Assemble: “Não importa se é arte, o que importa são as pessoas”
São jovens e partilham mais do que um armazém desactivado na zona este de Londres. Têm em comum uma visão social da arquitectura, inspirada nas comunidades e na construção sustentável. O PÚBLICO foi conhecer o sítio onde se encontram para trocar ideias.
Antes de aceitar a nomeação para a lista de finalistas do Prémio Turner, em Maio do ano passado, o colectivo Assemble quis conversar com os residentes de Granby Four Streets, em Toxteth, um bairro operário degradado nos arredores de Liverpool. Afinal, foram eles que pediram ajuda ao grupo de 18 jovens arquitectos e designers para concretizar o projecto que chamou a atenção do júri: a transformação de uma dezena de casas devolutas em habitações modernas e úteis para a comunidade.
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Antes de aceitar a nomeação para a lista de finalistas do Prémio Turner, em Maio do ano passado, o colectivo Assemble quis conversar com os residentes de Granby Four Streets, em Toxteth, um bairro operário degradado nos arredores de Liverpool. Afinal, foram eles que pediram ajuda ao grupo de 18 jovens arquitectos e designers para concretizar o projecto que chamou a atenção do júri: a transformação de uma dezena de casas devolutas em habitações modernas e úteis para a comunidade.
“Não queríamos que o sítio onde eles vivem se transformasse numa espécie de galeria de arte ou numa atracção turística”, justifica Jane Hall, de 28 anos, uma das fundadoras do colectivo. A conversa correu bem e em Dezembro o grupo subiu ao palco do Tramway, um centro de artes na cidade escocesa de Glasgow, para receber o maior galardão de arte contemporânea do Reino Unido. “Isto não parece real”, comentou uma das arquitectas, à saída da cerimónia. O júri distinguiu o colectivo pela forma como este mostrou “a importância de a prática artística ser capaz de conduzir e moldar questões urgentes”, através da arte, do design e da arquitectura.
Foi a primeira vez que um colectivo de arquitectos venceu o prémio atribuído pela Tate há mais de 30 anos e a polémica não tardou, com dúvidas – dentro e fora da comunidade artística – sobre se um projecto social de recuperação de uma urbanização pode ser considerado arte. Mas a discussão não lhes tira o sono. Não andam à procura de rótulos, não têm tempo para isso. Jane diz que não importa se o trabalho feito em Liverpool é arte, “o que importa são as pessoas.” E acrescenta: “A nossa definição de arte está muito mais relacionada com a abordagem que fazemos aos materiais, ao design e à forma como ele pode envolver o público.” Serão eles artistas? “Nós vemo-nos como facilitadores para o que devia acontecer de qualquer forma, só ajudamos a concretizar.”
Foi isso que fizeram em Granby. Há mais de 20 anos que o município tentava demolir aquela urbanização, tendo obrigado os moradores a sair e deixado as casas a apodrecer. Mas alguns recusaram abandonar a rua. Uniram esforços, criaram uma cooperativa, pintaram fachadas, plantaram jardins, limparam passeios. Precisavam de ajuda para recuperar dez habitações.
“Quisemos visitar as casas e conhecer quem lá mora”, conta Jane Hall. Em 2013, puseram mãos à obra. Fizeram “pequenas coisas que não exigem um grande orçamento, 19 mil libras [25 mil euros] por casa”. Prometeram-lhes patrocínios que nunca chegaram, e de repente tinham muitos planos e pouco dinheiro. Foi aí que nasceu o Granby Workshop, uma oficina onde o entulho se transformou em ombreiras de lareiras, as maçanetas em cerâmica foram cozidas em grelhadores de quintal e os azulejos foram repintados com padrões modernos. Não só para poupar ,mas também porque defendem “uma abordagem sustentável” da arquitectura, interessada na reutilização dos materiais.
A oficina dá agora trabalho a 12 residentes e as encomendas não param de chegar. Cinco das dez casas já estão ocupadas e em Fevereiro ficarão terminadas mais três. Com algum dinheiro do prémio – 25 mil libras, cerca de 33 mil euros – as duas restantes serão transformadas num “jardim de Inverno” para a comunidade. Jane fala como se fosse para eles próprios. “Era o nosso sonho.”
Sistema de pontos para o almoço
Desde o Turner, a caixa de emails do Assemble não pára de se encher. Entre pedidos de entrevista, elogios e pedidos de ajuda, os jovens não têm mãos a medir. Jane Hall recebeu o PÚBLICO na sexta-feira passada, um mês depois do primeiro contacto. “O nosso escritório é pequeno e neste momento estamos sobrecarregados”, avisaram, na primeira troca de emails. A equipa, formada por homens e mulheres entre os 27 e os 30 anos, vai dividindo tarefas, até porque todos têm outros trabalhos em part-time. Dois terços do grupo dão aulas em várias universidades – é por isso que o escritório só tem duas pessoas às dez da manhã.
A sede fica numa antiga oficina de reclamos luminosos, à beira da estrada que atravessa uma área industrial em Stratford, na zona este de Londres, ao lado de um aterro sanitário e perto do Parque Olímpico que acolheu os Jogos em 2012. “The Sugarhouse Studio”, lê-se numa placa na fachada. Não é o típico atelier de arquitectura, nem podia ser.
