Dinamarca pronta para aprovar leis anti-refugiados contra vontade da UE
Governo e apoiantes da extrema-direita instituem confisco de bens nas fronteiras, aumentam período para reunião de famílias e reduzem subsídios de integração.
Depois de a Hungria ter construído vedações de arame farpado ao longo das suas fronteiras, no Verão do ano passado, a Dinamarca é agora o centro das atenções na batalha em curso na Europa sobre a forma de lidar com a chegada de centenas de milhares de refugiados e migrantes.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Depois de a Hungria ter construído vedações de arame farpado ao longo das suas fronteiras, no Verão do ano passado, a Dinamarca é agora o centro das atenções na batalha em curso na Europa sobre a forma de lidar com a chegada de centenas de milhares de refugiados e migrantes.
Esta quinta-feira, os deputados discutiram pela última vez as polémicas propostas de alteração às leis de acolhimento, e o consenso da maioria é evidente: na próxima terça-feira, o Parlamento vai aprovar medidas como a confiscação de bens pessoais na fronteira e o alargamento para três anos do prazo de espera para que um refugiado possa pedir para reunir a sua família na Dinamarca – um processo que pode demorar anos a partir do momento em que o pedido é feito.
Estas novas medidas fazem parte de um pacote mais abrangente prometido durante a campanha eleitoral no ano passado, que acabaria por levar ao Governo o partido Venstre, do centro-direita. Apesar de ter sido apenas a terceira formação mais votada, o Venstre governa o país em minoria mas com o apoio parlamentar do Partido do Povo Dinamarquês, de extrema-direita e declaradamente xenófobo e anti-imigração.
A medida que tem motivado mais controvérsia é a autorização para que os guardas fronteiriços revistem as malas de pessoas que pretendem pedir o estatuto de refugiados, em busca de dinheiro e bens de valor superior a 10.000 coroas dinamarquesas (1340 euros). Se não forem considerados bens com "valor sentimental", as jóias ou aparelhos como computadores, relógios e telemóveis serão confiscados para ajudar o Estado dinamarquês a suportar os custos da sua permanência no país, segundo a versão do Governo e dos seus apoiantes.
Mas as organizações de defesa dos direitos humanos e as Nações Unidas estão particularmente preocupadas com outras medidas, que consideram ser mais prejudiciais para uma integração na sociedade dinamarquesa – e que podem vir a ter o efeito contrário ao anunciado.
A mais controversa é o aumento de um para três anos do período de espera para que um refugiado possa pedir oficialmente que a sua família se junte a ele na Dinamarca. Esta lei aplica-se a pessoas que já obtiveram o estatuto de refugiados de guerra, e pode violar o Artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante o direito à vida em família, segundo organizações como a Human Rights Watch. Para além disso, as leis que vão ser aprovadas na próxima semana afectam também os filhos dos refugiados, o que pode colidir com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
"A comunidade internacional deve denunciar a Dinamarca no momento em que ela inicia uma corrida para o fundo. A Dinamarca foi um dos principais defensores da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, mas o seu governo está agora descaradamente a criar entraves à segurança e ao bem-estar de famílias de refugiados", disse Gauri van Gulik, director adjunto da Amnistia Internacional na Europa e Ásia Central.
Para além de confiscar bens de pessoas em busca do estatuto de refugiados e de fixar em três anos o prazo mínimo para a reunificação de famílias (num processo que leva geralmente alguns anos a ficar concluído a partir do dia em que o pedido é feito), a Dinamarca já reduziu os apoios financeiros do Estado à integração no seu país. No ano passado, o Governo do primeiro-ministro Lars Lokke Rasmussen viu ser aprovado no Parlamento o fim do subsídio de desemprego para os requerentes de asilo, substituindo essa prestação social por um "subsídio de integração", com cortes de até 45% nos valores.
Em vez das 10.849 coroas (1450 euros) pagas até então, o país começou a pagar 5945 coroas (796 euros) antes de impostos a um refugiado sem família. Em comparação, um funcionário de uma cadeia de fast food recebe cerca de 18 euros por hora (a Dinamarca não tem salário mínimo universal fixado por lei, sendo esse valor resultante das negociações entre empresas e sindicatos), e o salário mensal médio é equivalente a 3705 euros líquidos.
Em sua defesa, o Governo diz que o novo "subsídio de integração" vale também para dinamarqueses que não tenham vivido sete dos últimos oito anos no país, e que o cheque é o mesmo que os estudantes dinamarqueses recebem. Mas a Cruz Vermelha considera que os casos não podem ser vistos da mesma forma, porque os estudantes podem procurar trabalho e contar com o apoio das suas famílias, por exemplo.
"A Cruz Vermelha está preocupada com a proposta, que vai contribuir para o aumento da pobreza na Dinamarca e que terá consequências negativas para a integração dos recém-chegados e para a sua participação na sociedade. Para além disso, não está provado que a proposta venha a ter algum efeito significativo no número de pessoas que escolhem pedir asilo na Dinamarca", alertou Anders Ladekarl, responsável pela Cruz Vermelha dinamarquesa.