O debate em que Trump e Cruz passaram de Batman e Robin a Tom e Jerry
As primeiras eleições para a escolha do candidato do Partido Republicano estão a chegar, e o magnata sente a ameaça do senador do Texas. O duelo entre Donald Trump e Ted Cruz dominou o debate da noite de quinta-feira.
Desde que a campanha para as eleições presidenciais nos EUA começou a aquecer, em Agosto do ano passado, o magnata Donald Trump e o senador Ted Cruz andaram sempre de mãos dadas, num clima que parecia levá-los ao altar da nomeação como candidatos a Presidente e a vice-presidente pelo Partido Republicano. Mas o debate de quinta-feira à noite, na Carolina do Sul, foi o momento escolhido para o fim do romance, com direito a golpes tão baixos que chegaram a despertar a vergonha alheia.
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Desde que a campanha para as eleições presidenciais nos EUA começou a aquecer, em Agosto do ano passado, o magnata Donald Trump e o senador Ted Cruz andaram sempre de mãos dadas, num clima que parecia levá-los ao altar da nomeação como candidatos a Presidente e a vice-presidente pelo Partido Republicano. Mas o debate de quinta-feira à noite, na Carolina do Sul, foi o momento escolhido para o fim do romance, com direito a golpes tão baixos que chegaram a despertar a vergonha alheia.
Por esta altura, basta viver no planeta Terra para se perceber que nada do que Donald Trump diga poderá prejudicá-lo nas sondagens.
Chamar assassinos e violadores aos mexicanos que passam a fronteira sem papéis? Feito. Dizer que o estatuto de herói de guerra que John McCain tem nos EUA é exagerado porque ele foi capturado? Feito. Ridicularizar uma pessoa com uma incapacidade física? Feito. E que essa incapacidade física tenha sido provocada por uma doença congénita? Feito, com o bónus de o alvo ter sido um jornalista. Propor a proibição de entrada nos EUA de todos os muçulmanos, incluindo turistas e professores universitários? Feito.
A lista poderia continuar até ao fim do texto, mas quem segue a política norte-americana já sabe como esta história acaba: de acordo com a média das sondagens, Donald Trump continua a liderar a corrida à nomeação pelo Partido Republicano a nível nacional, com 15 pontos percentuais de vantagem sobre Ted Cruz, um senador do Texas que ganhou notoriedade como figura maior do movimento radical Tea Party.
As primárias estão a chegar
Mas a razão da zanga entre Donald Trump e Ted Cruz tem um nome: chama-se Iowa, e é o primeiro estado a ir a votos, já no próximo dia 1 de Fevereiro. Ao liderar a sondagem mais importante daquele estado – a do jornal Des Moines Register –, Cruz passou a ter um alvo nas costas, onde Trump tenta agora acertar sempre que surge uma oportunidade.
Os ataques começaram a ser ensaiados na semana passada, mas foi no debate da noite de quinta para sexta-feira, na Carolina do Sul, que o magnata do imobiliário e estrela da televisão pôde mostrá-los a uma audiência nacional: depois de ter tentado provar que Barack Obama não nasceu no Havai mas sim no Quénia, Donald Trump apanha agora o comboio dos que têm dúvidas sobre a nacionalidade de Ted Cruz.
"A verdade é que há um grande ponto de interrogação pintado na tua cabeça. E tu não podes fazer isso ao partido. É preciso haver certezas. Há grandes constitucionalistas a dizer que não te podes candidatar. Eu não vou levar o caso a tribunal, mas os Democratas vão fazer isso. Não pode haver dúvidas", afirmou Donald Trump, salientando o facto de Ted Cruz ter nascido no Canadá, filho de pai cubano e mãe norte-americana nascida no estado do Delaware.
Segundo a Constituição dos EUA, só um cidadão de nacionalidade norte-americana à nascença pode ocupar o cargo de Presidente – uma definição que nunca foi testada em tribunal, mas que tem sido interpretada de forma a permitir que seja suficiente ter um dos pais nascido nos EUA. Para além de Obama, também o senador Republicano John McCain foi alvo de algumas dúvidas por parte dos que defendem uma leitura mais radical da Constituição (ser necessário ter nascido em um dos 50 estados e ter pelo menos um dos pais nascido nos EUA) quando decidiu candidatar-se em 2008, por ter nascido na Zona do Canal do Panamá, na antiga base de Coco Solo.
A troca de palavras entre Cruz e Trump foi seguida com risos e vaias pela assistência, que se inclinou para o lado do senador do Texas assim que ele começou a responder com ironia à questão da nacionalidade, que foi lançada por um dos moderadores: "Bem, Neil, fico satisfeito por nos estarmos a concentrar nos tópicos mais importantes."
