Nações Unidas denunciam "número obsceno" de civis mortos no Iraque

Relatório calcula que o Estado Islâmico mantém cerca de 3500 pessoas em regime de escravatura. Nos últimos dois anos, violência matou mais de 19 mil pessoas no país.

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Sabah Arar/AFP

O novo relatório das Nações Unidas sobre o Iraque fala de uma realidade já conhecida, mas os números que condensa ajudam a explicar por que há tantas pessoas em fuga do país. Perto de 19 mil civis foram mortos nos últimos dois anos e são já mais de três milhões os que foram obrigados pela violência a deixar as suas casas. A encabeçar as atrocidades está o Estado Islâmico, que terá em seu poder 3500 pessoas, na maioria mulheres e crianças.

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O novo relatório das Nações Unidas sobre o Iraque fala de uma realidade já conhecida, mas os números que condensa ajudam a explicar por que há tantas pessoas em fuga do país. Perto de 19 mil civis foram mortos nos últimos dois anos e são já mais de três milhões os que foram obrigados pela violência a deixar as suas casas. A encabeçar as atrocidades está o Estado Islâmico, que terá em seu poder 3500 pessoas, na maioria mulheres e crianças.

“Mesmo o número obsceno de mortos não consegue reflectir com exactidão o quão terrível é o sofrimento dos civis no Iraque”, disse Zeid Ra'ad al-Hussein, alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, na apresentação do relatório elaborado em conjunto com a missão da ONU no país, em conflito permanente desde a invasão norte-americana, em 2003. Além da impossibilidade de documentar todas as mortes nas zonas sob controlo do Estado Islâmico, Hussein diz que a estatística só será correcta se incluir os que morreram “por não terem acesso a comida, água ou tratamentos médicos”.

O número de vítimas está ainda abaixo do registado entre 2006 e 2007, no auge da violência entre xiitas e sunitas que colocou o país à beira da guerra civil. Mas o nível de atrocidades agora documentadas ultrapassa em muito aquilo a que o Iraque assistiu na década anterior – não exclusivamente, mas muito por causa do Estado Islâmico, organização jihadista que em 2014 se apoderou de um terço do território iraquiano, proclamando um “califado” que se estende de Mossul, no Norte do Iraque, a Raqqa, no nordeste da Síria.  

“O dito Estado Islâmico continua a cometer actos de violência sistemática e generalizada”, adianta o relatório, que aborda especificamente o período entre Maio e Outubro do ano passado, sublinhando que, “em alguns casos, estes actos configuram crimes de guerra, crimes contra a humanidade e possivelmente genocídio”. Da lista de horrores cometidos pelos jihadistas, que empunham a violência como arma de propaganda e subjugação, fazem parte “horríficos espectáculos públicos, como execuções a tiro, decapitações, pessoas esmagadas com bulldozers, queimadas vidas e atiradas do cimo de edifícios.”

O terror é descrito por famílias que fugiram à guerra, vítimas e testemunhas das atrocidades. Foi através delas que a ONU chegou ao cálculo de civis sequestrados e “mantidos como escravos” pelos extremistas nas zonas que controlam, sobretudo no Norte do Iraque. “Os que foram capturados são predominantemente mulheres e crianças que pertencem em primeiro lugar à comunidade yazidi, mas há também um número significativo de outras comunidades étnicas e religiosas”, adianta o relatório.

Os yazidi, minoria curda que professa uma religião pré-islâmica, foram os primeiros alvos do terror jihadista no Iraque – quando em Agosto de 2014 o Estado Islâmico tomou Sinjar, cidade histórica daquela comunidade, 50 mil pessoas fugiram para as montanhas vizinhas, mas centenas foram executadas e milhares de outras, sobretudo meninas e mulheres foram levadas pelos combatentes.

A ONU diz ter recolhido inúmeros indícios de “violência sexual” cometida contra mulheres e crianças e dá conta de vários relatos que indiciam que entre 800 a 900 crianças foram raptadas em Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, para serem incluídas nas fileiras jihadistas ou doutrinadas na visão radical do islão professada pelo grupo. Apesar dos recentes reveses sofridos às mãos das forças governamentais, “o flagelo do Estado Islâmico continua a matar, atacar, a forçar milhares a fugir de casa e a provocar um sofrimento como não há igual”, lamentou Jan Jarbis, alto representante da ONU no Iraque.

O relatório divulgado nesta terça-feira documenta igualmente inúmeros abusos – incluindo sequestros e execuções extrajudiciais – cometidos pelo Exército, as milícias confessionais e as forças do Curdistão iraquiano e alerta para a situação trágica dos 3,2 milhões de deslocados internamente. Fugidos à guerra ou à violência entre sunitas e xiitas, grande parte deles não conseguem encontrar um lugar seguro para se reinstalar e, mesmo quando isso acontece, são alvos prioritários de detenções arbitrárias ou retaliações.

Prova de que o cancro sectário continua a consumir o Iraque, no mesmo dia em que a ONU divulgou o relatório, o bloco sunita no Parlamento anunciou que vai boicotar as próximas sessões até que o primeiro-ministro, o moderado xiita Haider al-Abadi, desarme a milícia xiita que se apoderou de Muqdadiya, cidade na província de Diyala (Leste). Acusam-na de ser responsável pela morte de mais 40 pessoas nas últimas semanas, numa aparente retaliação por vários atentados contra alvos xiitas na cidade que foram reivindicados pelo Estado Islâmico.

“Este relatório expõe o persistente sofrimento dos civis no Iraque e ilustra de forma flagrante aquilo a que tentam escapar os refugiados iraquianos quando fogem para a Europa e outras regiões”, sublinhou o alto comissário da ONU. “Este é o terror que eles enfrentam na sua terra natal”. Dos mais de um milhão de refugiados que atravessaram o Mediterrâneo em 2015, cerca de 70 mil eram iraquianos, constituindo o terceiro maior contingente, só suplantado pelos sírios e afegãos.