Do contentamento
No último mês comi todos os dias, lavei sempre os dentes (pasta “Couto”), só faltei ao banho quando me apeteceu, nunca tive frio a sério, trabalhei e fui pago e tudo
No último mês comi todos os dias, lavei sempre os dentes (pasta “Couto”), só faltei ao banho quando me apeteceu, nunca tive frio a sério, trabalhei e fui pago e tudo, a cachopa andou a portar-se mais ou menos, vi sete amigos que já não via há um ano (e os adoráveis putos deles), fiz dois novos (a verificar a seu tempo, como tudo o que é sério), só discuti com a legítima uma vez.
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No último mês comi todos os dias, lavei sempre os dentes (pasta “Couto”), só faltei ao banho quando me apeteceu, nunca tive frio a sério, trabalhei e fui pago e tudo, a cachopa andou a portar-se mais ou menos, vi sete amigos que já não via há um ano (e os adoráveis putos deles), fiz dois novos (a verificar a seu tempo, como tudo o que é sério), só discuti com a legítima uma vez.
Ouvi muita música séria, vi um grande filme e deram-me um bom livro (dei um ainda melhor acho eu, a verificar a seu tempo, como tudo o que é sério), acho que descobri um escritor entre os cá da casa, sobrevivi a uma festa de criancinhas (OK bebi uma garrafa de branco e controlei a música, só passei o “Já Passou” da Frozen três vezes, mas eram 15 no início e 15 foram entregues aos respectivos progenitores no fim), só se me morreu um na família.
Houve guito para o tabaco (o vício que me resta), comi meia vaca e um cardume de bacalhau e aprendi a cozer polvo e derrubei uma caixa de tinto e outra de branco, descobri o arroz de couve à transmontana e ainda comprei uma aguardiente de "hierbas" manhosa (não podem ser todas de Allariz) mas que para os dias que correm escorre muito bem, só me insultaram uma vez na caixa de comentários do P3, fiz amor.
Tive o privilégio duma ida ao terreno (de trinta anos) com a minha orientadora (as aulas haviam de ser sempre assim: a 3D e com cheiros e sabor e noção do tempo a passar e tudo), conheci pelo menos dois figurões que hão de figurar nos manuais de Etnologia Portuguesa do futuro (só não vi a máscara da Bemposta), o meu avô lá vai escalando o Inverno, voltou o meu contacto preferido no jornal, das duas turmas que me restam sou capaz de chumbar só um, os gatos não escangalharam nada de importância, a Direita continua a espumar, o Aníbal está quase quase a ir de vez e agora temos o Jorge Sequeira (e a sua espectacular colecção de óculos) para nos rirmos, só faltou ver a Xana e o Carlos e ir ao Porto.
E caladinho olho à volta: em casa temos questões, discussões, velhinhas cegas, gente doente, moribundos, luto, criancinhas caprichosas e vígaras, católicos, desemprego, emigração, recibos verdes, conversas a ter sobre pedagogia, (desnecessários) desgostos amorosos, penteados esquisitos, tias arrivistas, primos no armário, avós venenosas, demasiado “merchandising” da Disney, hemorróidas, cartas e crónicas e artigos e teses inteiras por escrever, fotografias (Inês!) e poemas (Marta!) a serem paridos, histórias velhas, esqueletos no armário, “ex-amigos”, toda a sorte de merda e chatices velhas, escleróticas e decompostas com que lidar, e no entanto...
E no entanto, pode ser que seja só um segundo Pangloss, mas que raios, depois de toda a fel que aqui distilo semanalmente, também tenho direito a olhar e ver, sem subscrever necessariamente o disparate do “quem em novo não sei quê e em velho não sei que mais” e escapar às abezerragens do aburguesamento e do “regresso à classe de origem”, de ver, nem que seja só por um momento, os astros todos alinhadinhos... estou contente. É aproveitar enquanto dura.