E, a partir daí, nunca mais perdeu a liderança da discussão com o magnata, acusando-o de hipocrisia e de aproveitamento político: "Em Setembro passado, o meu amigo Donald disse que tinha pedido aos seus advogados para analisarem este assunto de todas as formas possíveis, e eles não encontraram nada. Não havia nada por onde pegar. A Constituição não mudou desde Setembro. Mas os valores das sondagens mudaram."
Cruz aproveitou a oportunidade para minimizar os efeitos de uma revelação feita esta semana pelo New York Times, cujo impacto ainda não foi avaliado nas sondagens. Segundo uma investigação do jornal norte-americano, o senador pediu dois empréstimos milionários ao Goldman Sachs e ao Citibank para financiar a sua candidatura ao Senado, em 2012, enquanto segurava a bandeira da luta contra o resgate financeiro dos grandes bancos de Wall Street.
O facto de Cruz ter pedido os empréstimos – num valor superior a um milhão de dólares –, e de a sua mulher, Heidi, ser uma executiva de topo do Goldman Sachs, não é o problema. A questão é que o agora candidato à Casa Branca não reportou esses empréstimos nos documentos entregues à comissão de eleições norte-americana quando se candidatou ao Senado, privando assim os seus potenciais eleitores de uma informação importante. Para Ted Cruz – um advogado que ganha mais de um milhão de dólares por ano – tudo não passou de um "descuido", até porque enviou essa informação à comissão de ética do Senado, que lida apenas com a vida financeira particular dos seus membros.
Ao lado de Trump e Cruz no debate estiveram outros cinco candidatos, que também se desdobraram em duelos, mas nenhum deles com a dureza e o impacto dos dois mais bem posicionados nas sondagens.
O senador Marco Rubio, da Florida, continua sem descolar do terceiro lugar; o antigo neurocirurgião Ben Carson continua a sua queda em direcção ao esquecimento; o antigo governador da Florida Jeb Bush continua a revelar-se como o candidato mais moderado, e talvez por isso mesmo a não conseguir sair do fundo; o governador Chris Christie continua a ser visto pelo sector mais conservador do Partido Republicano como um Democrata disfarçado; e o governador do Ohio, John Kasich, é agora um forte candidato a ser o próximo a desistir da corrida.
Um Trump sentimental
Apesar da boa prestação de Marco Rubio, o debate da noite de quinta-feira (o sexto desde Agosto e o penúltimo antes das eleições no Iowa) foi dominado pela dupla Trump e Cruz, e pela sua transformação de Batman e Robin em Tom e Jerry.
Se o senador do Texas venceu o duelo sobre a sua legitimidade como candidato a Presidente dos EUA, o magnata do imobiliário e estrela da televisão foi responsável pelo melhor momento da noite – e talvez mesmo de todos os debates realizados até agora.
Quando a relação entre ambos já acusava sinais de desgaste, no início da semana, Ted Cruz disse que Donald Trump "personifica os valores de Nova Iorque". Mas aquilo que era para ser entendido como uma ofensa (os nova-iorquinos são "socialmente liberais, pró-aborto, pró-casamento gay e centram-se no dinheiro e nos media", disse Cruz durante o debate) acabou por ser uma granada que explodiu nas mãos do senador do Texas perante milhões de telespectadores.
De uma forma séria e emotiva, em claro contraste com a furiosa avalancha de declarações que tem levado tudo à sua frente nos útimos meses, Donald Trump fez o elogio dos nova-iorquinos lembrando o momento mais marcante da história da cidade, e deixando Ted Cruz sem resposta: "Quando o World Trade Center desabou, fui testemunha de algo que nenhum outro sítio na Terra poderia ter resolvido de forma mais bonita e mais humana, do que Nova Iorque."
Perante o silêncio respeitoso da assistência, interrompido apenas por aplausos, Trump quis mostrar aos eleitores que também consegue falar sem ofender ninguém e sem prometer a construção de um muro ao longo da fronteira com o México pago pelos próprios mexicanos.
"As pessoas em Nova Iorque lutaram e lutaram e lutaram, e vimos ainda mais morte, e sentimos o cheiro da morte – ninguém conseguia perceber. Ficou connosco durante meses, o cheiro, o ar. Mas reconstruímos Manhattan, e todas as pessoas do mundo viram e amaram Nova Iorque e os nova-iorquinos. Tenho de dizer que a declaração do Ted foi muito insultuosa."