Decisão do TC obriga Estado a devolver subvenções aos antigos políticos

Tribunal Constitucional chumbou, por violação do princípio da confiança, a norma do OE 2015 que faz depender a subvenção vitalícia dos políticos de uma condição de recursos.

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Daniel Rocha

O Estado vai ter de devolver aos antigos deputados ou ex-membros do Governo as subvenções que cortou ou eliminou durante o ano passado. Esta é a principal consequência da decisão do Tribunal Constitucional (TC), que chumbou a norma do Orçamento do Estado (OE) para 2015 que fazia depender as subvenções vitalícias dos rendimentos dos beneficiários (condição de recursos).

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O Estado vai ter de devolver aos antigos deputados ou ex-membros do Governo as subvenções que cortou ou eliminou durante o ano passado. Esta é a principal consequência da decisão do Tribunal Constitucional (TC), que chumbou a norma do Orçamento do Estado (OE) para 2015 que fazia depender as subvenções vitalícias dos rendimentos dos beneficiários (condição de recursos).

A intervenção do TC foi pedida por "um grupo de deputados à Assembleia da República", que não são identificados no acórdão. Mas o socialista Vitalino Canas, um dos subscritores do pedido, confirmou ao PÚBLICO que também deputados do PSD se juntaram ao PS na contestação da norma.

Em causa está o artigo 80.º da Lei do OE que prevê a suspensão da atribuição da subvenção aos antigos políticos com rendimentos superiores a dois mil euros (excluindo a subvenção). E, nas restantes situações, limitou a prestação à diferença entre os dois mil euros e o rendimento total (excluindo a subvenção). Segundo o TC, a norma viola o "princípio da protecção da confiança" dos beneficiários das subvenções e por isso declarou-a inconstitucional.

Como o acórdão não restringe os efeitos da decisão, o Estado terá de repor os valores que não foram pagos durante o ano de 2015. A decisão, explica o professor de direito constitucional na Universidade Católica, Jorge Pereira da Silva, "destrói todos os efeitos produzidos pela norma no passado e a Administração fica com a obrigação de, cumprindo o acórdão, pagar o que não pagou".

Opinião semelhante tem o especialista em direito administrativo Paulo Veiga e Moura: "Se o Tribunal Constitucional não limitou os efeitos para o passado, a norma é inconstitucional desde o início". Mas nem sempre foi assim, em 2012, quando chumbou a suspensão dos subsídios de férias e de Natal da função pública e pensionistas, o TC decidiu que a decisão só teria efeito no ano seguinte.

Agora, chamados a pronunciar-se sobre as subvenções os juízes põem nos dois pratos da balança o interesse público e o princípio da proibição do excesso e concluem que o orçamento para pagar as prestações aos ex-políticos não é "de grande monta" e que no ano de 2015, tendo terminado o programa de ajustamento, "já não são tão evidentes os constrangimentos orçamentais".

O PÚBLICO questionou o Ministério da Segurança Social, que agora tutela a Caixa Geral de Aposentações (CGA), sobre o número de antigos detentores de cargos políticos que serão beneficiados com a decisão e qual o valor a devolver, mas não teve resposta. O último relatório da CGA dá conta de 341 subvenções em 2014.

No acórdão, com data de 13 de Janeiro, o TC considera que o problema reside no facto de o legislador (o anterior Governo) "ter mandado aplicar às subvenções vitalícias regras concebidas para prestações destinadas a fazer face a situações de carência, em que a condição de recursos faz todo o sentido".

O resultado é que a subvenção mensal vitalícia "perde a sua natureza de benefício" para compensar os serviços prestados ao país e "passa a revestir a natureza de prestação não contributiva comum, visando, como as outras, tão-somente evitar que os seus beneficiários sofram uma situação de carência económica".

Esta alteração, "que nada fazia prever", lesou "injustificadamente as expectativas de quantos confiaram no Estado e acreditaram que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, manteria uma configuração da subvenção consentânea com a sua razão de ser e finalidade", sustentou o TC no acórdão redigido pelo conselheiro João Pedro Caupers.

A decisão não teve a unanimidade dos 13 juízes. Pedro Machete, Lino Ribeiro, Carlos Padilha, Maria Lúcia Amaral e Maria de Fátima Mata-Mouros votaram vencidos, tendo justificado a sua oposição à decisão da maioria com declarações de voto.

Desde Janeiro de 2014, o valor das subvenções vitalícias passou a estar dependente dos rendimentos do beneficiário e do seu agregado familiar, apurado no ano anterior, mediante a apresentação da declaração de IRS.

No Orçamento do Estado para 2015, o Governo anterior manteve a regra. Mas os deputados Couto dos Santos, do PSD, e José Lello, do PS, tentaram travar essa intenção, propondo, em alternativa, que as subvenções ficassem sujeitas a uma contribuição extraordinária de 15% sobre o montante que exceda os dois mil euros. Os deputados acabaram por retirar a proposta "em nome do bom senso", disse na altura o deputado social-democrata Couto dos Santos, depois de intensa polémica nas bancadas do PSD e do PS.

O TC apenas se pronunciou sobre o OE 2015, mas, segundo Jorge Pereira da Silva, nada impede agora que os mesmos deputados peçam a fiscalização da norma de 2014.

As subvenções vitalícias foram criadas em 1985 e destinavam-se aos titulares de cargos políticos, como deputados, ex-governantes, autarcas a tempo inteiro e também juízes do TC (desde que não fossem da carreira de magistrados). Para aceder bastava ter desempenhado funções públicas durante oito e, mais tarde, doze ou mais anos. Na altura passou a determinar-se que a subvenção só poderia ser processada a partir do momento em que o titular do cargo perfizesse 55 anos de idade. Em 2005, José Sócrates acabou com as subvenções, tendo salvaguardado os direitos acumulados até ao final dos mandatos em curso. É isso que justifica que continue a haver ex-políticos a receber essas subvenções.