O edifício de um piso, paredes em tijolo e telhado em fibra de vidro sobre uma estrutura metálica, está dividido em oficinas onde se trabalha madeira, metal, cerâmica, partilhadas com pessoas que não pertencem ao colectivo; uma zona de armazém onde os arquitectos guardam as sobras dos projectos – tábuas de madeira, caixas, papéis, tecidos, até uma bola de espelhos pendurada no tecto; uma sala de reuniões e um escritório com computadores, prateleiras repletas de dossiers e livros, vigiados por uma girafa de metro e meio em pelúcia, uma prenda pelo quinto aniversário do Assemble, celebrado em 2015.
Num canto, uma pequena cozinha onde vigora a lunch rota. Como a zona não tem cafés, muito menos restaurantes, um elemento cozinha para os restantes com base num sistema de pontos – quanto mais refeições come, mais tem de cozinhar. No início da semana, as cinco pessoas com mais pontos estão de serviço ao fogão.“Demora uma manhã inteira cozinhar para tanta gente [cerca de 15 diariamente], mas funciona muito bem”, garante Jane Hall. Democracia ou amizade? Ambas.
Durante algum tempo, o Assemble foi um hobby. Um grupo de amigos formado em Cambridge à procura da porta de entrada num mercado de trabalho difícil, reunido à volta da mesa do café. “Ainda muito idealistas, com vontade de fazer coisas que fugissem do trabalho de escritório, dos desenhos, das reuniões”, lembra a jovem arquitecta. Queriam juntar-se, trocar ideias e construí-las: daí o nome Assemble. Encontraram uma bomba de gasolina desactivada no centro de Londres, pediram ao proprietário que lhes cedesse o espaço temporariamente e no Verão de 2010 dedicaram as férias a montar um cinema pop-up. Nascia o Cineroleum, sem cliente, sem orçamento e sem prazos.
Cada um assumiu um papel e pôs, literalmente, as mãos na massa. Construíram tudo, desde a plateia às cortinas, com a ajuda de patrocínios e voluntários. Foi assim que alguns não-arquitectos se juntaram ao grupo. Um deles tinha conhecimentos de engenharia electrotécnica e ajudou a montar o sistema de som. Outra já tinha trabalhado num cinema. “O grupo inicial ficou basicamente definido pelas pessoas que apareciam todos os dias e se envolveram”, explica Jane.
Tanto este como o segundo trabalho do colectivo – Folly for a Flyover (em português, Loucura para Um Viaduto), um centro cultural que eles próprios construíram debaixo de um viaduto em Hackney, um bairro londrino com alguns problemas sociais – foram temporários. A justificação é simples: “São espaços para eventos e nós não queremos tornar-nos gestores de eventos.” “Foram projectos importantes para a nossa aprendizagem, para percebermos o que conseguíamos a fazer. Agora estamos noutra fase.”
A lista de projectos já é extensa: teatros ao ar livre, parques infantis, cafés, praças. São mais de duas dezenas, alguns ainda em construção. Entre eles, o design e a criação do layout da exposição itinerante dedicada à arquitecta brasileira Lina Bo Bardi – sobre a qual Jane Hall está a desenvolver a tese de pós-graduação, inspirada na forma como ela envolvia o público nas suas obras.
Cada projecto é sempre liderado por dois membros do colectivo. Quando recebem uma proposta, voltam a sentar-se à mesa do café ou da sala de reuniões e discutem – a comunicação é a chave. Jane lembra: “Isto não é um atelier de arquitectos. Cada um de nós pode usar o Assemble para seguir os seus interesses mais pessoais, o que não seria possível num escritório normal.”
O grupo ainda não decidiu o que fazer com a totalidade do prémio, mas é bem possível que invista numa nova casa, uma vez que até Junho terão de deixar o armazém pelo qual pagam uma renda simbólica. “Gostávamos de fazer algo parecido com o edifício que está ao lado deste armazém, mas a uma escala maior”, explica a arquitecta, referindo-se à Yardhouse. Esta “casa no quintal” foi pensada e construída de raiz pelo colectivo há dois anos. Tem uma estrutura em madeira e a parede exterior forrada a azulejos coloridos, como escamas de um peixe. O espaço está alugado a outros artistas.
Têm batido à porta de construtores e de autarcas com as imagens do projecto, que baptizaram de Open Studios, a pedir espaço e ajuda para o concretizar. “Queremos mais espaço para nós e para os nossos trabalhos, zonas comuns e abertas ao público, oficinas a preços razoáveis, porque em Londres as rendas são muito caras. A ideia não é gerar lucro, mas sim promover a partilha de instalações e de ideias”, afirma Jane Hall. Também querem contratar alguém a tempo inteiro para o escritório. Quanto a novos trabalhos, tudo pode acontecer. “Tudo o que fazemos tem um ethos comum, mas amanhã podemos estar a desenhar um skyscraper [grande edifício, normalmente de escritórios, com mais de 150 metros de altura]”, admite a arquitecta. “O Assemble foi criado para que cada um de nós pudesse fazer o que quer, sem limitações.”
Notícia corrigida: Startford corrigido por Stratford