“A ideia de que há ditaduras boas e ditaduras más é para mim insuportável”
O ex-reitor critica Bolonha e afirma que a reconversão dos cursos obedeceu a critérios economicistas e padroniza a investigação. Com uma vida de activismo, esclarece porque nunca militou em partidos.
Sampaio da Nóvoa foi reitor da Universidade de Lisboa, mas assume-se como um crítico de Bolonha. Elogia o Papa Francisco e afirma-se agnóstico. E explica que o seu activismo não passou pela militância partidária, até porque nasceu para a política quando “já não era suportável qualquer justificação com qualquer ditadura, fosse ela qual fosse”.
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Sampaio da Nóvoa foi reitor da Universidade de Lisboa, mas assume-se como um crítico de Bolonha. Elogia o Papa Francisco e afirma-se agnóstico. E explica que o seu activismo não passou pela militância partidária, até porque nasceu para a política quando “já não era suportável qualquer justificação com qualquer ditadura, fosse ela qual fosse”.
Candidatou-se a Presidente da República dizendo estar farto de “discursos de plástico”, mas o seu discurso tem sido caracterizado como “vazio”, “oco” e até há quem o considere “populista”. Como reage a estas críticas?
Populista nunca tinha ouvido, é a primeira vez. Às outras respondo com a minha Carta de Princípios e com o conjunto das 20 causas que abracei, em relação às quais nomeei mandatários e mandatárias — 20 causas, 20 homens e 20 mulheres — que estabelecem um programa muito claro do que é a minha candidatura. Ouvi essas críticas e ouvi exactamente as críticas contrárias de que eu queria ter um programa de governo, que eu era muito preciso, que não tinha um programa de Presidente, mas de primeiro-ministro. Julgo que essas críticas resultam do debate político normal, de pessoas que combatem as minhas ideias e que utilizam os argumentos que lhes parecem mais adequados para esse combate.
À partida era o candidato menos conhecido. Tem afirmado que se candidatou como candidato da cidadania e em nome do seu passado cívico. Que passado é esse?
É um passado sempre de lutas pela liberdade, pelos diversos lugares e os diversos espaços em que estive.
Pode concretizar?
Posso. Quando jovem, aqui em Coimbra, participei em todas as lutas pela liberdade, antes do 25 de Abril, nas associações de estudantes, nos movimentos estudantis, em todas as lutas que aconteceram nessa época. Também na minha actividade cultural, na minha actividade cívica, na minha actividade de intervenção. Continuei a fazê-lo depois do 25 de Abril, como é normal. Envolvi-me nesse tempo da construção das liberdades em Portugal de alma e coração em todos os momentos.
Teve alguma militância?
Nunca tive nenhuma militância num partido ou numa organização, mas tive uma larguíssima participação em muitos movimentos — de moradores, de trabalhadores, em organizações diversas, colaborei com muita gente nesse momento; promovi candidaturas independentes para autarquias um pouco mais tarde. Portanto, tive essa actividade, que julgo que era a actividade que se exigiria de alguém que estava comprometido com a defesa da liberdade.
Era um outsider?
Não gosto da palavra outsider, mas a minha intervenção foi sempre feita a partir de lugares culturais, de movimentos sociais, de movimentos culturais e não a partir das estruturas partidárias. Sempre colaborei com muitas estruturas partidárias, com muitas organizações partidárias, mas nunca me inseri nessas organizações. Talvez porque tenha nascido para a política também num tempo em que já não era suportável, para qualquer um de nós, qualquer justificação com qualquer ditadura, fosse ela qual fosse. E essa é uma marca muito forte da minha vida. A ideia de que há ditaduras boas e ditaduras más é para mim uma ideia insuportável. As ditaduras são todas más. E, portanto, sempre me dei a essa causa da liberdade. Julgo que estive a partir do final dos anos 70 nas causas da escola pública — foram as causas principais que orientaram a minha vida e as causas que mudaram Portugal. Portugal muda nos últimos 40 anos pela nossa capacidade de recuperar de um atraso de décadas, de séculos.
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Foi reitor entre 2006 e 2013, numa época em que houve uma transformação profunda da universidade portuguesa. Como vê as críticas de que Bolonha deu cabo da academia portuguesa e do espírito de liberdade de estudo e de investigação, que padronizou o ensino em Portugal?
Sempre fui um crítico de Bolonha. Foi um processo em que não só manifestei críticas enquanto reitor, mas escrevi muito enquanto académico. E tenho hoje uma opinião que confirma muitas das críticas que fiz ao longo de muito tempo ao processo de Bolonha. Sem falar que o processo de Bolonha teve aspectos positivos, sobretudo pela dimensão da circulação da população de estudantes, pelo que foi o reforço da internacionalização do ensino.
Mas não limita a liberdade de investigação?
A liberdade de investigação não limita, mas padroniza um conjunto de formações e isso, a meu ver, é negativo. Mais negativo do que a padronização das formações é uma visão muito economicista que Bolonha trouxe para dentro do ensino. Na verdade, quando se reduzem os graus de cinco para três anos, quando se procura formatar em três anos uma formação inicial como uma formação de base, é evidente que isso limita muito a dinâmica de formação dos estudantes. Foi uma das áreas em que sempre me mostrei muito crítico sem desconhecer aspectos positivos.
Na sua primeira entrevista ao JN perguntaram-lhe se era crente e disse que só a sua mãe saberia, se fosse viva. No seu tempo de antena, há uma imagem sua no Vaticano com o Papa Francisco. Essa é a resposta à pergunta que lhe fizeram?
Essa resposta ao JN é de quem acabou de perder a mãe há muito pouco tempo, uma mãe que era muito religiosa, que nos deu uma formação religiosa forte e que tinha comigo, nesse aspecto, uma relação particularmente especial. Sempre tive essa formação, essa matriz religiosa, mas não sou crente no sentido em que hoje não sou praticante — uma palavra de que não gosto, porque acho que essa palavra não existe. E, portanto, defino-me como agnóstico, muito naturalmente, isto é, como quem admite todas as possibilidades e também a possibilidade da existência de Deus. E acho que isso me dá uma tolerância e uma abertura de possibilidades em relação à percepção de tudo o que é o fenómeno religioso, que é um fenómeno muito importante no mundo de hoje, que me permite ter essa outra visão. E a presença do Papa Francisco tem sido nas minhas leitura e na minha reflexão uma presença muito importante. É um homem que traz uma reflexão muito importante e foi, para mim, uma enorme honra e orgulho ter sido recebido por ele para lhe entregar em mãos a obra completa do Padre António Vieira que eu promovi como reitor.