Será que a primeira flor só agora nasceu no espaço?
Uma planta de jardim floriu na Estação Espacial Internacional. Há jornais a dizer que é uma estreia. Mas o que nos diz a história espacial?
A frase
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A frase
The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml' was not found. The following locations were searched:
~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml
CITACAO_CENTRAL
O contexto
Depois de os astronautas terem feito crescer alfaces na câmara de cultivo Veggie da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), que acabaram no estômago de alguns astronautas em Agosto de 2015, o projecto seguinte de jardinagem espacial foi o cultivo de zínias, plantas da família dos girassóis e dos malmequeres, que dão flores muito apreciadas nos jardins. Mas foi um processo difícil: houve falta de ventilação da estufa e excesso de água, as folhas murcharam, surgiu bolor, depois houve falta de água devido ao excesso de ventilação e tudo parecia estar perdido. Morreram duas das quatro zínias.
Scott Kelly, comandante da actual missão da ISS, acabou por ficar ao leme da jardinagem (substituindo outro astronauta que terminou a sua estadia na estação espacial) e foi tuitando sobre a evolução das zínias. No sábado passado, depois de uma das plantas ter florido, o astronauta escreveu no Twitter: “Primeira flor de sempre a crescer no espaço faz a sua estreia.” Nesta segunda-feira, notícias em vários jornais davam o caso como inédito. O jornal britânico Independent escreveu: “Uma planta floriu pela primeira vez no espaço em gravidade zero.” Informação que ignora décadas de experiências espaciais com plantas.
Os factos
Apesar do entusiasmo, esta não é uma estreia. As primeiras plantas floriram no espaço há mais de 30 anos. “Em 1982, a tripulação da estação espacial Saliut-7, pertencente à então União Soviética, cultivou a bordo algumas Arabidopsis [a planta com flor mais usada na investigação científica]. Durante o seu ciclo de vida de 40 dias, elas tornaram-se as primeiras plantas com flor a produzir sementes no espaço em gravidade zero”, lembra o site oficial do Guinness.
A tentativa de cultivar plantas no espaço já vinha da década anterior, e continuou nos anos seguintes. Na estação russa Mir, entre 1996 e 1997 cultivou-se trigo, obtendo-se flores e sementes. Desde o início da vida da ISS que houve investigação em plantas. No seu blogue, o astronauta norte-americano Donald Pettit mostrava em 2012 fotografias de uma flor de girassol durante a sua missão na ISS.
Esta longa tradição de cultivo, além de ter um objectivo científico de compreensão do comportamento das plantas no espaço, é importante se a humanidade quiser viajar no espaço durante longos períodos de tempo e quiser colonizar outros lugares no Universo. As plantas são uma fonte de alimento essencial, além de prestarem um serviço para o bem-estar das tripulações num ambiente isolado. A escolha das zínias para cultivar não é ao acaso. Segundo a NASA, aprender a cultivá-las é um passo para depois conseguir cultivar tomate, uma que as zínias e o tomateiro têm um período maior de crescimento e ambos precisam de florir.
Em resumo
A frase do comandante da ISS é assim enganadora. Há um longo historial de cultivo de plantas no espaço e de plantas a florir. Mas o entusiasmo é compreensível, principalmente depois de Scott Kelly ter quase visto todas “as suas plantas” a morrer. Neste processo, o astronauta inaugurou uma nova fase de jardinagem na ISS. Até então, havia um comando automático de rega das plantas na Veggie, mas as necessidades das zínias obrigaram-no a tomar o leme da jardinagem. O comandante recebeu da equipa na Terra da Veggie O Guia de Cuidados das Zínias para o Jardineiro em Órbita, de uma página. No Twitter, o astronauta até fez um piscar de olhos à personagem de Mark Watney, interpretada por Matt Damon, no filme O Marciano, o botânico-astronauta que acaba sozinho em Marte e tenta sobreviver apostando na agricultura. “As nossas plantas não parecem estar muito bem. Isto seria um problema em Marte. Vou ter de sintonizar o meu Mark Watney interior”, escreveu a 27 de Dezembro de 2015. E conseguiu-o… só não foi o primeiro.