Público terá acesso condicionado à praia do Grupo Pestana em Tróia
A zona balnear foi projectada para receber 750 veraneantes. Aos frequentadores do eco-resort estão destinados 525 lugares. Os de fora podem utilizar os restantes 225, mas terão de percorrer 1,5 quilómetros pelas dunas.
Entre a costa oceânica, a sul da cidade de Setúbal, e a margem esquerda do estuário do Sado, a natureza formou ao longo de milénios uma extensa faixa de solos arenosos paralelos à linha de costa. E é precisamente na parte mais sensível e estreita desta “língua de areia” natural, em plena Rede Natura 2000, com acentuado risco de erosão, que está a ser construído o Empreendimento Turístico Pestana Eco Resort & Residences, em condomínio privado. O respectivo plano de pormenor foi aprovado por unanimidade pelo executivo da Câmara de Grândola em Maio de 2009.
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Entre a costa oceânica, a sul da cidade de Setúbal, e a margem esquerda do estuário do Sado, a natureza formou ao longo de milénios uma extensa faixa de solos arenosos paralelos à linha de costa. E é precisamente na parte mais sensível e estreita desta “língua de areia” natural, em plena Rede Natura 2000, com acentuado risco de erosão, que está a ser construído o Empreendimento Turístico Pestana Eco Resort & Residences, em condomínio privado. O respectivo plano de pormenor foi aprovado por unanimidade pelo executivo da Câmara de Grândola em Maio de 2009.
Em 2014, a Sociedade Imobiliária Tróia B3, SA, do Grupo Pestana, apresentou um projecto de intervenção em 300 metros de praia numa zona designada como Unidade Operacional 5 (UNOP 5), adjacente ao eco-resort, propondo a sua classificação para “uso condicionado”, como estabelece a Resolução do Conselho de Ministros n.º 136/99, que aprovou o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sado-Sines (POOC Sado-Sines).
O Grupo Pestana avança que a zona balnear pode receber um total de 750 utentes “maioritariamente provenientes do eco-resort (70%) e que 30% serão de fora”, destaca a proposta apresentada.
Nos esclarecimentos prestados ao PÚBLICO, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) salienta que a intervenção na praia das Camarinhas adjacente à UNOP 5 em Tróia “foi oportunamente sujeita a um procedimento de avaliação de incidências ambientais (AIncA)”, coordenado pelo Instituto de Conservação da Natureza e Floresta e aprovado, pela APA, em Agosto de 2015.
Contudo, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2013 estabelece que os projectos de intervenção como o que está a ser implantado pelo Grupo Pestana “devem garantir o livre acesso às praias”, premissa que não estará garantida em relação à praia das Camarinhas.
O eco-resort é um empreendimento em condomínio privado e totalmente vedado, que impede a circulação de pessoas que pretendam dirigir-se à praia, vindas de fora. A alternativa prevista na concessão ao Grupo Pestana de 300 metros da praia das Camarinhas contempla a instalação de um parque de estacionamento com 60 lugares, “distanciado da área de praia concessionada em cerca de 1,5 quilómetros”, sublinha o AlncA.
No documento reconhece-se que “é uma distância considerável, sobretudo se se considerar que será feita pelo areal e em muitos casos por crianças e sob calor intenso”.
Apesar da constatação deste facto, o ICNF antecipa um cenário: “Assim, é de esperar que as pessoas que deixem a sua viatura no estacionamento se instalem na praia próximo do acesso e que não se desloquem para a praia concessionada. A maioria das pessoas instalar-se-á no areal, mas há sempre uma percentagem que se instala na duna que lhe fica adjacente.”
O PÚBLICO confrontou o Pestana Hotel Group com este condicionalismo imposto aos veraneantes que não estão acomodados no eco-resort. O administrador José Roquette argumenta que “a praia tem hoje uso balnear limitado, por ausência de classificação da mesma”, salientando que a situação só “será alterada no futuro”.
