Restaurantes junto ao Tejo já vão em três pisos em vez dos dois aprovados
De acordo com os avisos colocados no local, os novos edifícios que separam o rio da linha férrea terão três pisos. O projecto não está a ser respeitado e a câmara admite embargar a obra. Explicações da autarquia não são claras.
Seis meses depois da acesa polémica motivada pela aprovação, apenas com os votos da maioria, da ampliação dos antigos restaurantes BBC e Piazza di Mare, em Belém, a dimensão da obra já surpreende quem passa. Não só a altura e o número de pisos parecem ultrapassar largamente aquilo que foi aprovado pela Câmara de Lisboa, como os avisos obrigatoriamente afixados no local pelo promotor, com indicação das principais características da obra, justificam os maiores receios por parte de quem segue o caso.
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Seis meses depois da acesa polémica motivada pela aprovação, apenas com os votos da maioria, da ampliação dos antigos restaurantes BBC e Piazza di Mare, em Belém, a dimensão da obra já surpreende quem passa. Não só a altura e o número de pisos parecem ultrapassar largamente aquilo que foi aprovado pela Câmara de Lisboa, como os avisos obrigatoriamente afixados no local pelo promotor, com indicação das principais características da obra, justificam os maiores receios por parte de quem segue o caso.
De acordo com os avisos colados nos tapumes, os edifícios em construção entre a Av. de Brasília e o rio, mesmo em frente da Cordoaria Nacional, vão ter uma área de construção de 3327 m2, num dos casos, e de 2207 m2 no outro, num total de 5534m2. Ora o que a câmara aprovou em 15 de Julho passado, por proposta do vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, foi uma superfície de pavimento de 2140 m2 para o primeiro e de 1352 m2 para o segundo, num total de 3492 m2 .
Sendo certo que a ampliação aprovada – com demolição da maior parte dos pavilhões preexistentes – já correspondia a um aumento de área de 1588 m2, mais 83% do que os 1904 m2 que lá estavam, a obra a que se referem os avisos terá uma área total de 5534m2. A ser assim, isto quereria dizer que a ampliação não seria de 83%, mas sim de 191%, correspondente a mais 3630 m2. Ou seja, a área total quase triplicaria.
Explicações confusas
Ao fim do dia desta terça-feira, porém, a câmara garantiu ao PÚBLICO que não está em causa qualquer aumento da área construída, mas apenas a utilização de “indicadores diferentes, com diferentes definições” por parte da autarquia e do promotor. Esses indicadores são os da “superfície de pavimento” e da “área de construção”. É certo que as propostas de Salgado se referem a aumentos de “superfície de pavimento” e os avisos exibidos no local falam em “área de construção”.
Mas não está só em causa a área de construção. As propostas de Manuel Salgado referiam que o único piso dos antigos pavilhões – que depois das obras serão ligados por um passadiço por cima do espaço público e não pela estrutura em forma de golfinho inicialmente prevista – daria lugar a dois pisos, através da criação de um piso intermédio, em “mezanino”. Ora, aquilo que lá se vê são indiscutivelmente três pisos e é isso que a autarquia agora diz que foi autorizado.
Outra discrepância prende-se com a altura dos edifícios. As informações técnicas dos serviços da câmara indicavam, em 2015, que o projecto prevê uma “altura de fachada” superior a dez metros, o que, naquele local, constitui uma violação do Plano Director Municipal. A única maneira de ultrapassar esse incumprimento e também aquele que resulta do aumento da área construída preexistente – que é igualmente interdito na zona ribeirinha consistia na declaração pela câmara da “excepcional importância” da obra para a cidade, conforme dispõe o Art.º 53.º do PDM, coisa que não foi feita.
Acresce que os avisos referidos indicam que um dos imóveis tem a “altura de fachada” de 7,25 metros e o outro 6,90 metros. Para explicar este facto, a câmara argumenta também com a diferença dos indicadores usados: “altura da fachada” e “altura da edificação”. De acordo com o gabinete de Manuel Salgado, as “alturas máximas licenciadas” são 9,65m e 10,00m.
Salgado remete a distinção entre os conceitos relativos às áreas e às alturas dos edifícios para o Decreto Regulamentar 9/2009 e para Regulamento do PDM.
