aumentaram 8% em 2015, em comparação com o ano anterior. 

O crescimento do mercado de moda masculina, onde se inserem os acessórios, deve-se, também, à própria mudança do conceito do gentleman, considera Rui Barbosa, da Barbarossa, uma marca “100% portuguesa” com gravatas, laços e lenços de bolso. “O english gentleman era conservador; agora os gentlemen podem ter barba, vestir fato ou não”, continua, dando exemplos. Há norte-americanos que usam estes quadrados de 25 centímetros de seda ou algodão no bolso das calças, e clientes seus – os coleccionadores de lenços de 60 anos que compram todos os modelos ou os jovens na casa dos 25, 30 anos que “procuram um lenço de bolso para um evento específico ou para arrojar no dia-a-dia”. E há ainda “o público gay, mais receptivo a padrões ousados, a cores fortes”.

Este “ressurgimento estético” do lenço de bolso deve-se, na opinião de José Cabral, autor do blogue O Alfaiate Lisboeta, ao “surto de publicações masculinas nascidas nos últimos anos que incluem as expressões gentleman ou dandy”, e, por conseguinte, à “sensibilidade mais arrojada do consumidor”, enfatiza o designer André Costa. “À semelhança do que tem sucedido também com a gravata, que tem sido cada vez mais dispensada por quem usa fato e adoptada, aqui e ali, por quem se veste de forma mais casual”, compara o blogger português José Cabral, “a utilização do lenço de bolso transcendeu o registo mais formal ou clássico ao qual continuará sempre associado”.

Guia de utilização

Quando Rita Lameiras, figurinista da novela Poderosas, recebeu o perfil da personagem José Maria de Sousa e Ataíde, soube que o lenço de bolso seria importante para “criar o boneco” que viria a ser a personagem de Rogério Samora — para cuja composição, aliás, o actor também contribuiu. “O lenço de bolso voltou em força, recentemente”, atesta a figurinista ao telefone com o PÚBLICO, e “é um apontamento” do vilão José Maria, pode “substituir a gravata e dar uma graça, uma cor”.

“Perdeu-se o formalismo”, diz por seu turno Rui Barbosa, da marca Barbarossa. “O lenço de bolso agora usa-se para dar um toque de sofisticação ao dia-a-dia de um homem”, independentemente da sua idade.

Dá contraste a um fato, dá personalidade a um blazer simples, a um casaco ou camisa. “Só ter uma pontinha do lenço à mostra já muda tudo. É uma forma mais simples, mais barata, rápida e prática de alterar um outfit, de o personalizar, de lhe dar cor.”

Há várias maneiras de dobrar o lenço: “Quadrangular, puff, puff inverso ou de um até quatro triângulos”, vai enumerando André Costa, da Lobo Marinho, cujos lenços de bolso que vende têm padrões “com uma componente ilustrativa”. Chamam-se Mr. Veggie, Mr. Skyfall, Mr. Delhi, Mr. Goodfella ou Mr. Strangelove. “De certa forma, cada lenço representa um modelo ideal de gentleman com que o cliente se identificará mais”, justifica. Já os quadrados de bolso da Barbarossa, peças de edição limitada onde os padrões também imperam, vêm com um guia que ensina três maneiras de dobrar o lenço: a clássica, com dois bicos ou desestruturada.

O lenço de bolso “adiciona valor estético e emoção ao look, para além de criar obviamente impacto visual”, complementa André Costa. 

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