Roquette esclarece ainda que a UNOP 5 se situa “num dos pontos mais frágeis da península [de Tróia] e perto do local onde esta é mais estreita, o que obriga a cuidados acrescidos, razão pela qual as autoridades impuseram [ao projecto] sérias limitações no que diz respeito ao uso do espaço e circulação”, bem como “fortes limitações ao acesso”.
Para justificar as restrições no acesso à zona, o administrador do Pestana Hotel Group alega que tanto a vegetação autóctone como as dunas têm sido “em parte danificadas pelo uso descontrolado” do espaço. Em paralelo, diz ser “essencial garantir um rigoroso controlo de segurança que previna roubos e actos de vandalismo, infelizmente tão frequentes na península, sem esquecer a necessidade de preservar todos os factores que contribuem para a criação de um verdadeiro eco-resort”, acrescenta Roquette.
O acesso do público em geral à zona da praia das Camarinhas que serve o eco-resort “constitui forte preocupação do Grupo Pestana para o futuro”, assume o administrador, garantindo que a abertura do local a quem o quiser frequentar será, no futuro, feita “sem qualquer controlo ou discriminação", dizendo-se contrário “à existência de praias de uso privado”.
Por agora, se o público pretender deslocar-se à praia de uso condicionado, Roquette adianta que será mantida “a via tradicionalmente utilizada pela população (pela duna)”, que diz ser “a mais próxima”, e que fica a cerca de 1,5 quilómetros de distância.
Questionada sobre o mesmo constrangimento, a APA avançou uma explicação pouco esclarecedora: “As condições de acesso decorrem das condicionantes existentes no terreno.” A agência frisou que o que mais importa é “minimizar a destruição do relevo e da vegetação dunares”. Também o presidente da Câmara de Grândola (CDU) foi questionado pelo PÚBLICO sobre as restrições impostas às pessoas que queiram deslocar-se à praia das Camarinhas, concessionada ao Grupo Pestana, mas não foi dada qualquer resposta.
Quando o eco-resort estiver concluído, será composto por um hotel com 150 apartamentos, 82 moradias de 200 a 300 metros quadrados, lotes para construção entre 1000 a 2500 metros quadrados e 35 moradias geminadas, tudo instalado numa área com cerca de 100 hectares. Cerca de 80 milhões de euros é o investimento previsto neste projecto imobiliário e turístico.
No âmbito da avaliação ambiental do plano de pormenor da UNOP 5, a análise efectuada aos riscos de erosão costeira conclui: “No caso da península de Tróia, pelo facto de ser uma restinga [faixa] arenosa, móvel e de baixa altitude, apresenta uma significativa vulnerabilidade à acção de eventos sísmicos, tsunaminogénicos, a galgamentos oceânicos e à instabilidade dos terrenos devido ao progressivo recuo da linha de costa.”
Em paralelo, constatou-se que subsiste uma “lacuna de conhecimento” no que diz respeito à dinâmica costeira. Este facto “limita as conclusões técnicas do estudo", pode ler-se no documento, que recomenda “a conservação do cordão dunar como “a melhor forma de prevenir estes riscos e reduzir as suas consequências”.
Não é a primeira vez que as restrições nos acessos às praias na península de Tróia acontecem. Em 2006, durante as obras do empreendimento Troia Resort, a Sonae Turismo [que integra o grupo proprietário do PÚBLICO] interditou três das cinco passagens de acesso à praia. Entretanto, a situação alterou-se e os cidadãos que queiram frequentar a praia Tróia Galé retiram um bilhete que lhes dá acesso ao areal, através de uma cancela, sem outro tipo de constrangimentos.
Nas proximidades do Troia Resort, a associação de proprietários da urbanização de Soltróia impediu durante vários anos, e a partir de 2006, a circulação de viaturas no interior da área residencial, que se dirigiam à praia na zona pública da península de Tróia, obrigando-as durante quatro anos a pagar “portagem”. Hoje, as cancelas permanecem no local, mas encontram-se levantadas e o público pode circular livremente para a praia atlântica.
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