Sucede que o decreto em causa, que define os “conceitos técnicos a utilizar na área do ordenamento do território e urbanismo”, não usa sequer o conceito de “superfície de pavimento”. Já no PDM de Lisboa, este indicador é descrito como sendo a “área, abaixo ou acima da cota de soleira, medida em m2, pelo perímetro exterior das paredes exteriores (...) incluindo armazéns e arrecadações e excluindo varandas, áreas em sótão e em cave sem pé direito regulamentar e espaços exteriores cobertos de utilização colectiva (alpendres, telheiros e terraços cobertos)”.
Quanto à “área de construção” inscrita nos avisos, trata-se de um conceito que o decreto regulamentar define como “o somatório das áreas de todos os pisos (...) e inclui os espaços de circulação cobertos (...) e os espaços exteriores cobertos (alpendres, telheiros, varandas e terraços cobertos”.
Comparando-se a "superfície de pavimento" definida no PDM com a "área de construção" do decreto regulamentar, terá de se concluir que a diferença de 2042 m2 existente entre o total da superfície de pavimento aprovada (3492 m2) e o total da área de construção inscrito nos avisos (5534 m2) corresponde fundamentalmente a um conjunto particularmente generoso de "alpendres, telheiros, varandas e terraços cobertos".
Voltando ao PDM, verifica-se que aí não há qualquer definição para “área de construção”, dizendo-se, porém, que “a área total de construção (...) desagrega-se (...) em superfície de pavimento, áreas de estacionamento e áreas exteriores cobertas de utilização colectiva e áreas técnicas”.
Uma vez que os restaurantes em construção não dispõem de áreas de estacionamento, a referida diferença de 2042 m2 explicar-se-ia, no confronto das duas definições do PDM, com as também generosas "áreas exteriores cobertas de utilização colectiva e áreas técnicas".
No que respeita à “altura da fachada” e à “altura da edificação”, o decreto regulamentar conta a primeira desde o chão até ao beirado (ou equivalente) e a segunda até ao “ponto mais alto do edifício”, incluindo “os elementos edificados na cobertura”, com exclusão da chaminés e elementos decorativos. A resposta da câmara ao PÚBLICO fala em “altura máxima licenciada”, o que só pode querer dizer “altura da edificação”, uma vez que esta é sempre superior.
No entanto, o parecer dos técnicos camarários já citados utiliza o conceito de “altura de fachada”, que dizia ultrapassar os dez metros, e o aviso do promotor usa esse mesmo indicador, quantificando-o apenas em 6,90 m num caso e em 7,25 m no outro.
Apesar da diferença de conceitos invocada pelo gabinete de Manuel Salgado para justificar as discrepâncias entre todos estes números se mostrar insuficiente e reforçar as dúvidas que este processo suscita desde o início, a câmara afirma que, “na inspecção realizada à obra, se verificaram desconformidades com o projecto aprovado”. O requerente, acrescenta a autarquia, “foi convidado a apresentar as alterações introduzidas para serem apreciadas, sob pena de embargo da obra”.
Na mesma resposta é assegurado que não se verificou qualquer aumento da superfície de pavimento, havendo antes uma “diminuição” não quantificada. A única desconformidade identificada terá sido “a altura de caixa do elevador do edifício”, que não corresponde ao projecto aprovado.
Árvores vão ser abatidas
As dezasseis árvores existentes na zona da obra vão ser abatidas, ou transplantadas. O pedido de autorização de abate deu entrada nos serviços do vereador José Sá Fernandes a 12 de Dezembro e teve resposta dois dias depois. Segundo o assessor de imprensa do autarca, João Camolas, foi autorizado o abate de dez exemplares “com problemas fitossanitários”. Estas dez árvores terão de ser substituídas por outras, que serão plantadas em local a definir pelos serviços camarários e a expensas do promotor. Quanto às outras seis, a mesma fonte afirma que serão podadas e tratadas, ficando onde estão apenas aquelas que “não interferirem com a obra”. A justificação para o abate das 16 árvores, de acordo com o pedido de autorização, é a seguinte: “A totalidade das árvores encontra-se dentro do perímetro da obra (...). A necessidade de abate de parte das árvores tem que ver com a relocalização de estruturas do edificado (...).” Algumas delas já foram abaixo.
O texto original foi alterado com a clarificação dos conceitos de área de construção e superfície de pavimento e respectivas consequências