Binyam é agora Benjamim e começou uma "vida nova" em Penafiel
Casal da Eritreia chegou a Portugal em Dezembro, e já está instalado num t1 no centro histórico de Penafiel. Benjamim Abebe diz que este é o “começar de uma vida nova”.
Quando Binyam Abebe, ou Benjamim – nome adaptado que acabou por pegar – deixou a Eritreia com a mãe aos oito anos, ainda não entendia porque estava a abandonar o país onde nasceu. “Ela só me dizia: meu rapaz, aqui não vejo uma boa vida para ti”. Hoje, o eritreu com 26 anos compreende que se tivesse ficado não seria para estudar, mas “para aprender a usar armas”.
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Quando Binyam Abebe, ou Benjamim – nome adaptado que acabou por pegar – deixou a Eritreia com a mãe aos oito anos, ainda não entendia porque estava a abandonar o país onde nasceu. “Ela só me dizia: meu rapaz, aqui não vejo uma boa vida para ti”. Hoje, o eritreu com 26 anos compreende que se tivesse ficado não seria para estudar, mas “para aprender a usar armas”.
Benjaminm faz parte do grupo de 24 refugiados que, em Dezembro, chegou a Portugal no âmbito do Programa de Relocalização de Refugiados da União Europeia, e é um entre os cerca de meio milhão de eritreus que, de acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR, abandonou o país nos últimos anos.
Sob um regime de ditadura militar desde 1993, altura em que a Eritreia conseguiu independência da Etiópia depois de três décadas de conflito (que acabou em 1991), ali “tudo é feito à força, tens de te tornar um soldado”, afirma Benjamim, que escapou ao que seria provavelmente uma vida ao serviço do governo liderado pelo ditador Issayas Aferworki, ex-guerrilheiro e líder da PFDJ – Frente Popular para a Democracia e a Justiça.
Sem Parlamento e num sistema controlado pelo executivo, o regime foi acusado pela ONU, em relatório emitido em Junho do ano passado, de governar os eritreus “não pela lei, mas pelo medo”, e de cometer crimes contra a humanidade durante o “trabalho forçado” ao qual submete os seus cidadãos por tempo indeterminado ao serviço militar.
O pai de Benjamim, soldado e opositor ao governo, esteve preso durante três anos e acabou por ser assassinado perto de casa, o que levou a mãe a fugir com o pequeno para a Etiópia, onde foram acolhidos como refugiados. Benjamim viveu cerca de dez anos no país vizinho, onde diz que teve oportunidade de estudar engenharia industrial. “Foi bom para mim. A Etiópia tem a mesma cultura e as mesmas tradições”, mas o plano de rumar à Europa, onde tem tios na Finlândia e no Reino Unido, manteve-se.
Da Etiópia, Benjamim partiu para o Sudão, onde conheceu Selam Melkamu, que ali trabalhava como cabeleireira. Os jovens casaram-se, e Benjamim enfrentou o percurso de tantos outros: cruzar deserto e mar até chegar a solo europeu. Selam iria encontra-lo mais tarde.
“É uma longa jornada, e é horrível…” As palavras esgotam-se pela barreira da língua e pela nítida dificuldade em traduzir em qualquer idioma que seja as experiências de uma viagem como esta. Benjamim revela que foi ao cruzar o Sahara para chegar a Trípoli que assistiu à morte de oito companheiros de viagem, somalis, que durante a noite tentaram escapar dos traficantes líbios que guiavam o grupo de 400 pessoas pelo deserto. “Foi a primeira vez que vi alguém a morrer na minha frente”, confessa.
Da Líbia, Benjamim guarda um sentimento de rancor e recordações visíveis no corpo. À terceira vez que tentou apanhar um barco em Trípoli para chegar à Europa, foi preso pelas forças líbias e ficou detido por nove meses. Sem entrar em detalhes sobre esses dias, dos quais guarda marcas no corpo, o eritreu só encontra uma comparação: “Ratos. Os líbios são como ratos, sabem? Não se importam com a vida humana, só querem saber do dinheiro”.
Quatro mil e quinhentos dólares depois e já com Salem do seu lado, que entretanto viajou até Trípoli, o casal conseguiu apanhar um “pequeno barco de plástico” na quarta tentativa de cruzar o Mediterrâneo para encarar “uma viagem extremamente perigosa e arriscada, que não se paga só com o dinheiro, mas com a vida” até desembarcarem na pequena ilha italiana de Lampedusa.
“Não vou a lado nenhum”
Numa jornada que durou quase metade da sua vida, Benjamim chegou a Penafiel, no Porto, a 17 de Dezembro, e está sem intenções de se mudar. Decidido a “começar uma vida nova” e independente em Portugal, a sua primeira opção de destino, o eritreu deixou para segundo plano a Finlândia e o Reino Unido, onde tem família, para recomeçar com a esposa – a jovem de 22 anos que se mostra mais reservada a conversas – num ambiente mais calmo e “sem tantos refugiados”. Depois de admitir ter sido alvo de discriminação na Itália, e a par dos eventos recentes na Alemanha, Benjamim encontrou em Penafiel um lugar pacato e acolhedor. “Não vou a lado nenhum”, afirma o jovem.
A opção surgiu porque Benjamim já tinha ouvido falar do país, conhecia o Cristiano Ronaldo, sabe quem é o Mourinho, e seguindo as pisadas do Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Penafiel, Júlio Manuel Mesquita, já se converteu ao Sporting. Apesar de as aulas de Português não terem ainda começado, Benjamim já diz o “bom dia” e o “boa noite”, e o “pingo” e o “café”, que pede num estabelecimento perto de casa, do qual já se diz “cliente” em jeito de brincadeira.
O casal instalou-se num apartamento T1 da Santa Casa, no centro histórico da cidade, no passado dia 5 de Janeiro, depois de uma temporada no Lar de Santo António dos Capuchos que o Provedor Júlio Manuel Mesquita diz ter servido “para que a inserção dos dois fosse feita de maneira mais progressiva, com a envolvência de funcionários, e connosco, da direcção”. O Provedor adianta que a comunidade tem sido receptiva: “Uma loja de desporto local ofereceu-lhes as roupas que queriam comprar, e um estabelecimento vizinho cedeu edredons para o Inverno”.
Enquanto aguardam a declaração de residência provisória, que lhes irá dar acesso ao mercado de trabalho, Selam e Benjamim já fizeram exames médicos e começaram a rotina diária de cozinhar e tratar da casa, onde têm Internet e mantêm contacto com amigos e familiares. Num processo de adaptação estipulado para os próximos 18 meses, o Provedor admite-se positivo: “Confiamos que tudo vai dar certo e é uma alegria grande que a Santa Casa tem em contribuir minimamente para este drama mundial”.
Referindo-se às transições no SEF e no próprio governo, Júlio Mesquita mencionou que, apesar dos atrasos nas ajudas de bolso, “acima de tudo está o acto de misericórdia, deste acolhimento ser prestado para responder ao apelo da comunidade internacional, e nacional”.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas