“Tenho uma enorme consideração pelos partidos”
Recusando a ideia de que é um candidato do PS ou que estava na expectativa do apoio de António Costa, Sampaio Nóvoa garante que colaborou com outros partidos e quer o apoio de todos.
Como independente de esquerda, Sampaio da Nóvoa assume-se como alguém que está disponível para colaborar com os partidos, sem exclusões. Recusa que o colem ao PS e garante que o “novo tempo” que defende passa pelo aumento da democracia participativa.
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Como independente de esquerda, Sampaio da Nóvoa assume-se como alguém que está disponível para colaborar com os partidos, sem exclusões. Recusa que o colem ao PS e garante que o “novo tempo” que defende passa pelo aumento da democracia participativa.
Na entrevista ao Jornal de Notícias não respondeu a uma pergunta sobre se estava mais perto do PS ou do PCP. Essa não resposta foi considerada como uma forma de fugir à questão. Quer esclarecer hoje se está mais próximo do PS ou do PCP?
Revejo-me no espaço de uma social-democracia que se foi perdendo, cujos valores são valores muito abertos, valores da democracia, da liberdade, do Estado social, da igualdade. Revejo-me no socialismo de liberdade e isso, para mim, é o mais importante. Tentar estabelecer distâncias em relação a partidos, dentro dos próprios partidos há distâncias enormes entre uns e outros.
Ao Expresso disse: “Quero imenso o apoio do PS.” A pergunta que tinha anotada é: porquê o partido e não o voto dos cidadãos? Agora pergunto-lhe: quer o apoio do PS, mas não quer o do PCP?
Quero, quero. Na entrevista eu disse: quero imenso o apoio do PS e quero imenso o apoio do PCP e quero imenso o apoio do BE e quero imenso o apoio de todos os cidadãos e quero imenso o apoio dos movimentos sociais e quero imenso o apoio de toda a gente e quero imenso até o apoio de sectores do PSD e do CDS que se revejam numa ideia genuína da social-democracia, da democracia cristã, etc. A resposta foi essa. Sai uma parte da resposta.
A imagem que tem passado nos últimos tempos é a de que o senhor surge muito colado ao PS, ou seja, como o candidato que queria ser apoiado pelo PS. Não teme que isso estreite o seu campo de penetração no eleitorado?
Já fui criticado por isso e pelo contrário, por querer aproximar-me do PS, por querer distanciar-me do PS, já fui criticado pelas mais diversas razões. E eu mantenho-me sempre no mesmo lugar, digo sempre desde o princípio que esta candidatura é uma candidatura de raiz independente, que tem a sua raiz na esquerda, mas quer ser abrangente ao todo nacional, a todos os portugueses a partir dos princípios e das causas que eu defendo. Como isto é uma coisa muito estranha na sociedade portuguesa, como é uma coisa que não é habitual na sociedade portuguesa, as pessoas têm passado estes meses que levo de campanha a tentar encaixar-me num lugar qualquer. E depois tentam encaixar-me dentro do PS; depois não encaixa, tentam encaixar-me noutra coisa qualquer.
Isso começou quando foi convidado por António Costa como orador no congresso do PS. Por que é que lá foi?
Nunca recusei o convite de nenhum partido para intervir em acções desse partido. Pouco tempo antes tinha estado em iniciativas do PCP, pouco tempo antes tinha estado em iniciativas do BE. Portanto, eu julgo que na minha intervenção cívica e porque, contrariamente ao que às vezes se diz, eu tenho uma enorme consideração pelos partidos e acho que é impossível ter um discurso populista contra os partidos, eu sempre colaborei, sempre que me convidaram eu estive nas iniciativas.
Desse convite do dr. António Costa não depreendeu um apoio indirecto à sua candidatura?
Não, de maneira nenhuma. Depreendi que o PS, coerentemente com o que tinha sido o processo das primárias, em que o PS se tinha querido abrir à sociedade, chamando a votar numa eleição interna pessoas de muitos sectores da sociedade, queria ser coerente com esse processo e queria chamar também um leque de independentes. Não me convidaram a mim, convidaram um conjunto de independentes para intervir no congresso. Fá-lo-ia de novo, como o faria em relação a qualquer outro partido.
Ao apelar ao apoio do PS, enquanto se afirma simultaneamente um candidato da cidadania, não encontra aqui nenhuma contradição? Acha que isto é compaginável?
Nesse sentido, no sentido literal em que está a dizer, nunca me ouviu dizer isso, nunca me ouviu apelar ao voto dos socialistas. Ouviu-me apelar ao voto de todos os portugueses.
Tem tido desde o início um discurso anti-sistema que leva as pessoas a fazer isso que diz, a querer encaixá-lo em gavetinhas...
Nunca me ouviu ter um discurso anti-sistema.
Quando diz que os partidos do sistema não trazem coisas novas.
Nunca me ouviram fazer uma crítica ou um discurso anti-sistema, nunca me ouviram fazer críticas aos partidos. Ouviram-me sempre dizer que é preciso completar a democracia, alargar a democracia. Ouviram-me sempre dizer que a democracia não se esgota nos partidos, que há outra dimensão da democracia e da cidadania que vá para além dos partidos, como está consagrado na nossa Constituição. A nossa Constituição consagra uma democracia representativa e fala também de uma democracia participativa. Ora, o que tem havido em Portugal é que a democracia tem ficado sobretudo na sua primeira dimensão prevista na Constituição e tem estado pouco presente nesta segunda dimensão. O que eu quero é justamente completar a dimensão da democracia, alargar a democracia e julgo que para isso é preciso uma renovação dos partidos, é preciso uma maior presença e uma maior participação de pessoas que não vêm dos partidos.
Assume-se como um presidente de um “novo tempo”, que é um conceito recente da política portuguesa, após a formação do Governo de António Costa com apoio à esquerda. Não teme que este decalque do “novo tempo” o torne num presidente de facção, um presidente de uma maioria circunstancial?
Não, não temo. Não temo por duas razões. Primeiro, porque a ideia do “novo tempo” é uma ideia que está muito presente desde o lançamento da minha candidatura. Não é uma ideia que venha de agora, não é uma ideia que tenha que ver com este Governo. É uma ideia que tem que ver com a necessidade de completar a democracia, de abrir um espaço de cidadania na nossa intervenção política e de abrir uma nova cultura de diálogo e de compromisso, de considerar que todos contam na nossa democracia, que há partidos que contam e outros que não contam, que há eleitores que contam e outros que não contam, portanto é preciso abrir esse “novo tempo”. E o Presidente tem de estar à altura desse “novo tempo” e de saber interpretá-lo. Eu fui o único candidato que, logo no início deste processo, quando toda a gente andava a dizer as coisas mais díspares, que disse: o Presidente da República, nas actuais circunstâncias, tem de dar posse ao Governo de maioria parlamentar. Se houver acordos de maioria parlamentar, e repeti, sejam ele quais forem, à direita, à esquerda ou ao centro, o Presidente da República tem de dar posse a um governo dessa orientação. Os acordos de maioria parlamentar fizeram-se à esquerda...
O “novo tempo” tanto dará para a esquerda como para a direita?
O “novo tempo” é um tempo, primeiro, de um novo entendimento da política em Portugal. Portanto, um tempo em que se incluísse todos os partidos da nossa vida política e em que se acabasse de vez com a visão estrita do “arco da governação” e que simultaneamente fosse um “novo tempo” do ponto de vista das políticas, isto é, um “novo tempo” em que se abrisse uma política pós-políticas de austeridade.
Isso não o cola demasiado ao Governo do PS?
Isto cola-me àquilo que eu sempre referi — uma análise e um diagnóstico de que as políticas de austeridade foram políticas erradas em Portugal, que não resolveram os problemas centrais do país, os problemas do desenvolvimento, da igualdade. Deixaram o país mais pobre, deixaram o país com maior dívida, portanto, eu era contra essas políticas.
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A ideia de romper o “arco da governação” já estava na moção de António Costa às primárias no Verão de 2014. Essa ideia é sua, mas publicamente...
Na Aula Magna, em 2013, na iniciativa promovida pelo dr. Mário Soares já lá está esta minha ideia.
Portanto é uma ideia comum.
Há muitas ideias que num determinado momento acontecem. O que é importante é perceber o que é essa convergência de ideias que são importantes. Agora, para unir o país, não se une o país uns contra os outros, não se une o país a partir de lógicas de facção. Não se une o país sem ter ideias e sem ter causas. Eu sou um Presidente que tem ideias, que tem causas, que as afirma, mas que a partir delas alarga o seu pensamento e a sua acção ao conjunto do país. Não acho que para unir tenha de ser uma pessoa acéfala e sem ideias. Ah, eu não tenho ideias nenhumas e por isso vou unir toda a gente.
Para concluir: não é o protagonista único do “novo tempo”, não é o anunciador do “novo tempo”, é apenas um participante como candidato neste momento nesse “novo tempo”.
A ideia de anunciador cheira vagamente a coisas messiânicas que eu não sou. Portanto, nunca me encontrará com discursos messiânicos ou sebastianistas, porque a minha matriz é uma matriz colectiva — as coisas fazem-se com as pessoas, não se fazem porque há um iluminado qualquer. As pessoas surgem de movimentos colectivos, de forças sociais, de energias colectivas, como tem sido tão claro nesta campanha. Eu tenho dito muitas vezes que esta é uma campanha do nós, não é uma campanha do eu. É uma campanha que procura envolver as pessoas. E nós a determinada altura temos de estar à altura das nossas responsabilidades históricas e temos de o fazer com grande humildade, com grande abertura de serviço público. É isso que eu estou a fazer procurando dar corpo a muitos dos movimentos e das ideias que surgem. Nós não nascemos do nada, nascemos das pessoas, das indignações, dos movimentos, das necessidades de um determinado momento histórico, um país que as pessoas sentem e têm.
O senhor tem o apoio de três ex-presidentes da República que tem assumido como referência. Ao vincar essa referência e essa legitimidade não teme ser visto como um prolongamento do passado?
Não, porque, para mim, só quem tem passado pode ter futuro. Não há futuro sem passado.
Como concilia ter como referência o general Ramalho Eanes e o dr. Mário Soares que tiveram leituras do órgão de soberania Presidente diversas...
Não creio que tenham tido leituras diversas.
Tiveram visões do país diferentes.
Isso é outra coisa, mas não dos poderes presidenciais. Julgo que o entendimento da função presidencial em Portugal se estabiliza constitucionalmente com o general Ramalho Eanes. São os dois mandatos do general Ramalho Eanes que de algum modo constituem a matriz do exercício presidencial em Portugal, que essa matriz é prolongada pelo dr. Mário Soares, justamente, na maneira como exerce as suas funções presidenciais. São pessoas distintas, certamente que são, como é também o dr. Jorge Sampaio. O que posso dizer é que sinto disso um enorme orgulho e um enorme reconhecimento que estes três ex-presidentes da República, que me conhecem bem, reconheçam em mim e vejam em mim as competências, as qualidade para exercer o cargo de Presidente da República.
Portanto, é um lastro positivo? Não é um lastro negativo?
Seria para mim absolutamente impensável hoje imaginar que três pessoas em cujo legado presidencial eu me revejo, de maneiras distintas e por razões distintas, seriam um lastro negativo. Eu acho que quem não tem história não tem futuro. Temos de perceber onde estão as raízes do nosso passado e da nossa história. Tentarmos perceber como essas três figuras constroem o nosso regime democrático pós-25 de Abril e é nelas que encontro muita inspiração para o que quero ser.